AMEAÇA DE PESTE BOURBÓNICA – por Carlos Loures

Notícias vindas recentemente a lume sobre a constituição de um estado peninsular único, não é uma ideia nova embora seja necessário distinguir as intenções que estiveram na base dos diversos projectos – nesse aprofundamento, encontraremos um leque político que vai da traição merecedora de execução sumária à forma de derrubar duas ditaduras fascistas, passando por fantasias intelectuais de matriz burguesa; estas últimas eram sobretudo uma tentativa de opor à hegemonia económica, social e cultural de Madrid, a força das elites lisboetas e barcelonesas. Uma cronologia densa, vinda da Baixa Idade Média, explicava as tentativas de portugueses, castelhanos, aragoneses, catalães se sobreporem uns aos outros, quer usando armas, quer usando intrigas, a política de casamentos entre descendentes das linhas dinásticas…

 Estou a referir posições assumidas por por gente respeitável – Antero de Quental, Ana de Castro Osório, Latino Coelho, Sampaio Bruno, Teófilo Braga, entre os portugueses, defenderam essa união. Do lado castelhano, destaca-se o  Miguel de Unamuno, o humanista, basco, mas um sol da cultura castelhana, reitor da Universidade de Salamanca no conturbado ano de 1936 em que a Espanha iria mergulhar na maior tragédia da sua história. O pioneiro desta onda contemporânea foi um andaluz de Utrera – José Marchena y Ruíz de Cueto (1768-1821) – que no seu Aviso al pueblo español (1792), propôs uma federação ibérica e republicana. Também o general catalão Joan Prim i Prats (1814-1870), militar e político, ideou um modelo federal para Portugal e Espanha. Morto num atentado, foi a sua concepção de organização do Estado adoptada na Primeira República, (1873), sem a componente portuguesa, claro).

 Na Catalunha, a ideia colheu mais adeptos, destacando-se o grande poeta e filósofo Joan Maragall, o lusófilo Ignasi Ribera i Rovira, Francesc Pi i Margall ,presidente da Primeira República Espanhola; portugueses como Miguel Torga, Fernando Lopes-Graça, António Lobo Antunes, Eduardo Lourenço, José Saramago, entre outros, têm manifestado a sua simpatia por essa união que, olhando para o mapa da Europa, faz sentido, mas que levando em conta a soberba castelhana, se revela impraticável.

Teófilo Braga esboçou as bases de uma Federação. Espanha teria de aceitar condições sine qua non: passar a ser uma República, dividir-se em estados autónomos. Lisboa seria a capital dessa Federação Ibérica. Ana de Castro Osório via a união a três – «Catalunha, Castela, Portugal…Quem pudesse dar-lhes a autonomia que ambicionam os catalães e sem a qual hão-de estar sempre vexados e com razão!» A ideia das três entidades – Portugal, Castela e Catalunha, esquecendo a Galiza e o País Basco, enformava as teses iberistas do princípio do século XX, incluindo as de Unamuno, Ribera i Rovira, Maragall, Antero e Teófilo Braga. A ideia prevalecente era a de uma Federação de estados autónomos em quase todos os aspectos, com centros de decisão comuns – a política externa, por exemplo.

Em 1906, Joan Maragall, em artigo publicado no Diario de Barcelona, defendia o federalismo ibérico. Mais perto de nós, em 1963, o escritor catalão Agustì Calvet i Pasqual, que assinava os trabalhos jornalísticos como Gaziel, escrevia no La Vanguardia, também de Barcelona, que «Poucas vezes a insensatez humana terá estabelecido uma divisão mais falsa» (do que a das fronteiras peninsulares) «Nem a geografia, nem a etnografia nem a economia justificam esta brutal mutilação de um território único».

