TERCEIRA CARTA A UMA AMIGA MINHA SOBRE O DINHEIRO QUE DO BANCO LEVANTOU E NO COFRE DO MESMO BANCO DEPOIS GUARDOU, EM NOTAS DE 500 EUROS – A PROPÓSITO DA VISITA DE MARIO DRAGHI – por JÚLIO MARQUES MOTA

júlio marques mota

Minha querida amiga

Interrogou-se e interrogou-me sobre a viabilidade de levantar as poupanças (muitas?, poucas?) do banco e talvez em notas de 500, penso eu,  para guardar no cofre-forte do mesmo banco. Não precisou de segurança como aquele homem de que lhe falei que requisitou os serviços da polícia para ir guardar num cofre de um  banco (um grande banco) em Lisboa o seu dinheiro que entretanto tinha guardado em casa e em notas de 500 euros. Um homem muito bem vestido e ainda melhor calçado. Foi assim que me referi a esse homem que quase armava um escândalo num grande banco de Lisboa, de tão insólita era a situação por ele criada.

Minha querida amiga, agora que me lembro do homem muito bem vestido e ainda melhor calçado, parece-me que mesmo a média burguesia média alta já não anda financeiramente muito bem de todo. Quando lhe escrevi a falar do homem da mala com dinheiro confirmei pelo Google se o nome Savile Row tinha um ou dois l, para identificar a marca do fato que esse nosso homem supostamente traria vestido. Pois bem, agora, sempre que procuro alguma coisa internacional no meu computador aparecem-me as promoções Savile Row. Do tipo:

Carta a amiga - I

Carta a amiga - II

Da mesma forma que a banca não arranja clientes para o muito dinheiro que pode dispor, o outro lado do sistema, a contraparte da finança, a economia real em muito mau estado não lho pede, e pela simples razão de que economia real, por falta de procura efectiva, de procura solvável,   os produtores têm dificuldade em escoar os seus produtos. Não é só na carne de porco! É também no vestuário de gama alta.  Como exemplo, uma das mais prestigiadas marcas de vestuário da velha Albion, a Savile Row,  infiltra-se ostensivamente pelo nosso trabalho adentro aparecendo no ecrã do meu computador, propondo-se a venda de produtos de alta classe aos preços da China. Simples, isto é a uberização, a low-costização de que falaremos abaixo. No fundo, assim acontece porque também a Savile Row começa a não ter escoamento dos seus produtos na classe média uma vez que esta também se está a uberizar, a ficar apenas um pouco melhor do que os trabalhadores já totalmente espalmados  e a pequena burguesia. Desce-se  pois nos preços bem mais abaixo, à procura do mínimo denominador comum que lhe permita escoar o máximo mas drama dos dramas, os rendimentos também já desceram, e bem antes e bem mais ainda, se é que não deixaram mesmo de terem rendimentos. De resto um dos textos que acompanham esta carta é bem claro sobre o mínimo denominador comum:

 “É a lei do nivelamento médio individualizado ao mais baixo nível (a reforma do secundário na Educação), a tendência a igualizar por referência ao mais baixo denominador comum. É de resto o que muito precisamente o velho Malthus fustigava como sendo a lei dos pobres. Aplicada às nossas sociedades mercantis, esta teoria significa que qualquer um cada um pode consumir e ter acesso aos mesmos bens de consumo, qualquer que seja a sua condição, desempregado ou quadro superior e num contexto de crescimento contínuo da população, a curva dos mais pobres intersectaria então a da classe média, quando precisamente a classe média, a middle class se precariza cada vez mais. Esta teoria é aterradora e pouco ensinada nos cursos de economia do secundário mas tem o mérito de tirar as consequências mais extremas do mito igualitarista na economia.”

E o mito igualitarista por baixo tem estado a dar a situação em que nos encontramos,  embora nos  pareça que mesmo assim a classe dominante ainda não está satisfeita, porque considera que até necessário eliminar todas as leis que ainda protejam os pobres. Malthus em toda a força, aqui e agora é o que pretendem as nossas classes dominantes. No caso português  Passos Coelho é dessa política um bom símbolo e o que nos esperava se PAF ganhasse as eleições de Outubro  seria ainda bem pior. Os passos que  Passos estava a dar no sentido do desmantelamento da  Segurança Social e dos Serviços de Apoio  eram  pois um sinal aterrador do que ainda nos esperava. Mas não é por acaso que nem FMI nem a EU desarmam na linha da austeridade até aqui seguida e que continuamente vai continuar a ser exigida, não é por acaso que os primeiros sinais desses mesmos ataques são sempre desencadeados a partir das agências de rating, exactamente como quando estalou a crise e já lá vão sete anos sem que ninguém até hoje explique tecnicamente como é que o rating de um país se estabelece. Ao menos isso e não  estamos a exigir muito.

A minha querida amiga evitou esses custos do nosso homem da mala, o homem muito bem vestido e ainda melhor calçado, talvez aos preços mínimos da China, afinal. Evitou os custos da mala, os custos do transporte especial, o custo de pagar à polícia. A minha amiga fez tudo no mesmo banco, levantou o dinheiro depositado, guardou-o no cofre do mesmo banco e no mesmo balcão, e de resto um saco cheio de notas (estava cheio? era grande?) sai sempre mais barato  que uma boa mala. E ainda por cima, talvez, com todo ele  em notas de 500 euros.  Mas questionou-se e questionou-me porque fazer isto é um paradoxo, um nonsense, no século XXI. Procurar explicar o porquê de tudo  o que lhe está subjacente,  seria uma longa conversa,  é o tema por exemplo do livro  Focos de tensão de George Friedman,  e estou cansado para procurar fazê-lo pelos meus muito pequenos meios.

A pensar nisso, dei voltas a este meu miolo que se vai secando nesta cabeça a deixar ela própria cair os seus outrora densos ornamentos específicos de cor do trigo maduro e de que agora restam apenas sinais prateados,  e encontrei uma solução alternativa para lhe explicar que afinal esta terrível situação que a forçou à sua não menos estranha atitude não é em si-mesma  um nonsense, é  bem o resultado coerente de um longo trabalho que as classes dominantes têm realizado no mundo nestes últimos 30 anos. A prova é-lhe aqui apresentada através de três pequenos textos. Sugiro-lhe pois a sua leitura e estes textos são:

  1. A uberização da Europa[1]– seja bem vinda ao comunismo de mercado

  2. A desindustrialização na França (um exemplo da Europa) – a Europa transformada num deserto de ruinas industriais

  3. As taxas negativas, uma nova forma de imposto – seja bem vinda ao mundo louco das taxas negativas

O seu acto, minha querida amiga,  foi pois o de querer fugir a esta tenaz do sistema bem explicado pelo texto 3. Tudo bem, mas como a burguesia não pode proibir os cofres-fortes, porque precisa deles, e assim impedir actos de rebeldia como os seus prepara-se então para um outro tipo de operação: acabar com as notas de 500 euros, depois seguir-se-ão as de 200, depois as de 100 até se chegar ao pretendido: acabar com o papel-moeda, dita moeda banco central. Protege-se também, e mais uma vez, o sistema financeiro, uma vez que as notas a circular na economia podem normalmente ser entendidas como a transformação de moeda escritural bancária de segunda ordem em moeda banco central, ou moeda, moeda de base, ou ainda como sendo uma das  FUGAS feita no sistema bancário. Ficará depois a moeda electrónica a parir da qual se podem registar praticamente todos os seus passos, a partir do que se podem tecer as maiores chantagens possíveis, sobretudo no plano político. Quando assim for, quando se chegar a este nível, minha querida amiga, deixa de haver notas, deixa  pois  de as poder guardar  no cofre de um banco. Por outras palavras,  acaba-se a sua capacidade de evitar o torniquete que o sistema financeiro monta sobre cada um de nós, simples cidadãos e, então, repare-se que as famosas taxas negativas acabam por serem entendidas como mais um imposto sobre o que não gastou! E a esse  imposto ninguém se  escapa.  Simples, portanto. Roubam-na e acusam-na de pecar por não consumir. Primeiro, uberizam a sua vida e depois de lhe esvaziarem a bolsa, a si e a todos nós, acusam-na de não consumir e penalizam-na como se ter medo do futuro que nos andam a roubar  sejam crime.

Uma vez todos nós pauperizados, resta-lhes, à burguesia como um todo, andar ainda à cata de migalhas nos nossos bolsos quase que já esvaziados de tudo. E é assim que as taxas negativas se podem entender. A ganância sem limites, os ladrões completamente à solta eis pois  a CLASSE da  classe dominante,  a favor da qual a maioria de todos nós tem andado a votar. Um belo exemplar  dessa classe dominante e das suas práticas, um dos seus chefes, Mario Draghi, é convidado para participar no Conselho de Estado que assiste ao nosso Presidente da República, possivelmente para defender a entrega da banca portuguesa, toda ela, BCP, BANIF, BCI, CAIXA Geral dos Depósitos, MONTEPIO,  porque não (?) aos espanhóis. Têm dinheiro, será talvez o que Mario Draghi  dirá aos Conselheiros de Estado em Lisboa.

Mas a banca espanhola estava tão falida ou mais ainda do que a nossa.  No entanto com a primeira grande LTRO do senhor Draghi, (a primeira ou a segunda? ) noticiava El País:

La banca española acapara la mitad del crédito solicitado al BCE en febrero

Las entidades piden 152.000 millones para invertirlos en deuda pública y en sus vencimientos

“La cifra es preocupante”, dicen los expertos

Madrid 14 MAR 2012 – 23:08 CET

La banca española acaparó en febrero prácticamente la mitad del crédito concedido por el Banco Central Europeo (BCE), ante la sequía que atraviesa el mercado mayorista de financiación. Según informó este miércoles el Banco de España, el recurso de las entidades a la ventanilla extraordinaria de liquidez del organismo que preside Mario Draghi alcanzó de media los 152.400 millones de euros, lo que equivale al 47% del total de la deuda pendiente de devolver al BCE por todos los bancos del Eurosistema. Tanto este porcentaje como el volumen total de dinero prestado suponen dos máximos históricos y superan, con mucho, al peso de España en el sector europeo, del 14%. Este dinero se cobra al 1%.

