A CRISE AUSTERITÁRIA E A QUADRATURA DO CÍRCULO – REFLEXÕES SOBRE A CRISE DA ECONOMIA, DO PENSAMENTO ECONÓMICO E DA DEMOCRACIA – TEXTOS DE REFERÊNCIA PARA ENTENDER A REALIDADE PRESENTE – B) BILL MITCHELL. 5. CAOS NA EUROPA E O SEU FALHADO SISTEMA MONETÁRIO – III

Obrigado ao blog do tirloni.
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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Bill Mitchell
Bill Mitchell

Caos na Europa e o seu falhado sistema monetário

bottlebrushheader980

Bill Mitchell, Chaos in Europe and the flawed monetary system

Billy Blog, 23 de Março de 2016

(CONTINUAÇÃO)

O novo consenso macroeconómico

Porque é que o BCE  ainda não retirou a liquidez dos bancos alemães (como o fez na Grécia em Junho de 2015), por deliberadamente estarem a infringir as regras da zona euro?

Nenhuma resposta foi pedida

A 14 de Março de 2016, Barry Eichengreen e Charles Wyplosz publicaram o seu trabalho – Minimal conditions for the survival of the euro.

Logo desde o início os autores  rejeitam a narrativa tradicional uma vez que esta última vê a criação de uma União política como o caminho a seguir mas  após a União Económica e  como sendo complementar a esta última,.

Eles acreditam que a integração política, se é que esta é possível, levará muito mais tempo do que o “prazo relevante para a sobrevivência do euro” o poderá permitir.

Os autores citados  consideram que “a crise existencial do euro é susceptível de ser resolvida de uma forma ou de outra tempo, antes que seja alcançado esse destino político”.

Ao longo dos meus trabalhos tenho estado de acordo com esta posição .

No meu recente livro – Eurozone Dystopia: Groupthink and Denial on a Grand Scale (publicado em Maio de 2015) – expressei-me sobre as diversas vias que podem assegurar a sobrevivência da zona Euro.

Uma forma seria a de criar um sistema verdadeiramente federal como temos na Austrália ou como temos nos Estados Unidos.

As principais armas políticas e as capacidades de um governo federal (ou seja, o Tesouro e as funções do Banco central) estão alinhadas a um nível correto, o que significa que o governo nacional eleito tem autoridade legislativa sobre o banco central.

O governo nacional, assim, tem sempre a capacidade financeira para responder aos choques assimétricos da despesa através do espaço regional que ele governa.

As unidades regionais dentro do sistema federal , mais ou menos aceitam que as transferências distributivas entre si , sejam geridas pelo Governo Federal a fim de cumprir os objectivos nacionais.

As pessoas nestas unidades regionais identificam-se com a ‘nação’ como um todo antes de eles próprios se identificarem como pertencentes à unidade regional. Eu pedi a dois amigos europeus,  ainda não há muito tempo, que me dissessem  com que identidade regional é que eles se apresentaram – a resposta era holandês e italiano. Não Europeu. Fizeram-me a mesma pergunta – eu respondi, obviamente, australiano (não o Estado em que eu nasci ou o estado onde moro na maior parte do tempo).

Isto é muito significativo.

Não há realmente nenhuma “Europa”. A primeira década da UEM viu os Estados-Membros crescer de modo separado e diferenciada apesar de toda a análise produzida na década de 1990 assegurar que a união monetária conduziria à convergência económica.

 O gráfico acima mostra-nos quão pouco convergência houve e há.

Essencialmente, neste momento, a ideologia orçamental alemã, que é extrema, é com certeza dominante. Mas como Eichengreen e Wyplosz notam no seu artigo “os membros da União Europeia afirmam ter preferências profundamente diferentes em matéria de política orçamental”.

Os Estados-membros da UE têm atitudes muito diferentes para com a política social, cultural e outras coisas que influenciam as suas atitudes face aos que eles esperam dos  seus governos nacionais.

Sob a moeda única, essas diferenças são suprimidas pelas leis de ferro estabelecidas pela Alemanha. Como consequência, o desemprego de massa e a instabilidade social tem sido um resultado disso mesmo em muitos Estados-Membros.

Enquanto os alemães têm uma forma cultural  bem particular de assimilar os resultados económicos em que toleram a descida dos salários reais, as taxas de aumento da pobreza e tudo o resto que resulta desta política. A capacidade alemã para se acomodar à austeridade é excepcional (e digo isso no sentido atípico, ao invés de lhe conferir uma  grande valorização).

A máquina industrial alemã é também sem igual – novamente, um caso típico.

Nem os valores sociais ou o modelo de exportação que define a Alemanha moderna possivelmente poderiam representar um modelo para as outras nações reproduzirem.

Então sem a máquina industrial, a austeridade torna-se intolerável e gera uma instabilidade social, a depressão e outras doenças psicológicas (como as elevadas taxas de suicídio) – e fazem emergir a probabilidade de comportamento extremistas e de atitudes radicalizadas.

Não haverá nenhuma união política que seja suficiente para corrigir as falhas dramáticas do projeto que o Tratado de Maastricht engendrou.

Como resultado, continuo a ser um acérrimo defensor de um desmantelamento ordenado da União Monetária e da restauração da soberania monetária nacional a nível de cada Estado-membro.

Como descrevi no meu livro sobre a zona euro, se Bruxelas não pode concordar com tal um processo de reforma (eu uso o termo reforma para significar uma melhoria), então, os cidadãos em cada Estado-membro devem exigir que os seus governos saiam unilateralmente deste desastroso sistema. Apresentei no meu livro um modelo para uma tal estratégia.

Embora Eichengreen e Wyplosz concordem (parece) sobre a impossibilidade de uma União política verdadeiramente significativa, ainda assim acham que a zona euro pode ser salva se quatro condições mínimas são salvaguardadas:

1. “um banco central normal capaz prossegue um objectivo de inflação de forma flexível e com mecanismos reguladores sobre os mercados financeiros, protegendo assim a zona euro de crises potencialmente auto-realizáveis”.

Os autores citados concluem que o BCE não dispôs “dessas funções” e enumeram várias falhas, incluindo o aumento nas taxas de juro em 2008 e 2011, as ameaças “para finalizar a assistência de liquidez de emergência para a Irlanda, em 2010, a não ser que o seu governo aplicasse um resgate e concordasse com um programa de austeridade e a recapitalização da banca ” assim como a falha desastrosa para fornecer “assistência de liquidez para a Grécia em 2015”.

Em última instância, o BCE agiu sobretudo como um banco  chantagista e não como um banco central responsável.

Os alemães, no entanto, nunca concordariam com o BCE a atuar como um verdadeiro banco central e apoiar as posições orçamentais necessárias dos Estados-Membros.

2. “uma segunda condição mínima para a sobrevivência do euro seria a União bancária da Europa”. Sublinhei anteriormente que a recente política bancária é um verdadeiro desastre.

A Alemanha forçou os outros Estados-Membros para evitar a criação de um sistema de garantias bancárias global. Ao mesmo tempo, os Estados-Membros, dado que têm não têm nenhuma capacidade de emissão de moeda, não  são capazes de resgatar os seus próprios bancos se necessário.

Por outras palavras, não há verdadeiras garantias em prática para evitar um colapso dos grandes bancos. Um simples esquema de garantia ‘federal’ teria sido suficiente para apoiar a capacidade de emissão de moeda do BCE.

Ou seja, é uma ponte muito longínqua para  zona euro (intimidada pela Alemanha) de tal forma que a situação permanece de alto risco e de forma crónica. Muito pouco progresso tem sido feito nestes 8 anos da crise.

