O EMBUSTE DO MODELO BASEADO NAS EXPORTAÇÕES E A DEPENDÊNCIA DO CRESCIMENTO ECONÓMICO DA PROCURA INTERNA QUE EXIGE MELHOR REPARTIÇÃO – por EUGÉNIO ROSA

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Uma das grandes mentiras difundidas pela direita, e depois repetida maciçamente pelos seus defensores nos media, é que a recuperação da economia portuguesa é só possível através do aumento das exportações. É com base nesta mentira repetida muitas vezes que, para muitos, se tornou uma “verdade” que se critica o programa do governo do PS que dizem ter como base o consumo, e ser ruinoso para o país. E isto apesar de se concluir logo, pela forma como falam, que muitos dos críticos não leram todo o programa ou mesmo que o não abriram. Mas assim vai a comunicação social em Portugal.

A análise empírica da realidade nacional mostra que tal modelo baseado nas exportações não tem qualquer consistência, é uma pura ilusão, para não dizer mesmo um embuste.

NÃO EXISTE EM PORTUGAL QUALQUER CORRELAÇÃO POSITIVA ENTRE CRESCIMENTO ECONÓMICO E AUMENTO DAS EXPORTAÇÕES MAS SIM COM A PROCURA INTERNA

O gráfico 1, construído com dados divulgados pelo INE referente aos últimos 20 anos, mostra que não existe qualquer correlação positiva forte entre a taxa de variação do PIB e a taxa de variação das exportações, ou então que ela é muito fraca.

Gráfico 1 – Taxa de variação anual do PIB e das exportações – Dados do INE

modeloexportações - I

O gráfico revela com clareza que em anos em que se registou um crescimento importante das exportações a preços constantes o PIB afundou-se (como aconteceu em 2003), ou aumentou muito menos (como sucedeu em 2006), ou quando se registam taxas de crescimento positivo das exportações, o PIB apresenta taxas de crescimento negativas (como se verificou em 2011 e 2012). Afirmar que o crescimento económico, e a recuperação económica, é só possível de obter, em Portugal, através do aumento das exportações é não conhecer a realidade portuguesa ou então com a intenção deliberada de enganar a opinião pública pouco conhecedora de como a economia funciona.

Mais importante que as exportações é a procura externa líquida, já que é esta que adicionada à procura interna (consumo + investimento) faz crescer a economia. E isto até porque pode-se exportar muito, e essa exportação pouco contribuir para o aumento do PIB porque a componente nacional ser muito reduzida, como acontece, por ex, com o combustível, que tem um peso muito elevado nas exportações portuguesas, sendo uma parcela muito grande do valor de exportação, a reexportação do crude antes importado (na Autoeuropa, a componente importada é também muito grande, tendo em muitos anos ultrapassado os 50%, tendo atingido em alguns anos mesmo 70%). Por isso, no lugar de analisar a evolução das exportações interessa é estudar a procura externa liquida portuguesa (diferença entre exportações e importações). E como o quadro 1, com dados do INE, prova é que  o seu efeito no aumento do PIB português tem sido muito reduzido.

Quadro 1 – A procura externa liquida no período 1995-2015

modeloexportações - II

Como mostram os dados do INE, apenas em 2013, é que a procura externa líquida foi positiva e contribuiu para o aumento do PIB, e mesmo nesse ano, num valor muito reduzido (somente com 207 milhões e que corresponde a 0,1% do PIB desse ano). A análise empírica mostra  é que existe uma correlação positiva forte entre o crescimento económico, medido pelo aumento do PIB, e a procura interna, em que mais de 80% corresponde ao consumo final (privado e público), cabendo  o restante (20%) ao investimento, como prova o gráfico 2 (dados do INE).

Gráfico 2 – Correlação positiva forte entre taxa de variação do PIB, da procura interna e do consumo final – Período 1996/2014 – Contas nacionais – 3º Trim.2015-INE

modeloexportações - III

É evidente uma correlação positiva forte da taxa de variação do PIB com a taxa de variação da procura interna e, desta, com o consumo final (privado + público) em Portugal. Portanto qualquer politica económica que não promova a procura interna, o que pressupõe um combate às desigualdades e uma repartição mais justa da riqueza criada anualmente , está condenada ao fracasso como aconteceu durante o governo PSD/CDS. Ignorar isto e pensar que é possível substituir a realidade por desejos, é uma ilusão pura, e procurar manipular a opinião publica tentando convencê-la do contrário, isto é de que para ser competitivo e poder exportar é com baixos salários, o que reduz ainda mais a parte dos salários na riqueza criada anualmente, agravando as desigualdades, só poderá causar atraso e a anemia da economia.

SERÁ QUE O MODELO CONSTANTE DO PROGRAMA DO NOVO GOVERNO PS É BASEADO NO CONSUMO COMO AFIRMA A DIREITA E OS SEUS DEFENSORES NOS MEDIA

Uma coisa é aquilo que os media divulgam, e outra coisa bem diferente  é o que se conclui de uma análise objetiva e atenta do programa do novo governo PS.

