Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Coisas básicas sobre os défices
Bill Mitchel, Budget deficit basics
Billy blog, 4 de Abril de 2011
(conclusão)
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O problema é que o mito tornou-se parte do folclore em que operam e então ouvem-se mesmo os progressistas a falarem desta preocupação (como se mencionou acima, com o exemplo do Japão).
Como um aparte, reconhecendo que os bancos centrais podem directamente financiar ( facilitar) as despesas públicas sem recurso aos mercados privados de dívida os neoliberais estão na verdade a admitir que não há nenhum constrangimento financeiro sobre as despesas públicas. É por isso são tão ruidosos sobre a inflação.
Há pois na argumentação neoliberal muitos erros na lógica e nos factos – entre os quais estes problemas chaves:
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Os bancos centrais não podem controlar a oferta de moeda. Leia por favor o meu texto – Understanding central bank operations – para mais discussão nesta matéria .
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Não há nenhum multiplicador de moeda – leia por favor o meu texto – Money multiplier and other myths – para mais discussão nesta matéria.
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A expansão da base monetária não provoca a inflação. Leia por favor os seguintes blogues – Building bank reserves will not expand credit e ainda Building bank reserves is not inflationary – para uma discussão adicional.
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O banco central estabelece a taxa de juro – leia por favor o meu texto – Will we really pay higher interest rates? – para mais discussão nesta questão.
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O aumento das despesas públicas não coloca nenhuma pressão à alta sobre as taxas de juro – leia por favor meu blogue – Will we really pay higher interest rates? – para mais discussão nesta questão.
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O governo nacional não tem nenhum constrangimento financeiro e as operações monetárias que podem estar associadas com as despesas públicas não alteram o impacto dessa despesa.
O governo gasta da mesma forma, independentemente dessas operações. O governo credita as contas bancárias (ou credita-as indiretamente mediante a emissão de cheques). Esta despesa acresce a procura agregada e aumenta o emprego e a produção – tanto quanto há também aumento da capacidade produtiva.
A realidade pode ser que o Tesouro pode instruir o banco central para creditar algumas contas bancárias e alguns registos contabilísticos no âmbito da Administração podem ser alterados. A contabilidade não tem aqui nenhum interesse para nós economistas neste contexto.
Alternativamente, o Tesouro pode instruir alguns organismos públicos para fazer uma emissão de títulos a coincidir com o aumento da despesa . A despesa irá ocorrer da mesma forma mas neste caso a contabilidade para a emissão de dívida é um pouco diferente (como veremos), mas sem nenhum significado quanto à própria despesa em si-mesma.
Os economistas neoliberais afirmam que a criação de base monetária (vista como o governo a solicitar ao banco central para que compre títulos do Tesouro o que leva este então a imprimir moeda) significa que a despesa extra causará inflação acelerada porque haverá “muito dinheiro a querer comprar muitos poucos bens “.
Mas na verdade as economias responderão ao acréscimo da despesa agregada expandindo a produção a não ser que eles não possam fazer isso. Quando é que pode haver esta limitação à expansão da produção? Na situação de pleno emprego. Nesse caso, porque é que um governo continuará a expandir a sua despesa nominal se eles sabem que não podem obter mais produção (e emprego) na economia em questão ?
A maioria das economias normalmente estão constrangidas por uma procura deficiente (definida como uma procura abaixo do nível de pleno emprego) e assim o aumento da procura nominal (crescimento na despesa pública) não nos vai levar a inflação.
Assim, quando os governos estão a aumentar os seus défices para compensar um colapso no consumo privado, há muita capacidade produtiva por utilizar e a permitir o aumento da produção ao invés de ir aumentar a inflação. Também pode imaginar que o risco de inflação vem da despesa – não da ginástica contabilística que é realizada – ou seja, se o governo contrai “um empréstimo sobre si-mesmo ” (troca de informações contabilísticas entre o Tesouro e o Banco Central) ou se contrai um empréstimo junto do público (troca de moeda banco central contra títulos).
Então essas operações monetárias (criação de base monetária/emissão de dívida ) nem aumentam ou diminuem o risco de inflação associado com a despesa pública. O que importa aqui é saber se existe capacidade não utilizada na economia para aumentar a produção, quando um aumento da despesa se verifica na economia. Se há capacidade não utilizada, então o risco de inflação é baixo ou inexistente.
Se não há então o risco de inflação é alto – emita-se dívida ou não !
Mas e acerca da argumentação de que a emissão de dívida é menos expansionista porque a emissão absorve a capacidade de despesa privada?
O que acontece quando um governo soberano, um governo que dispõe do poder de emitir moeda, (com uma taxa de câmbio flexível) está numa situação de défice público sem emissão de dívida?
Tal como todas as despesas públicas, o Tesouro creditaria as contas de reserva detidas pelo banco comercial junto do banco central. O banco comercial em questão estaria onde o objectivo a atingir com a despesa pública tivesse uma conta. Assim, os activos e passivos do banco comercial também aumentam porque vai-lhes ser registado um depósito.
As transações são claras: aumentam os ativos do banco comercial e também cresce o seu passivo porque teve lugar um novo depósito. Além disso, o objectivo a atingir com a iniciativa orçamental desfruta do aumento dos activos (depósito bancário) e dos resultados líquidos (um registo contabilístico passivo/capitais próprios no balanço ). A tributação faz o oposto, e por essa razão um défice ( despesa maior do que a receita ) significa que as reservas aumentam e aumentam os resultados líquidos privados.
