10. Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – Final do Jogo?

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Revisão Flávio Nunes

 

Caderno de notas de um etnólogo na Grécia- Análise social diária da crise grega

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Terça-feira, 17 Fevereiro de 2015 10.

 

10. Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – Final do Jogo?

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Tempo de carnaval. Risos e piadas na Praça da Constituição, como durante este 15 de Fevereiro, aquando do novo ajuntamento popular no ano de 2015, visivelmente inaugural do desconhecido. O novo “malogro” do Eurogrupo (16 de Fevereiro), precisaria à sua maneira o peso da esperança. A rua grega está muito determinada, não mudará de opinião enquanto as recentes declarações do ministro alemão da finançocracia e dos europeístas foram recebidas como mais uma provocação. O governo grego respondeu-lhe, retomando exatamente os mesmos termos: “Temos pena do povo alemão porque os seus líderes são irresponsáveis”.

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Praça da Constituição, 15 de Fevereiro de 2105

 

O reformado ali do canto, o que tem o quiosque do bairro, ficando a saber das declarações de Wolfgang Schäuble através do muito pequeno ecrã da sua televisão, recordou-se imediatamente da gama completa que a língua neo-helénica oferece em insultos. O fundo da questão precisar-se-ia. As elites alemãs iriam então até ao fim na sua gestão da União Europeia. Esperemo-lo em todo caso, e são cada vez mais numerosos os cidadãos a desejá-lo assim na Grécia, para enfim conseguirmos quebrar a cadeia do euro e até ao seu desmoronamento. Porque todos sabemos quanto esta moeda de macaco, monnaie de singe, é consubstancial da primeira grande fraude nesta Europa do século XXI. É assim que a quaresma ortodoxa começa na Grécia, segunda-feira 23 de Fevereiro, praticamente no momento em que o ultimato alemão formulado aquando do Eurogrupo expiraria. No condicional, naturalmente, da mesma maneira que o resto neste momento. Enfim. Em todo caso, e de acordo com as declarações de Yanis Varoufákis, o texto consensual apresentado por Michel Sapin aceite por Alexis Tsípras, foi substituído in extremis por um outro texto mais alemão, apresentado pelo lacaio Jeroen Dijsselbloem. Este último texto exige assim a continuação do programa de exterminação económica dos Gregos, sem estar a ter conta evidentemente a nova situação gerada pelas eleições de 25 de Janeiro. Michel Sapin não teria podido fazê-lo. Seja então, isto significa ou que a França do momento não tem mais nenhum poder de influência no Eurogrupo, ou que Michel Sapin encarna o papel do bom “chui”. A constatação é obviamente muito triste.

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Praça da Constituição, Atenas, 15 Fevereiro

 

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Socialismo ou barbárie. Praça da Constituição, Atenas, 15 Fevereiro

 

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100% NÃO ao memorando. Praça da Constituição, Atenas 15 Fevereiro

 

“Devemos fazer de modo a que a Grécia se sinta bem na Europa de hoje”, assegurava-nos Michel Sapin sobre França. “Não encontrar acordo seria um malogro para a Europa, e esta deve crescer e não reduzir-se. Seria também um malogro para a Grécia e para o seu povo que sofre, que fez esforços desmedidos nestes últimos anos”, diz o ministro. “Tínhamos pedido à Grécia que lutasse contra a fraude fiscal. Isso nunca foi feito. Alexis Tsípras, que não está ligado a nenhuma oligarquia, tem a determinação de fazer pagar aos que têm muito dinheiro e que não pagam impostos. Isso permitirá equilibrar os orçamentos”, espera Michel Sapin. É assim que no campo dos europeístas na Grécia é o alarme-incêndio. Tudo o que o país dispõe de mais nepotismo, de mais criminoso e especulador consulta-se para se coordenarem na sua luta final. O lúgubre Samaras da Nova Democracia obsoleta acaba de telefonar com este objetivo a Venizélos o “drogado” do poder e do PASOK, bem como a Stávros Theodorakis o enamorado incontornável do dinheiro e líder do partido do Rio (Potami) e dos vigaristas, um partido procedente como se sabe da colaboração dos oligarcas de Atenas com Bruxelas e com Berlim (reportagem “To Pontíki”). Talvez que Michel Sapin o ignore, mas o porta-voz e deputado do Rio, Haris Theoháris, Secretário das Receitas fiscais no ministério de finanças sob Samaras, apagou, o que é completamente ilegal, dívidas e multas que ascendiam a várias centenas de milhões de euros, e isto evidentemente para benefício de um número restrito de oligarcas de Atenas, grandes vigaristas, e contudo cobertos pela fraude política de Samaras e de Venizélos eles mesmos cobertos até agora pela Troika (UE, FMI, BCE). Simplesmente assim.

