CONTOS & CRÓNICAS – CARLOS REIS – OS ARTIGOS IMPUBLICÁVEIS – O DISCURSO MARCELINO PÃO E VINHO

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5-a

 

É um vozear. É um excitação. O discurso do Marcelo, do presidente, do nosso presidente, ao início do ano, as televisões pendentes, as televisões aguadas, as televisões suspensas.

Claro que se ouviram logo a seguir as reacções, as importantes, inteligentes e políticas reacções: a Esquerda Socialista oficial e governamental, concórdia e prudente – pois com certeza. A Direita disfuncional, incrédula, distanciada e a disfarçar (de farsa, embora com “c” cedilhado) – pois sim senhor. As Esquerdas freelancers, a falar de tudo e das brasas à sua sardinha, de tudo menos do que o Marcelo disse – pois está bem, mas temos que ver.

Nada de novo na frente ocidental. Apenas o costume.

E o que é que o Marcelo disse, afinal?

O mesmo que o Cavaco diria e no infeliz passado próximo e nestas alturas dizia, coitado – convicto, austero, tenso, hirto e a ressumar uma infinita falta de imaginação, uma infinita estupidez e fixação em horríveis lugares mais que comuns, algo em que o povo português que nele votara em força e por duas vezes, não tinha outro remédio senão aceitar.

Ou rever-se.

O povo português é também um irremediável lugar comum, como se provou naquela repetitiva e hiper bronca votação presidencial, não sei se sabem, não sei se se recordam. Se calhar, não. E não, não era como na Monarquia, foi mesmo uma escolha lúcida, democrática, republicana e inteligente, há que o reconhecer.

Tantum (óptimo para as afecções de garganta) como o outro discursam uma enfiada de boas intenções, desejos de prosperidade, crescimento, emprego, produto bruto, exportações, os portugueses no mundo, essas coisas do costume.

A diferença (enorme, há que reconhecê-lo) é que este presidente (o senhor presidente, como dizem sempre os jornalistas e os políticos, sejam lá de que partido forem, naquela eterna portuguesa, abjecta e manifesta subserviência de antanho e de sempre – e única, em termos europeus) este presidente é um homem inteligente. E culto. E esperto. E atento.

Todo ele é o contrário do anterior – que era uma espécie de américo tomás (thomaz) retardado, um zombie metido num cabide, um anacoreta disfuncional, a definição motora de uma alarvidade e imbecilidade conjuntas e concretas  – o que faz com que consiga atrair partidos, pessoas, entidades e povo em geral, agora já esquecido da alma penada que o governou durante dez anos.

(O povo é assim, indeciso, pusilânime, o povo é sereno, tem fraca memória e pouco ou nenhum conhecimento histórico, o povo tem mais coisas em que pensar).

O Marcelo não explica nada afinal, tal como o outro. O Marcelo não fala da inconcebível dívida que ninguém entende, o Marcelo não fala dos juros incomensuráveis e dessa dívida jamais futuramente paga, de uma sua necessária renegociação, etc. e as pessoas, que nada percebem (nem querem perceber, note-se) do assunto, ouvem-lhe os desejos, a declaração de intenções, um bom ano pra vocês todos, fé em Deus e todos ao molho.

O Marcelo não é um gajo de Esquerda, evidentemente. Nunca o foi. A Esquerda, pior ou melhor (mais pior do que melhor) bem se esforça por tentar explicar estas realidades ao zé povinho – a Europa, os novos fascistas que nos regem, Berlim o FMI, o BCE, etc. – mas o zé povinho, que votou (ou se absteve) para o Parlamento Europeu nas direitas todas que o aliciaram, irá votar de novo nos mesmos, ou de novo abster-se.

Ou não. Ou talvez vote nas extremas direitas, tão na moda que estão – locais ou europeias – e assim tudo será mais rápido. Mais eficaz e despachado.

carlos

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