A UBERIZAÇÃO DA EUROPA VISTA ATRAVÉS DAS LEIS DO TRABALHO IMPOSTAS EM FRANÇA E NA ITÁLIA – 4. JOBS ACT: AS MENTIRAS DO MINISTRO ITALIANO DO TRABALHO, de MARTA FANA

mapa itália Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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logo - IIJobs Act: as mentiras do ministro italiano do Trabalho

Marta Fana, Jobs Act: les mensonges du ministre du Travail Italien

Economistas Aterrados, Sciences Po Paris, 11 de Janeiro de 2016

O ano de 2015 foi o primeiro ano de aplicação da reforma italiano do trabalho, a Lei dita  Jobs  Act, lei  criada  para tornar o mercado de trabalho mais flexível e para estabelecer uma nova onda de isenções das contribuições  patronais com o objectivo de  fazer baixar  os custos laborais. Esta reforma impopular tem sido desde  os seus primeiros meses sujeita a  uma propaganda exagerada pela parte do governo italiano.

No coração de reformas estruturais, está a reforma do mercado de trabalho que foi  adoptada em virtude  da ideia dominante, transmitida pelas instituições europeias, que uma maior flexibilidade do mercado de trabalho deve levar ao aumento da produtividade, à  melhoria da  competitividade das empresas e, finalmente, deve  permitir a recuperação económica. O governo Renzi, ignorando o parlamento, continuou a enfraquecer a legislação laboral italiana já atingida pelas reformas implementadas desde 1993. Jobs Act  atacou primeiramente  os contratos  de duração indeterminada (CDI), suprimindo o artigo 18 do código de trabalho italiano que permitia  a  todo e qualquer assalariado reconhecido por  um tribunal como tendo sido  injustamente despedido  integrar a empresa que ele assim o desejasse.  Este artigo 18 do Código   foi substituído pelo “contrato por tempo indeterminado de protecção crescente “, que faz depender  os direitos de indemnização  por despedimento abusivo da  antiguidade  do trabalhador e deixa de manter a possibilidade de reintegração  a não ser  em casos especiais, como a discriminação. Mas também facilitou o uso de banco de horas de trabalho, um dispositivo  derrogatório da  legislação tributária e social pela utilização de uma mão-de-obra  trabalho ocasional (uma forma de cheque emprego ): o rendimento anual máximo  que um trabalhador pode receber pela utilização do banco de horas passou  de 5.000 a 7.000 euros. A reforma do contrato de duração indeterminada   tem sido o principal  tema   de debate público. A reforma, de facto, alterou  a relação entre empregadores e empregados, favorecendo na negociação  os primeiros relativamente aos segundos . Ela converteu em numerário  o direito dos trabalhadores a serem reintegrados nos seus  postos  de trabalho depois de um despedimento  sem justa causa. O governo, através da adopção da Lei de Estabilidade de 2015, acrescentou a este dispositivo   a supressão das contribuições sociais dos empregadores até € 8.060 por ano para cada novo assalariado  contratado com contratos permanentes por três anos.

Estas mudanças nas relações de  trabalho eram supostas não somente criarem  empregos mas também reduzir a precariedade. No contexto económico italiano, oscilando  entre estagnação e a recessão , o governo esperava poder contar uma história de  sucessos da sua acção fazendo crer  que se estaria a dar confiança aos Italianos mostrando-lhes que se estes tivessem perdido direitos, beneficiavam da reforma. É assim que o governo lançou uma campanha mediática sem precedentes, mistificando muitas vezes a realidade, com a cumplicidade da maior parte dos  meios de comunicação social que renunciaram   ao seu papel de intermediários  da democracia.

Desde  28 de Novembro de 2014, enquanto que a lei Jobs Act  estava em vias de ser aprovada pelo Senado italiano, o ministro do Trabalho, Giuliano Poletti, procurando  amaciar a informação dada  pelo Instituto da estatística nacional de uma taxa de desemprego de  13%, decidiu antecipar a publicação mensal dos números do emprego pelo seu ministério. Declarou à imprensa num  tom muito  tranquilo a criação “de mais de 400.000 novos empregos de contratos  de duração indeterminada durante o terceiro  trimestre de  2014”. Esta notícia foi retomada num comunicado de imprensa do governo e difundida cegamente pelos meios de comunicação social. Era isto verdade ? Não, não era! A verificação das declarações do ministro só foi possível 4 dias mais tarde, enquanto que a notícia já tinha sido  difundida largamente junto da opinião pública. Os números do terceiro trimestre de 2014 revelaram realmente uma situação degradada: os fins de contrato  tinham  sido mais numerosos que as contratações em CDI. Isso  significava uma redução líquida  (de 80.380) dos empregos em CDI. O mesmo aconteceu a  26 de Março de 2015, imediatamente depois da entrada em vigor do contrato “de  protecção crescente” (a 7 de Março) e a nova isenção de contribuições sociais para os empregadores (a 1º de Janeiro). O ministro do Trabalho anunciou prematuramente o sucesso da sua política comunicando que “nos dois primeiros meses de 2015 foram criados 79.000 contratos de  duração indeterminada”. Ainda aqui, mais uma vez, os números não eram imediatamente verificáveis. Mas a  30 de Março, os números publicados com um quadro e um comunicado de imprensa contradiziam de novo os seus propósitos: o número de CDI criados era apenas de 45.703 e não 79.000 como era anunciado.

