Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Robert F. Kennedy Jr. denuncia o conflito na Síria: uma « guerra por procuração» por um pipeline
Taïké Eilée, Robert Kennedy Jr. dénonce le conflit en Syrie: une «guerre par proxys» pour un pipeline
29 de Fevereiro de 2016
(continuação)
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Um pipeline vale bem um califado
Apesar da cobertura mediática dominante, os planificadores da informação americana sabiam desde o início que os seus “pipelines proxies” eram jihadistas radicais que redesenhariam muito provavelmente um outro califado islâmico completamente novo nas regiões sunitas da Síria e do Iraque. Dois anos antes que os degoladores de gargantas do Estado islâmico no Iraque e Levante apareçam sobre a cena internacional, um estudo de sete páginas da Defense Intelligence Agency (que funciona sob a jurisdição do Departamento da Defesa), datado de 12 de agosto de 2012, obtido pelo grupo de direita Judicial Watch, avisava que , graças ao apoio dos Estados Unidos e da coligação sunita aos jihadistas sunitas radicais, “os salafistas, os Irmãos muçulmanos e Al Qaïda no Iraque (hoje EIIL), são as principais forças que conduzem a revolta na Síria”.
Utilizando os financiamentos dos Estados Unidos e dos Estados do Golfo, estes grupos tinham feito evoluir as manifestações pacíficas contra Bachar el-Assad “numa direcção claramente sectária” (sunitas contra chiitas). O relatório nota que o conflito se transformou numa guerra civil sectária, apoiada “pelos poderes religiosos e políticos” sunitas. Descreve o conflito sírio como uma guerra global para o controlo dos recursos da região, com “o Ocidente, os países do Golfo e a Turquia a apoiarem a oposição a [Assad], enquanto a Rússia, a China e o Irão apoiam o regime”.
Os autores do relatório do Pentágono “parecem aprovar o aparecimento previsível do califado do Estado islâmico”, escreve RFK Jr., que o cita: “Se a situação se deslindar, há uma possibilidade de se estabelecer um principado salafista declarado ou não declarado no leste da Síria (Hasaka e Der Zor) e é precisamente o que as potências que apoiam a oposição querem com o objectivo de isolar o regime sírio.” O relatório do Pentágono avisa que este novo principado poderia estender-se para além da fronteira iraquiana, até Mossoul e Ramadi e “declarar um Estado islâmico pela mediação da sua aliança com outras organizações terroristas no Iraque e na Síria”.
RFK Jr. só pode chegar à seguinte constatação :
“Certamente, é precisamente isso que se produziu. Não por pura coincidência, as regiões da Síria ocupadas pelo Estado islâmico englobam exactamente a via proposta para o pipeline do Catar.”
Fonte das imagens: « Syrie : le grand aveuglement », documentaire diffusé le 18 février 2016 sur France 2
Em baixo, o pipeline do Qatar, em cima o do Irão
Uma observação com uma ponta de ironia e malícia a lembrar uma outra observação. No dia 14 de Fevereiro de 2002, o jornalista israelita Uri Avnery escrevia maliciosamente em Maariv:
“Se olharmos para o mapa das grandes bases militares americanas criadas [durante a guerra no Afeganistão], sentimo-nos espantados com o facto de que estão situadas exactamente sobre a rota do oleoduto previsto para o Oceano Índico. […] Oussama Bin Laden não tinha percebido que a sua acção iria servir os interesses americanos… Se eu fosse um adepto da teoria da conspiração, pensaria que Ben Laden é um agente americano. Não o sendo, posso apenas espantar-me com a coincidência.”
Como escrevia ainda Salim Muwakkil no Chicago Tribune em 18 de Março de 2002: “Os actos terroristas do 11-setembro, embora trágicos, forneceram à Administração Bush uma razão legítima de invadir o Afeganistão, de caçar os Talibans recalcitrantes e, coincidentemente, de abrir a via para o pipeline.”