Isto significa que é provável haver um excesso de reservas no “sistema de caixa ” o que então levanta questões para o banco central sobre a gestão de liquidez. O objectivo do banco central é “fixar ” uma taxa de juro como objectivo e deve então assegurar que a concorrência force o mercado interbancário a não comprometer este objecto.
Quando há excesso de reservas há uma pressão à descida da taxa de juro overnight (com os bancos a procurarem obter oportunidades de ganho), o banco central, em seguida, tem de vender títulos do governo aos bancos para absorver o excedente de liquidez e colocar a liquidez a um nível compatível com o alvo por si definido. Alguns bancos centrais oferecem um retorno sobre as reservas overnight o que reduz a necessidade de vender dívida como uma operação de gestão de liquidez.
Estas vendas de dívida não “financiam” os défices públicos – elas são uma operação monetária destinada a manutenção de taxas de juro. Então a massa M1 (depósitos no setor não-governamental) aumenta como resultado do défice sem que haja um aumento correspondente no passivo. É este resultado que leva à conclusão de que os défices aumentam os activos financeiros líquidos no setor não-governamental.
O que aconteceria se houvesse uma venda de títulos? Tudo o que acontece é que as reservas dos bancos são reduzidas pelo montantes das vendas dos títulos mas isto não reduz os depósitos criados pelo défice. Então o valor patrimonial líquido do setor não-governamental não é alterado. O que muda é a composição da carteira de ativos mantida no setor não-governamental.
A única diferença entre o Tesouro “contraindo empréstimo junto do banco central” e emissão de dívida para o setor privado é que o banco central tem de utilizar diferentes operações para alcançar e manter a sua política de taxa objectivo. Se a dívida não é emitida para compensar o défice, em seguida, tem de pagar juros sobre o excedente de reservas (o que muitos bancos centrais estão actualmente a fazer) ou deixar a taxa alvo cair para zero (a solução do Japão).
Não há nenhuma diferença quanto ao impacto dos défices sobre o património líquido no setor não-governamental.
Os economistas neoliberais diriam que drenando as reservas, o banco central reduziria a capacidade dos bancos de concederem empréstimos o que, então, através do multiplicador monetário expande a oferta de moeda.
No entanto, reexaminemos os erros da lógica acima descrita quanto à forma como os neoliberais utilizam a ideia de constrangimento em termos de défice público :
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A constituição de reservas nos bancos não aumentam a capacidade dos bancos para concederem empréstimos. Estes não precisam de reservas para concederem empréstimos. Os bancos emprestarão se há clientes dignos de crédito, independentemente das operações que acompanham os défices públicos. Leia por favor o seguinte texto – Building bank reserves will not expand credit.
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O multiplicador monetário não descreve adequadamente o processo da criação do crédito – isto é, a maneira como os bancos concedem empréstimos.
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A inflação é provocada pela procura agregada que cresce mais rapidamente do que a capacidade de produção efectiva. A posição da reserva dos bancos não está funcionalmente relacionada com esse processo. Leia por favor o seguinte texto – Building bank reserves is not inflationary – para uma discussão mais aprofundada .
Isto leva-nos à conclusão de que os défices públicos não implicam um risco de inflação. Todas as componentes da procura agregada carregam um risco de inflação se estas componentes se tornam excessivas, o que só podem ser definido em termos de relação entre a capacidade produtiva e a despesa. Pode acontecer que no nosso exemplo um défice de 6 por cento com pleno emprego pode ser demasiado expansionista.
Não há nada aprioristicamente que o sugira. Não há nada de intrinsecamente interessante sobre um défice de 6 por cento ou sobre um défice de 2 por cento. Tudo depende das contribuições das despesas dos três setores (governo, sector privado e sector externo e interno).
Se um défice de 6 por cento – que é um fluxo de despesa – adiciona demasiado poder de compra à procura agregada (despesa) ao nível do pleno emprego e não é compensado por drenagem da procura proveniente do sector externo (défice comercial) e pelo setor privado interno (poupança global ) – então a MTM fornece orientações claras para a política económica.
Enquanto o governo está satisfeito com o mix da política público-privado da atividade então terá de cortar no seu défice para evitar a pressão da procura à alta dos preços. Se ele quisesse mais actividade pública e menos privada, poderia fazê-lo aumentando os impostos e cortando pois no rendimento disponível do sector privado.
Mas a afirmação de que as aplicações privadas em títulos da dívida reduzem o risco de inflação é totalmente falaciosa. Não reduzem.
Conclusão
Espero que isto esclareça algumas das questões candentes que são atuais, mas muito obscurecidas pelos errados comentários públicos.
Os défices orçamentais são importantes, pois eles são a maneira que o governo pode utilizar para aumentar a procura agregada e assim influenciar os níveis da produção e do emprego. Se adicionam muita procura nominal então, o governo irá provocar tensões inflacionistas. É realmente muito simples.
Mas o valor do défice público que está associado com o máximo da produção e do emprego é sem significado. Os únicos objetivos verdadeiramente legítimos que o governo deveria procurar alcançar são os objectivos reais – emprego e produção – mas se se concentrar em determinados resultados orçamentais (orientado pelo estrito cumprimento das regras orçamentais) poderá muito provavelmente frustrar essa legitimidade.
Bill Mitchell, Budget deficit basics, texto disponível em:
http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=14044
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Para ler a Parte II deste texto de Bill Mitchell, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a: