O PROGRAMA DE ESTABILIDADE (PE) 2016-2020 DO GOVERNO PS – por EUGÉNIO ROSA

Logótipo

O PROGRAMA DE ESTABILIDADE 2016-2020 DO GOVERNO PS ESTÁ DEPENDENTE DA CONJUNTURA E CONTEM AMEAÇAS DE MAIS AUSTERIDADE

O governo apresentou na Assembleia da República o Programa de Estabilidade (PE): 2016-2020 que tenciona enviar à Comissão Europeia. É um programa que está muito dependente da conjuntura quer interna quer externa, portanto os seus resultados são incertos pois são condicionados por fatores que o governo não controla. O quadro 1, construído com dados do Programa de Estabilidade, mostra com clareza o cenário macroeconómico de grande incerteza que está subjacente.

Quadro 1- Previsões do governo, do CFP, do BdP, da CE e do FMI para o período 2016-2020

programaestabilidade - I

FONTE: Programa de Estabilidade: 2016-2020

É evidente que previsões são previsões e não certezas. E a experiência tem mostrado que as entidades ditas oficiais nunca acertam nas previsões que fazem, e normalmente o desvio é negativo. No entanto, se compararmos as previsões feitas pelas diversas entidades que constam do quadro 1, constata-se a existência de diferenças importantes nas previsões para os mesmos anos. Por ex., em relação ao PIB, as previsões do governo são as que apresentam valores mais elevados e, para além disso, na previsão do governo a taxa de crescimento do PIB aumenta com os anos, enquanto a maioria das entidades prevê nos anos futuros, nomeadamente as que apresentam previsões até 2020, uma diminuição na taxa de crescimento económico (Governo: 1,8% em 2016 e a média de 2% no período 2018-2020; Conselho de Finanças Públicas: 1,7% em 2016, e 1,6% no período 2018-2010; OCDE: 1,6% em 2016 e 1,5% em 2017; FMI: 1,4% em 2016 e 1,2% em média no período 2018-2020). Apenas o Banco de Portugal prevê uma tendência diferente mas com valores mais baixos de crescimento (1,5% em 2016 e 1,6% em 2018); e a Comissão Europeia (1,6% em 2016 e 1,8% em 2017). Portanto, taxas de crescimento revelando um crescimento anémico.

Um outro aspecto preocupante são os valores da FBCF (investimento total). O governo prevê uma taxa de crescimento de 4,9% em 2016 e de 4,8% em 2017, enquanto o Banco de Portugal prevê aumentos apenas de 0,7% em 2016 e de 0,4% em 2017. São diferenças grandes relativamente a uma variável que é vital para recuperação da economia portuguesa e para a criação de emprego. Sem investimento não há modernização nem aumento da produtividade nas empresas, nem criação de emprego. O governo confia no investimento privado para alcançar aquele aumento já que em relação ao investimento público a tendência é de redução como se mostrará mais à frente.

O leitor, se quiser, poderá completar a análise comparando os valores apresentados pelas outras entidades para as restantes variáveis onde também se verificam diferenças.

Como consta do próprio PE-2016-2020, as previsões do governo assentam sobre pressupostos que são falíveis. No período 2016-2020, no cálculo das suas previsões o governo utiliza as seguintes hipóteses: Media dos valores do período: (1) Taxa de juro a curto prazo: -0,2%; (2) Taxa de juro a longo prazo: 1,6%; (3) Crescimento da procura externa:4,7% que é uma taxa bastante elevada; (4) Preço do petróleo: 43,58 dólares para o barril Brent; (5) Taxa de câmbio dólar/euro; 1,11. Para mostrar o carácter falível e aleatório dos pressupostos utilizados pelo governo nas suas previsões basta dizer que no fim de Abril/2016 o preço do petróleo rondava os 46 dólares por barril.

A REPOSIÇÃO DA LEI 53-B/2006, COMO FEZ O GOVERNO PS, NÃO GARANTE O DESCONGELAMENTO DAS PENSÕES, CONFORME O ACORDADO ENTRE O PS E OS PARTIDOS QUE APOIAM O GOVERNO

Os acordos assinados com os partidos que apoiam o atual governo determinam o descongelamento das pensões, portanto de todas as pensões (Da “Posição conjunta do PS e do  PCP sobre a solução Politica, ponto 3. “O descongelamento das pensões”; e da “Posição conjunta do PS e do BE sobre solução Politica, ponto 3; “O descongelamento das pensões”). Portanto, o que consta dos acordos é o descongelamento das pensões, mas o que fez o governo foi repor a Lei 53-B/2006, que é uma coisa bem diferente. A prová-lo está o que aconteceu em 2016, em que as pensões de valor superior a 628,83€ continuam congeladas, e as de valor inferior tiveram um aumento de 0,4%. Por ex., a pensão social, cujo valor em 2015 era apenas 201,50€, teve, em 2016,  um aumento de 0,4%, ou seja , o valor mensal aumentou 84 cêntimos e o valor diário teve um acréscimo de apenas 3 cêntimos. E isto porque, de acordo com as regras da Lei 53-B/2006 que foi reposta pelo governo PS, enquanto o crescimento económico, medido pelo aumento do PIB real, for inferior a 2%, as pensões até 628,83€ serão aumentadas de acordo com a subida verificada no Índice de Preços no Consumidor (IPC); as pensões de valor superior a 628,83€ e  até 2.515,32€ o aumento será igual ao do IPC menos 0,5% ; e as pensões de valor superior a 2.515,32€ a subida será igual ao aumento do IPC deduzido de 0,75%. Portanto, enquanto crescimento económico for inferior a 2% e a inflação for inferior a 0,5%, como sucedeu em 2015 (é a inflação do ano anterior que é considerada) as pensões até 628,83€ terão um aumento de miséria, e as de valor superior continuarão congeladas.

Como se conclui dos dados do quadro 1, todas as entidades, incluindo o governo prevêem uma taxa de crescimento económico, medido pelo aumento do PIB real, inferior ou igual a 2% pelo menos até 2020 (governo prevê inferior a 2% até 2018, e o FMI e Conselho de Finanças Públicas até 2020). E se a inflação aumentar 0,7% em 2016 como prevê o FMI, em 2017, as pensões até 628,28€ serão aumentadas em 0,7% (a pensão social terá um subida no valor mensal de 1,42€, ou seja, de 4,7 cêntimos no valor diário) e as pensões de valor superior a 628,28€ o aumento será apenas de 0,2% ou zero.

E a longo prazo, taxas de crescimento económico superiores a 2% serão muito difíceis, para não dizer impossíveis, de alcançar, enquanto os garrotes orçamentais impostos pela Comissão Europeia continuarem. Portanto, é urgente alterar rapidamente a lei para que os acordos assinados pelos partidos que apoiam o governo sejam respeitados.

A CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL EM 2016 CONTINUA A SER FEITA À CUSTA DA CONTENÇÃO DAS DESPESAS DE PESSOAL, DAS PENSÕES E DO INVESTIMENTO PÚBLICO

O quadro 2 foi copiado integralmente do relatório que acompanha o Orçamento do Estado para 2016 do governo PS de António Costa. Ele contém dados que permitem tirar algumas conclusões importantes para as quais queremos chamar a atenção dos leitores.

Quadro 2 – Receitas e despesas (em % do PIB) das Administrações Públicas: 2014-2016

programaestabilidade - II

A nível de receitas, o peso das receitas fiscais, que tem como origem os impostos diminui, entre 2015 e 2016, de 25,4% para 25,2% (-0,2 pontos percentuais) do PIB. Mas é a nível dos Impostos sobre o rendimento e património (impostos diretos), que inclui o IRS,  que a diminuição que se verifica  é maior pois passa de 10,9% para 10,3% do PIB (-0,6 p.p.). A nível dos Impostos sobre a produção e importação (impostos indiretos) até se verifica um aumento da carga fiscal, pois passa de 14,5% para 14,9% do PIB (+0,4 p.p.). No entanto, como se sabe os impostos indiretos são, sob o ponto de vista fiscal, os mais injustos pois pobres e ricos pagam o mesmo de imposto em euros quando adquirem o mesmo bem.

Mas é a nível das despesas que a situação é mais preocupante. Como se sabe, a austeridade foi suportada fundamentalmente pelos trabalhadores da Função Pública e pelos pensionistas, incluindo os aposentados. Entre 2010 e 2015, as despesas com pessoal nas Administrações Públicas (Central, Autárquica e Regional) diminuíram em 4.347 milhões €, pois passaram de 24.611 milhões € para 20.264 milhões €, segundo o INE. E se olharmos para a rubrica “8.Despesas com Pessoal “ do quadro anterior constamos que, em 2015, antes da reposição dos cortes das remunerações dos trabalhadores da Função Públicas, as despesas com pessoal representavam 11,1% do PIB do ano e, em 2016, com a reposição dos cortes continuará a representar também 11,1%. É evidente que o governo PS de António Costa não prevê qualquer aumento significativo de trabalhadores para preencher serviços onde a insuficiência é muito grande, o que causou uma degradação profunda dos serviços públicos essenciais prestados à população.

Na pág. 12 do próprio Programa de Estabilidade, em relação às despesas com pessoal, pode-se ler a seguinte explicação dada pelo governo: “As despesas com pessoal concorrem com uma diminuição de 1,1 p.p. do PIB para a consolidação orçamental. Esta redução reflete um rácio de novas entradas por saída de funcionários inferior a um até 2019 e de manutenção do emprego público a partir de 2020”. Portanto, o próprio governo afirma que tenciona continuar a redução do número de trabalhadores da Função Pública. A pergunta que naturalmente se coloca é esta: Como é que ele garantirá a melhoria dos serviços públicos que prometeu, pois sem trabalhadores não há serviços públicos de qualidade?

Mas não é só a nível das despesas com pessoal que os dados do quadro 2 geram preocupações. Também em relação às prestações sociais, incluindo as em espécie, onde se inclui a Segurança Social, Serviço Nacional de Saúde e Escola Pública, as previsões do atual governo são preocupantes. E isto porque o governo, como consta do quadro 2, prevê que esta despesa diminua, entre 2015 e 2016, de 19,2%  para 18,7% do PIB, o que é significativo, tendo em conta que são serviços essenciais para a população e para o combate às desigualdades. Portanto, nem é mantido o mesmo peso de despesa.