Há medidas cuja implementação determinará um aumento de despesas (reposição dos salários da Função Pública) ou uma redução de receitas (redução da sobretaxa de IRS) que se podem quantificar. Mas há outras medidas cujo conteúdo concreto ainda não se conhece (descongelamento das pensões, melhoria do RSI, do CSI e do abono de família; maior progressividade da tabela de IRS) e, consequentemente, também não se conhece o impacto orçamental. Mas quando se analisa o impacto orçamental global das medidas do programa do novo governo PS, que se encontra disponível no quadro da pág. 262 do mesmo programa, constata-se que a previsão da despesa, medida em percentagem do PIB, com pessoal da Função Pública em 2016 será igual à de 2015 (11,4%), e a despesa com prestações sociais, que inclui nomeadamente, segurança social, CGA, SNS, etc., passa, entre 2015 e 2016, de 19,7% do PIB para 19,1% do PIB. E se olharmos para o último ano da legislatura – 2019 – prevê-se que a despesa com pessoal diminua para 10,6% do PIB (no anterior documento do PS estava 10,1%), e despesa com prestações sociais se reduza para 18,5% do PIB (no anterior documento estava 17,7% do PIB). A diferença, relativamente ao inicialmente previsto, é apenas de 1,2 pontos percentuais e isto apenas em 2019, e o saldo orçamental previsto, em 2019,  è   -1,5% do PIB quando no documento anterior do PS era -1,4% do PIB. Portanto, afirmar que é um programa que visa promover o consumo não tem qualquer aderência à realidade. Mesmo a nível de investimento público, despesa chave para a recuperação económica, o aumento previsto – crescer, entre 2015 e 2016, de 2,4% do PIB para 2,7% do PIB – é muito modesto e terá um impacto reduzido no crescimento económico. Para 2019, prevê-se apenas uma despesa igual a 2,9% do PIB, um valor que continua a ser baixo (nos últimos anos, na U.E., tem sido de 3%, e em Portugal, entre 2003 e 2010, a taxa media foi 4% do PIB).

O programa do novo governo PS contem medidas na área económica em que parece existir um evidente desajustamento entre as medidas enunciadas e os meios necessários para as concretizar/implementar. Se se analisar aquilo que é designado como um “Programa Novo Impulso para a Convergência na Europa”(pág. 36 e seguintes)  – correção do défice histórico das qualificações, modernização do Estado, renovação urbana inteligente e eficiência energética, inovação empresarial, e desalavancagem do tecido económico – rapidamente se conclui que são medidas ou com efeitos apenas a médio e a longo prazo, ou então os meios para as alcançar são os mesmos do passado – fundos estruturais, BEI, MEE, BCE -, portanto insuficientes, levantando duvidas sobre a dimensão dos seus efeitos. E esta questão coloca-se mesmo em relação aos fundos comunitários do chamado Portugal 20-20, nomeadamente aos objetivos prioritários definidos pelo governo do PSD/CDS, que estabeleceu o apoio quase exclusivo a empresas exportadoras, portanto com exclusão das empresas que produzem bens transacionáveis para o mercado interno, que substituem importações, e que deviam ser da mesma forma prioritárias. Não estará isto em contradição com a prioridade constante da pág. 222 do programa: “Substituir importações e promover o valor acrescentado nacional” ?.

A solução para a escassez de meios parece ser a de “melhorar a qualidade da despesa pública” (pág. 49 e segts.) e apontam-se exs. na área da educação e saúde. É certo que existem desperdícios elevados nestas e outras áreas que há muitos anos temos vindo a denunciar, e que são “fontes de geração injustificada de encargos” (exs.: outsourcing, a consultoria externa), que urge por cobro, mas tudo isto exige tempo e uma firmeza muito grande, e o resultado a curto prazo poderá não ser grande. Há no programa um ponto importante que importa ainda referir: “Promover a coesão territorial e a sustentabilidade ambiental”. As assimetrias regionais continuam a ser muito grandes em Portugal como mostramos em estudo anterior, e são fonte de desigualdades e de atraso. Mas a medida mais importante indicada é a criação de uma “Unidade de missão para a valorização do interior com a responsabilidade de criar, implementar e supervisionar uma programa nacional para coesão territorial, bem como promover o desenvolvimento do território do interior”. Portanto abrem-se portas de esperança que é ainda  preciso concretizar, mas os meios são escassos e os resultados poderão não ser significativos nem os esperados. A ver vamos.

Eugénio Rosa,edr2@netcabo.pt,  6.12.2015

2 Comments

  1. Muito bem. Desmontagem com clareza e objetividade de uma das mentiras da direita, repetida até à exaustão desde há muito.Tal como a da competitividade e a necessidade de salários baixos: sobre esta mentira Ricardo Paes Mamede também faz uma desmontagem clara e objetiva (vd. in O Que Fazer Com Este País, ed. Marcador).

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