A COMISSÃO EUROPEIA A PREPARAR UMA NOVA CRISE – 11. A COMISSÃO DE BRUXELAS RESSUSCITA A TITULARIZAÇÃO, por LUDOVIC LAMANT – I

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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11. A Comissão de Bruxelas ressuscita a titularização 

Ludovic Lamant, La commission de Bruxelles ressuscite la titrisation, 30 de Setembro de 2015

ATTAC

Titularização, esta técnica que transforma a dívida em activo financeiro, agravou a crise de 2008 nos Estados Unidos. Esta fez na quarta-feira o seu  regresso em grande forma  em  Bruxelas. Mas nada de inquietação: a Comissão promete uma titularização limpa ”… Eleitos e ONGs não acreditam.

Do nosso enviado especial em  Bruxelas. – Jonathan Hill esteve no meio de um arrebatamento mediático no Outono passado. A nomeação deste antigo lobista  britânico para um posto – chave na Comissão de Jean-Claude Juncker,  o “da estabilidade financeira e dos serviços financeiros”, tinha provocado já algumas críticas, mesmo que surdas.   As  ONGs tinham reclamado a partida deste Comissário por suspeita de  ser um enviado da City londrina  a  Bruxelas. Sob a pressão, Hill teve   mesmo que se limpar numa intervenção oral  junto dos  eurodeputados  que tinham  hesitado, até ao limite, em investi-lo.

E depois? Era, até  este início de semana, a calma absoluta. Dificilmente  uma consulta pública lançada em Fevereiro, seguida  de uma conferência em Junho, sobre “a união dos mercados de capitais”, uma das promessas chave  da campanha de Juncker para “desbloquear o crescimento”. Um ano após a sua chegada, Jonathan Hill acabou por dizer mais, com a publicação na  quarta-feira do seu “plano de acção”, suposto pôr em  pé um mercado único dos capitais à escala dos 28. O objectivo: apostar sobre o desenvolvimento dos mercados financeiros, para ajudar as empresas a encontrar outras alavancas de financiamento, além dos empréstimos bancários clássicos.

De acordo com a narrativa  oficial da Comissão, este pacote de medidas – que se irá transformar ao longo dos meses em várias propostas legislativas – vem completar o primeiro “plano de relançamento ” anunciado no início do ano, calculado em  315 mil milhões de euros, para financiar projectos de infra-estruturas sobre o continente europeu. De um lado, o plano Juncker actua  sobre o curto termo. Do outro, as propostas de Jonathan Hill terão efeitos sobre o longo prazo. Mas as duas vertentes têm o mesmo objectivo: fazer arrancar a máquina, dopar um crescimento átono sobre o continente europeu. “Poderia tratar-se da mudança mais importante, desde a criação do euro em 1999, na maneira como os Europeus irão  fazer negócios”, julga  saber o sítio especializado Politico, entusiasta.

Jonathan Hill

Um dos pilares desta “união dos mercados de capitais”, muito técnica, poderá  em todo caso fazer muito  barulho. O plano prevê um regresso em força à  “titularização”, esta técnica que converte a dívida privada em activos financeiros. Permite, no limite, a  disseminação do  risco sobre os mercados, aliviando os bancos de uma parte dos seus créditos mais arriscados. Problema: este método, sob formas particularmente vigorosas, também tinha contribuído largamente para o agravamento da crise financeira desde 2008 nos Estados Unidos.

“Se tivermos êxito em  trazer o mercado da titularização aos seus níveis de  antes da crise, isto  poderia permitir injectar cerca de 100 mil milhões de euros na economia”, congratulou-se o Comissário Hill na quarta-feira. De acordo com o FMI, o montante das emissões por titularização  na Europa situava-se, em 2014, em  216 mil milhões de euros. Antes da crise, em 2007, este volume roçava os 600 mil milhões. Este segmento financeiro conhece uma retoma bastante nítida nos Estados Unidos desde pelo menos há dois anos, enquanto continua a preocupar “os investidores” do lado europeu.

Comissão Europeiacrise - XIX

“A Comissão não tem a intenção de regressar  “aos bons  velhos dias” [dos anos 2000 –nota  da redacção], quando se recorria aos  instrumentos opacos e complexos, que provocaram vendas em catástrofe e quedas brutais de  preços”, fez-se  saber do lado do executivo de Bruxelas.  Para não reproduzir os erros passados, Jonathan Hill propõe criar um novo tipo de titularização intitulado  “STS”, para exprimir  “simples, transparente, estandardizado”. Uma maneira “de branquear”, espera Hill, um instrumento financeiro, cujo nome permanece associado ao desmoronamento do mercado subprime americano.