Igualmente em relação à FBCF (investimento público) o governo prevê que, entre 2015 e 2016, a percentagem em relação ao PIB diminua de 2,2% (um valor já muito baixo) para apenas 2%, o que determina que mesmo em valor absoluto se verifica uma redução de 241 milhões €. E o investimento é vital para a recuperação da economia e para a criação de emprego. O investimento total está muito dependente do investimento público já que os privados estão a investir pouco, portanto se o investimento público, que sofreu uma forte redução durante o governo PSD/CDS, não aumenta; pelo contrário até diminuirá em 2016, dificilmente haverá recuperação económica e criação de emprego.

Em resumo, o atual governo prevê fazer a consolidação orçamental em 2016, fundamentalmente à custa da redução/contenção das despesas com pessoal, com prestações sociais e com o investimento público. O quadro 3, construído com dados do Relatório do OE-2016 e do PE:2016-2020, confirma o mesmo para o período 2015-2020:

Quadro 3 – Variação da despesa pública com Pessoal, Prestações sociais, e investimento

programaestabilidade - III

Entre 2015 e 2020, o governo do PS de António Costa comprometeu-se com a Comissão Europeia a reduzir o défice orçamental de – 3,1% do PIB (não inclui o saneamento do BANIF, que corresponde a 1,2% do PIB) para um superavit de +0,4% do PIB, o que representa uma diferença de 3,5 pontos percentuais. E como mostram os dados oficiais do quadro 3, o mesmo governo pretende reduzir as Despesas com pessoal da Função Pública, com Prestações Sociais e com o investimento público (FBCF), durante o mesmo período, de 32,5% do PIB para 29,8% do PIB, ou seja, em 2,7 pontos percentuais, o que 77% da “redução” do défice orçamental. Portanto, com propriedade se pode concluir que se pretende fazer a consolidação orçamental prometida à Comissão Europeia fundamentalmente à custa da redução do peso destas despesas.

A PROMESSA DO GOVERNO FEITA À COMISSÃO EUROPEIA DE TOMAR MAIS MEDIDAS DE AUSTERIDADE SE FOR NECESSÁRIO

Da pág. 11 do Programa de Estabilidade deste governo transcrevemos, pela sua importância, a seguinte passagem que deverá merecer a atenção aos leitores pelo significa e pelas consequências que poderá ter.

programaestabilidade - IV

E a seguir, na mesma página, pode-se ler também o seguinte:

programaestabilidade - V

Portanto, como consta do próprio Programa de Estabilidade: 2016-2020, o governo tomou o compromisso com a Comissão Europeia de tomar as “medidas requeridas para cumprir os objetivos que se propôs” e que se comprometeu com a Comissão Europeia e que são, como consta da parte final da mesma página, as seguintes: “ o forte compromisso de atingir o défice de 2,2% em 2016” (em 2015, com o BANIF, foi de 4,4%, sem o BANIF o défice foi iguala 3% do PIB) e “um processo de consolidação orçamental concentrado na diminuição da despesa de 3,5 pontos percentuais do PIB (cerca de 6.500 milhões €), e da receita, de -1 pp do PIB (cerca de 1.800 milhões €), sobretudo de receita fiscal (-0,7 p.p.)

É evidente, que o cumprimento do compromisso tomado por este governo perante a Comissão Europeia, de redução tão grande da despesa associada a uma diminuição da receita, o que totaliza mais de 8.300 milhões € num ano apenas, e ainda por cima tomado num contexto macroeconómico de grande instabilidade e incerteza, poderá ser cumprido impondo eventualmente sacrifícios e contendo a recuperação da economia. E isto por mais declarações contrárias que façam e juras que realizem. Na economia e nas finanças públicas não existem milagres apesar de muitos acreditarem no contrário.

É necessário estar atento aos eventuais sacrifícios que o atual governo venha a pedir para cumprir os compromissos, que só ele tomou com a Comissão Europeia, a fim de evitar que esses sacrifícios se façam mais uma vez à custa dos trabalhadores e dos pensionistas, e de outras classes desfavorecidas da população como aconteceu durante o governo do PSD/CDS e da “troika”, pois dificilmente os portugueses compreenderiam e aceitariam isso num governo desta natureza e com os apoios que tem. E é preciso estar atento porque no OE-2016 estão orçamentados apenas 63 milhões € para “atualização” de pensões a 3 milhões de pensionistas (daí a razão, em 2016, dos aumentos de miséria de uma parte das pensões e do congelamento das restantes), enquanto se utilizaram fácil e rapidamente 2.000 milhões € de dinheiros públicos para sanear o BANIF, para seguidamente o vender a saldo ao banco espanhol Santander. Uma politica de dois pesos e de duas medidas que os próprios dados oficiais revelam e que só uma grande vigilância poderá impedir a sua repetição no futuro.

                                            Eugénio Rosa, economista, edr2@netcabo.pt, 30.4.3016

Leave a Reply