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Os ladrões para a prisão. Praça da Constituição, Atenas, 15 de Fevereiro de 2015

 

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Praça da Constituição, Atenas, 15 de Fevereiro de 2015

 

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Praça da Constituição, Atenas, 15 de Fevereiro de 2015

 

Evocando esta questão na frente do meu amigo Mihális constatei quanto este tem de consideração por esse pobre personagem que é Theoháris. “Esbofeteá-lo-ei sem dúvida, grande porco ” foi a sua reação. Esta micro-história diz às vezes muito, muitíssimo mesmo, e às vezes até mais que a grande história. O pai de Mihális tinha um pequeno hotel, Trikala (Grécia central) nos anos 1950. O seu hotel tinha sido demolido em 1961 (no seu lugar foi construído um edifício para habitação) e pouco tempo depois, a empresa do pai de Mihális tinha cessado a sua atividade, depois de ter regularizado os negócios correntes, da mesma maneira que as dívidas, entre as quais as contribuições e os impostos da época a pagar. Eis que em 2014, uma decisão do fisco assinada Theoháris chegou aquela morada, reclamando do pai do meu amigo, a regularização de uma taxa “excecional” que atinge a sua empresa, como todos os outros (sobretudo as pequenas e médias). O meu amigo foi ao cemitério da cidade para contar tudo aquilo aos seus pais, o seu pai não já não pertence a este mundo desde há dez anos, exceto claro está para Theoháris, o amigo dos vigaristas de Atenas e de Bruxelas. E quanto a toda esta pequena história, o meu amigo que está no desemprego, acaba de vender o apartamento dos pais neste início de 2015. A soma obtida com esta venda, servirá para pagar, de resto, os impostos e as taxas, bem como as contribuições da sua esposa não reguladas (exerce profissão liberal como médica especialista e desde há dois meses que já não é segurada na Segurança Social). “Depois de ter regulado tudo isto e como o apartamento foi vendido a 25% do seu valor de 2010 este último valor é a única coisa que o fisco considera até agora para calcular a sua taxa imobiliária, restar-nos-á então justamente com que viver por um ano esperando até lá reencontrar trabalho e que a atividade da minha esposa aumente ”, explica o meu amigo. Na Grécia, 70% da população não tem mais nada a perder e diz-se que chegou a altura de termos a situação nas nossas mãos e em conformidade com a nossa Constituição (artigo 120): “O respeito da Constituição e das leis que lhe estão conformes, bem como a devoção à Pátria e à República constituem um dever fundamental dos helenos. A usurpação, de qualquer maneira que seja, da soberania popular e dos poderes que dela decorrem deve ser processada logo que restabelecido o poder legítimo, a partir do qual começa a correr a prescrição deste crime. A observação da Constituição é confiada ao patriotismo dos helenos, que têm o direito e o dever de se oporem, por todos os meios, a todos aqueles que tentarem opor-se-lhe pela violência”. Onde “o drama” europeísta no seu todo. Seja a UE irá desaparecer, seja os regimes democráticos baseados na soberania popular e dos poderes que dela decorrem serão definitivamente abolidos por uma nova alternativa do absolutismo. Entre os dois, nada de diferente deixa de ser então possível. Na Grécia, sabemo-lo já muito bem.

 

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Nós preferimos o dracma à submissão. Praça da Constituição. Atenas, 15 Fevereiro

 

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Desfile carnavalesco e também manifestantes. Praça da Constituição, Atenas, 15 Fevereiro

 

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Nova morada. Atenas, Fevereiro de 2015

 

No essencial a lista de argumentos e (de mentalidades) do povo grego (e bem para além dele) emerge uma vez mais dos slogans e das bandeirolas que se vêm na Praça da Constituição. O lugar dos Indignados transforma-se na Praça dos Determinados. Os trogloditas da Eurolândia querem acabar com a fraude do novo colonialismo europeísta e também com os oligarcas de Atenas. O combate é já duro e muito difícil. Exceto para os que passaram para o outro lado do espelho e talvez também do pesadelo europeísta, ou seja, os nossos mortos, os nossos mortos vivos, os nossos errantes da cidade e da vida. O diretor Yórgos Avgerópoulos, pediu-me que participasse na aventura francesa do seu novo documentário “Ágora”. Empresto a minha voz (em francês) para dobrar certos personagens entrevistados no âmbito do filme. Este filme, bem comovente, estará enfim ao alcance do público de língua francesa em breve. Aí eu descobri o meu destino sob a Troika, um processo então rápido de desapropriação da vida, de referências, digamos, dos nossos. É greekcrisis mesmo que de forma diferente, e é também uma explicação honesta, responde diretamente à propaganda dos europeístas e à dos outros criminosos procedentes das máfias da financeirização das sociedades. Numa entrevista, Naomi Klein, explica igualmente que este modelo, até agora imposto no Ocidente apenas a países não-europeus (do Oeste), generalizar-se-á então e será a sequência ao sucesso do programa aplicado aos gregos, um programa em que Wolfgang Schäuble tem muito empenho. “Ninguém escapará à austeridade, incluindo a França e a Alemanha”.

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Atenas, Fevereiro 2015

 

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Carne grelhada. Atenas, quinta-feira 12 de Fevereiro de 2015.

 

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Os fiéis à tradição e à crise humanitária, os talhos do centro da cidade de Atenas, grelharam e ofereceram carne durante todo o dia “a quinta-feira dos grelhados”, última quinta-feira antes do início da quaresma. Num teatro próximo da Praça da Constituição, representa-se “Fim de Jogo”, a conhecida peça de Samuel Beckett. Não sabemos até onde aguentará o governo SYRIZA/ANEL, como ignoramos (ainda) tudo, de um (provável?) compromisso entre a morte e a vida, aquando do próximo Eurogrupo. Nós somos cada vez mais numerosos a desejar e a querer a rutura completa com o Euro.

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Um ar de liberdade. Atenas, Fevereiro 2015

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