Eichengreen e Wyplosz dizem-nos que:

“Alguns países, nomeadamente a Alemanha, preocupam-se que outros membros sejam mais propensos a afundarem-se (os comentadores alemães regularmente citam a Grécia como um exemplo). Eles rejeitam a mutualização dos seguros de depósitos como sendo uma transferência orçamental de fato. A resposta vem em três partes. Em primeiro lugar, a estabilidade bancária é um valioso bem público sujeito a rendimentos suficientemente crescentes tais que  justificam esta mesma  centralização da função de seguro de depósitos. Segundo, todos os Estados-Membros, com a Grécia incluída, devem implementar novas regras de resolução da união bancária para limitar a responsabilidade dos contribuintes. Em terceiro lugar, esta é uma mutualização limitada e específica dos poderes orçamentais considerada como um problema financeiro específico intimamente associado a União Monetária, não com a centralização global do controlo orçamental a nível da UE ou da zona euro.”

A única maneira de restaurar a segurança bancária é a de os Estados-Membros recuperarem a capacidade orçamental necessária para salvaguardar os depósitos. Isto não vai acontecer e como tal, os bancos permanecem como centros de risco e de instabilidade.

3. Para “renacionalizar a política orçamental … A ficção de que a política orçamental pode ser centralizada deve ser definitivamente abandonada, e a zona euro deve reconhecer que, tendo abandonado a política monetária em cada um dos seus países membros nacionais, o controlo da política orçamental é mesmo o mais importante para a estabilização.

Segundo estes autores  “a União Monetária sem união orçamental não vai funcionar”. Falharam todos as chamadas ‘reformas’ aplicadas desde a crise (alterações ao PEC, o Six Pack, o Pack dois, etc).

Eichengreen e Wyplosz dizem-nos que:

A única coisa que estas medidas têm em comum é que elas não funcionaram.

Os autores referidos  reconhecem que “os Estados têm preferências profundamente diferentes  em matéria de política orçamental. Eles são relutantes em mutualizarem os recursos orçamentais ou em delegarem as decisões sobre as políticas orçamentais nacionais à Comissão e ao Parlamento Europeu”.

No entanto, eles não nos dizem realmente como é que isso funcionaria, dado que os Estados-Membros não têm capacidade de emissão de moeda para apoiar grandes défices, se tal for necessário.

Na verdade, eles sugerem que os governos dos Estados membros devem ser restringidos nas suas decisões de despesas públicas pela “disciplina de mercado”, o que realmente não resolve nada. Eu digo que os mercados são suficientemente inteligentes para perceberem que cada Estado-membro carrega com o risco de crédito de toda a dívida pública que emitem e isto limita a escala em que se pode operar.

Já vimos como é que os mercados obrigacionistas avaliaram este risco de crédito em 2010 – Grécia, Portugal e Itália – todos sofreram claros aumentos nos rendimentos que eles tinham a oferecer na emissão da sua dívida, o que, sem a intervenção do BCE, teria enviado cada um dos países à bancarrota.

É altamente provável que os limites de paciência dos investidores privados em obrigações se esgotem quando os níveis de défice sejam atingidos, o que seria insuficiente para estabilizar eficazmente o crescimento económico e os níveis de emprego no caso de um grave colapso de despesa não governamental (semelhante à Grande Crise Financeira GFC).

(continua)

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Ver o original em:

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Para ler a Parte II deste trabalho de Bill Mitchell, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, clique em:

A CRISE AUSTERITÁRIA E A QUADRATURA DO CÍRCULO – REFLEXÕES SOBRE A CRISE DA ECONOMIA, DO PENSAMENTO ECONÓMICO E DA DEMOCRACIA – TEXTOS DE REFERÊNCIA PARA ENTENDER A REALIDADE PRESENTE – B) BILL MITCHELL. 5. CAOS NA EUROPA E O SEU FALHADO SISTEMA MONETÁRIO – II

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