Que garantias será necessário  respeitar, para ter direito  a  este rótulo? As montagens financeiras particularmente complexas como os CDS, que tinham  provocado devastações em 2008, não haverá direito a eles. Os pacotes titularizados e classificados   “STS” também não poderão   misturar diferentes tipos de créditos (cruzando por exemplo, para sermos simples, uma fracção de empréstimos imobiliários, com uma fracção de empréstimos para a compra de um automóvel). O banco que efectuar esta titularização  deverá quanto a ele  comprometer-se a guardar para si pelo menos 5% do conjunto do empréstimo titularizados, que é suposto, ainda aqui,  convidar a reduzir os riscos. No ambiente do Comissário, assegura-se que cerca de 70% do mercado actual  da titularização  poderia corresponder à futura etiqueta  STS.

Mas estas garantias não são suficientes para  convencer muitos observadores. Para Finance Watch, uma ONG considerada como “a  Greenpeace da finança”, os anúncios de Hill “não permitirão  atingir os objectivos de crescimento duradouro e a  criação de empregos, o apoio às PME ou a protecção da nossa economia contra os choques”. “Os principais beneficiários serão os bancos “too big to fail” [os bancos cujo desmoronamento apresenta um risco sistémico  para a economia – nota de redacção ] que comercializam os produtos titularizados ”, irrita-se a ONG.

“A união dos mercados de capitais reactiva as  tendências de antes da crise, sem estar a tirar as lições relevantes da crise”, lê-se num comunicado conjunto de  numerosas associações da sociedade civil publicado quarta-feira (entre os quais Attac, a confederação europeia dos sindicatos, o instituto Veblen, a ONG neerlandesa SOMO, etc.). Especialistas julgam que as garantias subjacentes  ao  rótulo STS, sendo vistas como indo no bom sentido, não são bastante ambiciosas para cortar pela raiz  qualquer risco de amplificação dos riscos sistémicos  – que se tinham  passado em 2008.

Do lado do Parlamento europeu, o grupo dos sociais-democratas (entre os quais o PS) assegura que “mostrar-se-ão vigilantes para se assegurarem  que a união dos mercados de capitais (…) não se torna um instrumento ao serviço da desregulação do sector financeiro”. “Será necessário provar que as velhas práticas foram de facto abandonadas, e que não estão em vias de serem ressuscitadas,  “de ser reanimadas” através de novas  propostas”, considerou a  socialista portuguesas Elisa Ferreira. Para o ecologista alemão Sven Giegdold, este projecto “não deve ser a cortina de fumo  que esconde um projecto de desregulamentação dos mercados financeiros”. “A união dos mercados de capitais deve sobretudo estabelecer regras comuns para a vigilância dos mercados de capitais, para a fiscalidade, para o direito dos contratos e para a  contabilidade. Infelizmente, o Comissário Hill não se colocou sobre esta via. ”

Face a estes  receios, Jonathan Hill respondeu na quarta-feira em dois tempos. Primeiro, os produtos titularizados emitidos na Europa resistiram muito melhor à crise que os emitidos nos Estados Unidos, com uma taxa de incumprimento  inferior à 1% no período  mais duro da tempestade, contra cerca de 16% do  outro lado do Atlântico, explicou  o Comissário europeu. Não seria necessário por conseguinte, em resumo, ainda e sempre estigmatizar a mecânica financeira europeia.

Outro argumento: a Comissão não age sozinha,  mas sobre as recomendações de instituições de primeira fila, incluindo o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra ou ainda as  opiniões  do Comité de Basileia, que todos  defendem  uma redinamização  do mercado da titularização  (ler por exemplo este estudo). Sem surpresa,  Business Europa, que representa os sindicatos patronais em  Bruxelas (entre os quais o Medef), declarou-se abertamente feliz com os anúncios do dia, que preparam o terreno para “ um crescimento duradouro” na Europa.

Ludovic Lamant, Attac, La commission de Bruxelles ressuscite la titrisation. Texto disponível em:

http://www.atoute.org/n/forum/showthread.php?t=197875#gZMJ16dqRVYLHJVC.99

https://www.mediapart.fr/journal/economie/300915/la-commission-de-bruxelles-ressuscite-la-titrisation

 

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