Depois desta série de anúncios exagerados chegou a enorme asneira  do ministério do Trabalho. A  25 de agosto de 2015, publicou com a sua nota mensal de Julho o número de criações e de fins de  contrato assim como publicou um quadro com os dados acumulados entre Janeiro e Julho, totalmente fantasista. O Observatório estatístico do ministério do Trabalho com efeito tinha sobreavaliado o número de novos contratos em mais de um milhão (tinha  anunciado a criação de 2.331.853 de contratos enquanto que o número real era de 1.136.172, número líquido  dos fins de contrato). No caso dos CDI que ocupavam o centro do debate, o número anunciado era quatro vezes mais elevado que o número real (420 325 contratos em vez de 115.897 na realidade). Durante um dia inteiro, os meios de comunicação social todos  eles retransmitiram os grandes sucessos da reforma do mercado do trabalho – com excepção do diário IL  Manifesto que sublinhou o erro. Um jornalista do Repubblica pediu explicações ao ministério que reagiu com arrogância estigmatizando a incapacidade dos jornalistas em compreender as estatísticas… No entanto, as mentiras não duraram muito. Na tarde do dia  26 de Agosto, o ministério enviou à imprensa uma nota correctiva, na qual admitia o erro, e publicou um novo quadro com dados corrigidos (eliminando do sítio a precedente versão). A imprensa italiana falou nisso apenas no dia seguinte, mas minimizando os números enviesados (um simples erro de cálculo) e validando de novo  a primeira interpretação do ministro segundo a qual Jobs  Act  estava a dar os se8us frutos.

A leitura governamental  (muito) feliz da reforma foi retomada   sem pestanejar pela imprensa, apesar do mercado de trabalho permanecer átono. Durante os primeiros dez meses de 2015, o crescimento do emprego tem sido bem pequeno e terá  sido especialmente  o resultado  de um aumento  da precariedade: como o  mostra uma   primeira avaliação,

(http://www.isigrowth.eu/2015/12/08/labour-market-r…),

o número de activos ocupados em CDI aumentou apenas  de 2.000, enquanto que o aumento foi de 178 000 para os contratos a termo fixo (contratos sempre mais curtos, 40% deles não eram de duração superior a um mês) e que mais de  91 milhões de horas em banco de horas foram utilizados. Se a taxa de desemprego diminuiu (de 12,2 para 11,5%), isto não se traduz por um aumento de emprego duradouro : não só os novos postos de trabalho foram essencialmente de empregos precários, mas entre o primeiro e o segundo trimestre de 2015, um candidato a emprego em cada três   (34%) saindo  do desemprego tornava-se  inactivo,  uma  taxa de duas vezes superior à média europeia (17%) reflectindo o desânimo dos desempregados italianos contra a falta de postos de trabalho.

Enquanto isso, o governo, que continuava firme a efectuar  cortes no Estado-Providência e nas despesas  públicas para os cidadãos, tinha gasto  em 2015 quase EUR 2 mil milhões em isenções de encargos sociais para as empresas. Estas isenções acabam por serem  financiadas através da tributação geral, ou seja, o governo procedeu a uma verdadeira redistribuição de baixo para cima!

Marta Fana, Economistas Aterrados, Sciences Po ParisJobs Act : les mensonges du ministre du Travail Italien, publicado por LIBÉRATION,  11 de janeiro de 2016 e disponível em:

http://leseconomistesatterres.blogs.liberation.fr/2016/01/11/jobs-act-les-mensonges-du-ministre-du-travail-italien/

1 Comment

  1. OS “COLABORADORES”

    O termo Colaboradores surge com a consolidação da ideologia neoliberal à escala global e é usado em vários tipos de organizações – empresas, organismos do Estado, associações patronais e até em Ordens profissionais e alguns “sindicatos” – para se referirem aos trabalhadores.

    No pós-guerra, com a derrota do nazi-fascismo, alguns povos conquistarem ao capitalismo um forte estado social, conquista que foi sendo admitida pelo capital como contraponto dos ventos sopravam de Leste e que galvanizavam os povos de uma Europa exaurida e traumatizada, que desesperadamente precisava de esperança.

    Entretanto a correlação de forças foi-se alterando e com o advento do neoliberalismo, parido de uma das cíclicas crises do capitalismo, a classe operária, os trabalhadores, os povos, têm pago com sangue suor e lágrimas a perfídia dos grandes impérios financeiros e dos seus representantes políticos, já sem um forte bloco que antagonize o capitalismo.

    O neoliberalismo dá assim largas ao festim: a corrupção impera, generalizam o desemprego, precarizam o trabalho, obrigam a baixos salários, privatizam toda a economia entregando tudo o que dá lucro aos capitalistas, vão destruindo os sistemas de segurança social, saúde e ensino público, aumentam intoleravelmente as diferenças sociais semeando a pobreza e a miséria e tratam de transferir toda a riqueza produzida para as mãos do capital também através de políticas fiscais e orçamentais.

    Neste contexto, para as hordas neoliberais, a palavra trabalhadores” é uma palavra maldita, que eles associam a “luta”, “sindicatos”, “democracia”, “cidadania”, “direitos”, “greve” “liberdade” etc… Sacam logo da pistola quando ouvem tais palavras.

    No seio das empresas, a defesa do capital, representado nos interesses dos grandes accionistas e sócios, passa por negar o papel central do trabalho enquanto verdadeiro criador material da riqueza. Ou seja, invertem-se os papéis: o capital é apresentado como um factor determinante e por isso é remunerado com a parte de leão, enquanto o trabalho é meramente acessório e substituível, podendo pagar-se com os míseros trocos. Os trabalhadores são classificados como recursos integrados no aparelho produtivo. E quanto menos direitos e salários usufruírem, melhor. O que importa é reduzir o custo unitário do trabalho e tornar dócil a mão-de-obra contratada.

    Esta crise do capitalismo – que é disso que se trata – fez explodir o quadro das relações de trabalho, criando as melhores condições para uma intensificação da exploração: Gerou, como esperavam, altas taxas de desemprego, o que teve um impacto negativo brutal nos níveis médios dos salários e outras remunerações e alterou significativamente as relações jus-laborais, que facilitam a violação sistemática dos direitos e interesses dos trabalhadores, independentemente do seu posicionamento e qualificação. A arbitrariedade, os abusos e a violação da lei ocorre todos os dias, quer por parte dos governos quer por parte do patronato e com a complacência, ou mesmo cumplicidade, de certas personalidades e organizações “sindicais”,

    Num ambiente de completa desregulamentação das leis laborais e das condições da prestação de trabalho, entende-se melhor o significado do termo “Colaboradores”.

    É assim necessário difundir e consolidar a ideia de que os trabalhadores são parceiros facilmente substituíveis, conjunturais e são externos à própria empresa.

    No próprio conceito actual de remuneração, essa ideia está patente quando se generalizam as remunerações variáveis – legitimadas pelos famigerados sistemas de avaliação de desempenho – como instrumento não só de redução dos custos do trabalho mas também para dar esse caracter de transitoriedade ao trabalho e ao trabalhador.

    Por outro lado, em muitas empresas que conhecemos que se apresentam como modelos de responsabilidade social e que cantam loas ao diálogo e a concertação, ao invés de se fomentar um modelo de relações laborais baseado no reconhecimento dos direitos e deveres das partes, na participação de todos no projecto da empresa, na divisão equilibrada da riqueza produzida e numa efectiva responsabilização social, disseminam o medo, exercem a chantagem, subvertem o valor do trabalho e perseguem aqueles que ousam exercer os mais básicos direitos de cidadania previstos na lei e constitucionalmente consagrados.

    Esta cultura empresarial, que pode não ser generalizada mas é mais comum do que possamos imaginar, produziu diligentes “Kapos” prontos a tudo no posto onde os mandantes os colocam.

    As reestruturações de certas empresas que têm vindo a ser operadas nos últimos anos, já visavam a implementação desta cultura quando atiraram borda fora milhares de trabalhadores no auge das suas carreiras profissionais, mas que estavam “impregnados de sindicalismo” e não eram dóceis. Tinham alguma consciência política e de classe.

    O termo Colaboradores não é assim um termo da moda, inofensivo e inócuo, mas, ao contrário, é usado com uma forte carga politico-ideológica e com um sentido de “apartheid”.

    Este termo é uma emanação do capitalismo, da direita política, do neoliberalismo e mesmo da social-democracia mais cor-de-rosa.
    São estes os responsáveis por o trabalho se ter transformado numa fonte de exploração, de conflitos, de frustrações e de mal-estar físico e psicológico e não como deveria ser, um factor de realização multidimensional do Homem.

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