Además, con vistas al futuro, la cifra seguirá subiendo, ya que estos datos no reflejan el impacto de la segunda subasta extraordinaria a tres años del BCE, realizada el 29 de febrero y con la que repartió 529.000 millones entre 800 bancos. Entre esta y la primera barra libre de liquidez de diciembre, las entidades españolas se hicieron con 200.000 millones. No obstante, parte de esta es la cantidad se ha devuelto al propio BCE para amortizar créditos anteriores que tenían los bancos. Según UBS, dos de las 3 entidades que más dinero han solicitado eran españolas: Santander y Bankia.

Además de la cantidad, el otro dato realmente preocupante es que la banca española solo depositó en el BCE unos 19.000 millones. Es decir, los españoles solo dejan el 12,5% de lo que piden. El conjunto de las entidades europeas depositan mucho más dinero. Esto supone que la banca española ha destinado 133.000 millones a invertirlos en deuda pública española y en sus propios vencimientos porque el crédito a la economía sigue cayendo. Este año tienen que atender deudas pendientes por 131.000 millones.

Juan Luis García Alejo, director de Inversis Gestión, señala que las subastas del BCE son un buen reflejo de los sistemas financieros en dificultades, “el italiano y el español. No hay duda de que las entidades aprovechan este dinero para ganar margen financiero invirtiendo en deuda pública”.

Algunos expertos piden medidas para desincentivar que los bancos dejen el dinero en el BCE, por el que solo reciben un 0,25% de interés, y lo presten a familias y empresas. “Habría que bajar los depósitos a un tipo del 0% para que no se inmovilicen más de 800.000 millones”, comenta Maudos.

O jornal confirma confirme a fraude gigantesca. Os bancos espanhóis não re-depositaram o dinheiro da LTRO junto do  BCE !

As somas são surpreendentes e vão directamente para os cofres do Estado espanhol!

E tudo isto é  feito ou consentido em Espanha sob a batuta conduzida pelo mesmo homem, Mario Draghi,  que agora quer que se entregue a banca portuguesa à Espanha, o homem de mais poder dentro  das Instituições que nos massacram com o buraco do BANIF e com a sua sequência mais imediata, o Procedimento por défice excessivo e a continuação da política de austeridade. Não somos a Espanha, dirá Passos Coelho, como não fomos a Grécia mas andámos sempre ao seu lado, quer se queira  quer  não.

Percebe-se então o jogo de espelhos que a alta finança produz: tirar o dinheiro aos que  quase nada   têm para que os ricos dele se possam fruir hoje e com essa fruição possam beneficiar os pobres ( a regra do trickle down) amanhã que assim poderão pensar na riqueza mas só depois de amanhã. E parafraseando Manuel Loff, diríamos que o trickle-down em Portugal teve a sua primeira grande expressão no primeiro governo Cavaco com a ideia de que só se pode aumentar o rendimento dos  trabalhadores se os patrões puderem enriquecer numa proporção superior. Depois a intensificação da ideia exposta por Loff é-nos dada por Passos Coelho, com a ideia de que para crescermos temos primeiro que nos empobrecer, justificando assim as políticas de austeridade impostas pela Troika e por bem desejadas: irmos para além da Troika.

Ora, Mario Draghi, o homem  de mais poder nesta lógica de trickle-down actual, nesta lógica  de poder de classe dominante, é ele que com honras de Estado convidamos a que nos venha agora pressionar para que Portugal se adeqúe aos maléficos desígnios das Instituições que ele comanda efectivamente. É ele  o símbolo maior das políticas de austeridade (claramente não é o clown Juncker com a sua ideia de que não pode haver alternativas democráticas à força dos Tratados)  que têm  estado a destruir  o país que agora  convidamos para o Conselho de Estado e face a quem com esse convite validamos tudo o que tem andado a fazer e o que tem andado a fazer é andar a matar o Euro enquanto afirma que o está a salvar. O peso da ideologia dominante a imperar neste sitio, outrora País independente e que país independente começa agora a voltar a ser, isto é, falo de Portugal.

Estes três textos dão-lhe, pois, minha querida amiga a certeza de que não há nenhum contra-senso em tudo o que está a acontecer: é a consequência lógica, muito lógica mesmo, do que se tem vindo a realizar desde há quase 30 anos. E a presença de Draghi está a dizer-nos que há muita gente que não quer ver isso mesmo. Acordemos pois.

Um abraço minha amiga enviado desta cidade que se quer cidade universitária.

Júlio Marques Mota

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[1] Pode substituir uberização por clochardization ou low-costisation  se é que estes termos existem

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