Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Uma só solução, a desmundialização. Debate sobre a lei El Khomri
Aurélien Bernier, Une seule solution, la démondialisation. Débat sur la loi El Khomri
Revista Causeur, 9 de Abril de 2016
A lei EL Khomri lança-nos numa corrida ao dumping social que nunca ganharemos.

O conteúdo do projecto de lei EL Khomri não deveria surpreender ninguém. Este texto inscreve-se num longo e vasto movimento de desregulação do mercado do trabalho iniciado a partir da segunda metade dos anos 1970, quando os primeiros efeitos da concorrência internacional – a que se chamava então “o constrangimento externo” – começara a atingir a Europa Ocidental. Repetido à exaustão desde há uma quarentena de anos, o argumento é sempre o mesmo: para ganhar em competitividade, é necessário flexibilizar o mercado do trabalho. Por outras palavras, deve-se ceder às exigências do grande patronato, ainda que as precedentes medidas neste sentido não tenham produzido nenhum resultado sobre o emprego. Pouco importa, dado que a classe dirigente considera que se o liberalismo não funcionar, é porque não fomos bastante longe no ultraliberalismo.
O preâmbulo do projecto assumido pelo governo de Manuel Valls considera que “os nossos modos de regulação das relações do trabalho, herdados da era industrial, foram reformulados múltiplas vezes, mas sem nunca serem verdadeiramente reformados”. Ora, “a mundialização, a parte crescente dos serviços na nossa economia” introduziram profundas mudanças. Sobretudo, de acordo com os seus redactores, “o digital transforma um a um todos os sectores económicos e altera a vida diária no trabalho”. Seria por conseguinte a informatização da sociedade, o desenvolvimento do comércio em linha, o aparecimento de Uber ou de Airbnb, que justificariam que se tenha de reduzir ainda mais o perímetro do direito do trabalho para ganhar em competitividade.
O projeto de lei EL Khomri retoma por seu lado, quase palavra para palavra, a análise da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE). Para estes incondicionais do liberalismo, “a mundialização 2.0 acentua a fragmentação do processo de produção, cujas etapas intermédias são realizadas por fornecedores diferentes, com uma interconexão dos empregos além as fronteiras através das cadeias de valor mundiais” 1. Nada de novo, mais uma vez, por conseguinte, a não ser que é apenas o desenvolvimento das redes que acelera ainda mais a mundialização e tornar a concorrência internacional sempre mais violenta.
O que é necessário recordar, é que em face desta realidade – a mundialização –, duas respostas são possíveis. A primeira consiste em aceitar a concorrência internacional como se aceita o facto que a Terra é redonda, que ela gira e que em termos do tempo há as quatro estações do ano. Se a concorrência for um fenómeno inevitável, então, certamente, é necessário procurar ganhar em competitividade. É necessário tentar rivalizar com o modelo chinês ou indiano, que fazem a economia de quase de todas as protecções sociais e ambientais, que não conhecem o que é uma greve, por assim dizer. É necessário ser concorrenciais em face ao trabalho destacado permitido, sem surpresa, pela ultraliberal União Europeia. Enquanto se escrevia o projecto de lei EL Khomri, a Urssaf e a Inspeção do trabalho controlavam uma sociedade húngara que intervinha sobre um estaleiro fotovoltaico na Gironde: remunerados oito horas por dia para uma duração efectiva de trabalho de 11 horas e meia, seis dias sobre sete, e os assalariados destacados ganhavam 2,22 euros à hora 2. Eis pois para onde nos leva, lentamente mas certamente, a “reforma” do trabalho num contexto de mundialização.
Nenhuma lei natural nos diz que devemos sacrificar os nossos empregos
A segunda maneira de reagir é pelo contrário recusar a concorrência internacional, sair. Tenho consciência do carácter quase inconcebível desta afirmação. Têm-nos apresentado tanto esta concorrência como um fenómeno natural que o integramos no nosso imaginário social. No entanto, nenhuma lei natural nos diz que devemos sacrificar os nossos empregos para comprar mais barato os produtos procedentes das deslocalizações. Nenhum princípio físico conduz à destruição dos acervos sociais na Europa, enquanto que mesmo os acervos sociais para as classes populares não progridem sequer de um iota nos países de baixo custo de mão de obra. Desde os anos 1970, os nossos líderes sucessivos, de direita ou supostamente socialistas, fizeram a escolha da mundialização. Mas esta escolha, podemos desfazê-la.
Como? Instaurando o proteccionismo, certamente, de forma a produzir localmente aquilo que aí se pode produzir. Saindo do euro, esta moeda única sobreavaliada, concebida na mais pura lógica liberal, e que nos coloca sob a tutela dos mercados financeiros. Saindo da União europeia que, directiva após directiva, impõe os dogmas ultraliberais e proíbe aos Estados que criem o direito que não seria compatível com o deles. Esta ruptura com a ordem económica tem um nome : a desmundialização. Não a de plástico, de Arnaud Montebourg, que fingia acreditar que o “proteccionismo europeu” é possível, mas sim a do filósofo altermundista Walden Bello, que sempre pensou o proteccionismo nacional como uma medida progressista, de esquerda, como um meio para quebrar com a dominação das grandes empresas e da finança.
Esta desmundialização de esquerda não tem nada a ver com a versão de direita do proteccionismo. Não se trata de restaurar a competitividade da França numa concorrência internacional inalterada. Não se trata de reatar com os Trinta Gloriosos e o seu produtivismo cego. Trata-se de acabar com esta concorrência e de a substituir, progressivamente, por outras relações entre Estados, fundadas sobre a cooperação.
Que faz toda a complexidade da tarefa, mas que lhe confere ao mesmo tempo um incrível poder , é o facto que a França se encontra no meio da mundialização. Apesar dos discursos debilitantes sobre o declínio francês, dispomos da quarta rede de multinacionais no mundo. Imaginemos por um momento que tomávamos o controlo social destas firmas expropriando os seus accionistas. Disporíamos então de todas as alavancas, ao mesmo tempo para mudar as coisas em profundidade no nosso país (repartir as riquezas, o trabalho, reduzir o consumo mas melhorar de maneira espectacular a qualidade de vida…), mas também para transformar as nossas relações internacionais num sentido progressista. Impossível? Não. Apenas inconcebível, porque perdemos o hábito de pensar fora do quadro que nos é imposto.
Aurélien Bernier, Revista Causeur, Une seule solution, la démondialisation-Débat sur la loi El Khomri. Texto disponível em:
http://www.causeur.fr/loi-travail-el-khomri-demondialisation-euro-protectionnisme-37675.html#
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