Em Novembro de 2008, Arturo Pérez-Reverte escritor espanhol, defende a Ibéria como país sem fronteiras entre Espanha e Portugal – «é um absurdo» que os dois países vivam «tão desconhecidos um do outro». Há, «uma Ibéria indiscutível que está entre os Pirenéus e o estreito de Gibraltar, com comida, raça, costumes, história em comum e as fronteiras são completamente artificiais”, Considera que o maior erro de Filipe II, foi não ter escolhido Lisboa como capital do império. “Teria sido mais justo haver uma Ibéria, e a história do mundo teria sido diferente”. Qualquer espanhol que venha a Portugal se sente em casa e qualquer português que vá a Espanha sente o mesmo”. (..)”É uma realidade incontestável” que precisa de um empurrão social e não político para ser concretizada”Em 200, entrevistado pelo Diário de Notícias, José Saramago defendera também a integração de Portugal em Espanha: «Não vale a pena armar-me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos» Não seria uma integração cultural,.acrescentou: «A Catalunha tem a sua própria cultura, que é ao mesmo tempo comum ao resto de Espanha, tal como a dos bascos e a galega, nós não nos converteríamos em espanhóis.»Contradiz-se – quando o jornalista pergunta se Portugal seria uma província de Espanha, respondeu: «Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla-La Mancha e tínhamos Portugal. Espanha teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria.» E os portugueses aceitariam a integração? – quis saber o jornalista: «Acho que sim, desde que isso fosse explicado».

Comparar Portugal com a Andaluzia e com Castilla-La Mancha, territórios que têm a sua cultura própria, formas dialectais de se exprimir em castelhano, mas que nunca tiveram autonomia política, é absurdo. Os casos da Galiza, da Catalunha e do País Basco são diferentes, pois são nações submetidas e aculturadas. Coisa que nós, os Portugueses que amam o seu país, não queremos que nos aconteça. E este amor não é flor de retórica, requebro de sentimento fadista ou saudosismo de descobrimentos, de esplendores passados – é o genuíno orgulho de pertencer a um povo que desde há séculos está desfasado das vanguardas culturais da Europa, mas que, com todas as imperfeições que acompanham a sua história de nove séculos, tem logrado manter o seu território, a sua língua, os seus valores culturais e a sua independência. Somos um dos estados mais antigos do mundo – o estatuto autonómico de Castilla-La Mancha?

Nem a brincar.

Quem defende a integração de Portugal num Estado estrangeiro, que desapareça como entidade nacional, não explica como é que essa tal Ibéria, seria governada – por uma monarquia? Por uma República? Sou republicano convicto, como a maioria dos portugueses. Parece-me ridículo, no século XXI, haver quem se considere e seja considerado «ungido por Deus» e com o direito de estar à frente de uma Nação. Que seus filhos e netos, mesmo que sejam atrasados mentais, tenham o mesmo direito. Quando os vejo nas restas «do coração» ao lado de play-boys, de jogadores de futebol e suas namoradas, numa palavra, do chamado jet set, dá-me vontade de rir e espanto-me por Saramago ter podido levar a sério coisa tão risível.

 Numa entrevista de 2012, o líder político catalão Josep – Lluís Carod – Rovira dizia que Espanha lidava mal com a independência de Portugal. O que parece ser verdade. Porém, o estado espanhol cometeria um grave erro se quisesse integrar Portugal. Não lhe bastam já os problemas que tem com a Catalunha, o País Basco e a Galiza? Não somos piores nem melhores do que galegos, bascos ou catalães. Somos talvez mais rústicos e Portugal deixaria de ser um lugar aprazível para os ocupantes. Rústicos, mas engenhosos, depressa descobriríamos formas de debelar a peste bourbónica.

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2 Comments

  1. Saramago não teria tomado essa posição por se sentir quilhado e desiludido com o seu país? Lembro as polémicas por causa de «O Evangelho…» com vários críticos, entre os quais o boçal monárquico D. António Sousa Lara, ex-subsecretário de estado da Cultura (?) do PSD. Também por causa de «Caim»
    Mas não caminhará Portugal para ser um estado federado da UE?

    1. Talvez a questão do «Evangelho» tenha pesado nas suas declarações, tal como o foi o seu «exílio» numa ilha pertencente ao Estado espanhol. A referida entrevista, no entanto, constituiu uma reacção pouco ética (para não dramatizar e chamar às suas palavras um acto de traição, natural num ser abjecto como Ricardo Salgado, mas que não se esperava que viessem de um português de que tanto nos orgulhamos). A União Europeia, cujo desaparecimento desejo e auguro, nunca será um estado federado – é um projecto concebido para enriquecer alguns países – não é m projecto de raiz histórica, é um negócio – Europa, S.A. Em contrapartida a assimilação de Portugal pelo Reyno de España, corresponde à concretização do velho sonho castelhano, de colocar todas as nações peninsulares sob o seu mando. Charles Fourier disse que só se pode amar a Humanidade se amarmos uma pessoa em concreto – só pode ser internacionalista quem amar a sua nação

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