Recordemos que o governo americano via inicialmente nos talibãs uma fonte de estabilidade que permitiria a construção de um oleoduto através da Ásia central. Foi somente quando os talibans, depois de seis meses de negociações, em 2 de Agosto de 2001, recusaram aceitar as condições dos Estados Unidos, que a guerra se tornou inevitável. Em meados de Julho de 2001, aquando de uma reunião secreta tida em Berlim, altos funcionários americanos tinham feito parte dos planos para se efectuarem acções militares contra o regime taliban se este recusasse o pipeline. A operação desenrolar-se-ia, dizia-se, antes das primeiras neves no Afeganistão, ou seja em meados de Outubro o mais tardar. A 7 de Outubro começou efectivamente a guerra. Entretanto tinha ocorrido o 11 de Setembro. O pipeline “do Turquemenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia” finalmente começou a ser construído em 13 de Dezembro de 2015, e deverá ficar operacional em 2019. De acordo com Tim Clemente, que presidiu no FBI à Joint Terrorism Task Force entre 2004 e 2008, os Americanos cometeram na Síria o mesmo erro que quando tinham treinado os moudjahidins no Afeganistão. No momento em que os Russos tinham deixado o país, os supostos aliados dos Estados Unidos tinham-se posto a destruir antiguidades, a servirem-se das mulheres, a mutilar corpos e a disparar sobre os Americanos. Do seu lado, o Vice-Presidente Joe Biden explicou, a 3 de Outubro de 2014, em frente dos estudantes de Harvard, que a Turquia, a Arábia Saudita e os Emirados árabes unidos “ estavam tão determinados em fazer cair Assad” que eles lançaram “uma guerra por procuração entre sunitas e chiitas”, e derretido centenas de milhões de dólares e dezenas de milhares de toneladas de armas para todos aqueles que quereria bater-se contra Assad. Salvo que as pessoas que foram fornecidas, eram al-Nosra e Al Qaïda”, os dois grupos que se fundiram em 2014 para formar o Estado islâmico. Biden parecia encolerizado com o facto de que os pretensos “ amigos” dos Estados Unidos não se terem mostrado dignos de confiança para seguirem a agenda americana.
RFK Jr. lembra uma vez mais a dupla leitura que se pode fazer dos conflitos no Médio Oriente e parece estar a concordar com a que é geralmente aceite no mundo árabe:
“Através do Médio Oriente, os líderes árabes acusam habitualmente os Estados Unidos de ter criado o Estado islâmico. Para a maior parte dos Americanos, tais acusações parecem loucas. No entanto, para muitos Árabes, as provas da implicação americana são tão abundantes que concluem que o nosso papel em favorecer o Estado islâmico tinha mesmo que ter sido intencional.
Com efeito, muitos dos combatentes do Estado islâmico e os seus comandantes são sucessores ideológicos e organizacionais dos jihadistas que a CIA financiou durante mais de 30 anos da Síria ao Egipto, do Afeganistão ao Iraque. “
Ele analisa a seguir a invasão americana do Iraque efectuada por George W. Bush, feita pois num país laico onde Al Qaïda não existia e onde o seu “vice-rei” Paul Bremer, “num monumental acto de má gestão, criou efectivamente o Exército sunita, chamado hoje Estado islâmico”. No início de 2011, os aliados dos Estados Unidos financiaram a invasão dos combatentes de AQI na Síria. Em Abril de 2013, entrado na Síria, AQI alterou o seu nome para EIIL. Uma organização dirigida, como diz Dexter Filkins, jornalista no New Yorker, por um conselho de antigos generais iraquianos, muitos dos quais eram membros do partido laico Baas de Saddam Hussein, e que se converteram ao Islão radical nas prisões americanas. “Os 500 milhões de dólares da ajuda militar que Obama enviou para a Síria, escreve RFK Jr., terão acabado certamente por beneficiar estes jihadistas militantes.” Terá acontecido o mesmo, sublinhemo-lo, à ajuda francesa.
Morrer por um pipeline , de acordo, mas de morte lenta…
Tim Clemente, com quem RFR Jr. falou, sublinha a diferença entre o conflito no Iraque e o da Síria: neste último, são milhões de homens em idade de combater que deixam o campo de batalha para virem para a Europa, em vez de defenderem as suas comunidades. A explicação evidente, é que os moderados fogem de uma guerra que não é a deles. Querem simplesmente evitar ser apanhados entre a bigorna da ditadura de Assad apoiada pelos Russos e o martelo jihadista e sunita que os Americanos têm nas mãos e a participarem numa batalha mundial entre pipelines concorrentes. Não se poderia, de acordo com RFK Jr., repreender o povo sírio por não abraçar largamente um plano para a sua nação que foi preparado em Washington ou em Moscovo. As superpotências não deixaram nenhuma opção para um futuro desejável pelo qual os Sírios moderados teriam podido encarar bater-se. E RFK Jr. sublinha que “ninguém quer morrer por um pipeline”.
Então que fazer? Começar por utilizar as boas palavras, por sair da propaganda, para que o povo americano possa finalmente compreender a situação:
“Utilizando as mesmas imagens e a mesma linguagem que apoiaram a nossa guerra de 2003 contra Saddam Hussein, os nossos líderes políticos deixam os Americanos acreditar que a nossa intervenção na Síria é uma guerra idealista contra a ditadura, o terrorismo e o fanatismo religioso. Temos tendência a afastar, como se tratasse de puro cinismo, o parecer destes Árabes que vêem a crise actual como um retomar das mesmas velhas conspirações a respeito dos pipelines e da geopolítica. Mas, se devemos ter uma política externa eficaz, devemos reconhecer que o conflito sírio é uma guerra pelo controlo dos recursos indiscernível na miríade das guerras do petróleo, clandestinas e não declaradas, que efectuamos no Médio Oriente desde há 65 anos. E é somente quando vemos este conflito como uma guerra por procuração por um pipeline que os acontecimentos se tornam compreensíveis.”
Tim Clemente compara o Estado islâmico às Forças armadas revolucionários da Colômbia (FARC), um cartel da droga dotado de uma ideologia revolucionário para inspirar os seus soldados de infantaria: “Devem pensar no Estado islâmico como um cartel petrolífero. No final é o dinheiro que dirige o raciocínio. A ideologia religiosa é um instrumento que motiva os seus soldados a darem as suas vidas para um cartel petrolífero.” Desprovidos deste fanatismo que os cega, os Sírios a fugirem para a Europa, não são nem mais nem menos do que os Americanos, não estarão dispostos a enviar os seus filhos morrerem por um pipeline.
RFK Jr. leva-nos a olhar a realidade de frente:
“ o que chamamos “guerra ao terrorismo” não é nada mais que uma outra guerra do petróleo. Desperdiçamos 6 mil milhões de dólares em três guerras no estrangeiro e construímos um estado de guerra securitária sobre o nosso próprio solo desde que o negociante de petróleo Dick Cheney declarou “a Longa Guerra” em 2001. Os únicos vencedores foram os fabricantes de armas e as companhias petrolíferas que embolsaram lucros históricos, as agências de informação que ganharam em poder de maneira exponencial em detrimento das nossas liberdades, e os jihadistas que invariavelmente se servem das nossas intervenções como o seu mais eficaz meio de recrutamento.
[…] Durante as sete últimas décadas, os irmãos Dulles, o bando de Cheney, os neoconservadores e consortes desviaram o país deste princípio fundamental do idealismo americano [segundo o qual cada nação deveria ter o direito à autodeterminação] e estenderam o nosso aparelho militar e de informação ao serviço dos interesses mercantis de grandes sociedades e, particularmente, das companhias petrolíferas e dos fabricantes e negociantes de armas, que literalmente levaram a cabo uma grande golpada com estes conflitos. “
Robert F. Kennedy Jr. recomenda finalmente à América que se desvie deste novo imperialismo e que retorne sobre o caminho do idealismo e da democracia. Preconiza que se deixem os Árabes governarem-se a si-mesmos , sobretudo não invadir a Síria, e terminar com a ruinosa dependência do petróleo do Médio Oriente que deformou a política externa americana desde há mais de meio século, procurando-se, isso sim, visar uma bem maior independência energética.
(continua)
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Para ver a parte I deste texto de Taïké Eilée, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
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