CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 8. O IMPACTO NA CHINA E NO ESTRANGEIRO DO ABRANDAMENTO DO CRESCIMENTO – 2ª PARTE, por MICHAEL PETTIS

Selecção e revisão de Júlio Marques Mota. Tradução de Francisco Tavares.

O impacto na China e no estrangeiro do abrandamento do crescimento-2ª Parte

Michael Pettis, The Impact in China and Abroad of Slowing Growth

Carnegie Endowment for International Peace, 2 de Outubro de 2016 

(conclusão)

5. Efeito na indústria transformadora de capital-intensivo no estrangeiro

 A mesma lógica aplica-se à fabricação capital-intensiva no estrangeiro, mas com consequências diferentes. O crescimento nominal do PIB na China, juntamente com o deflator do PIB, começou a cair muito rapidamente em 2012; uma das mais importantes e benéficas consequências disso foi o efetivo colapso do imposto de repressão financeira [nt, remuneração das poupanças abaixo da taxa de inflação]. Este imposto penalizou fortemente as famílias para as quais as poupanças na forma de depósitos bancários e, em menor extensão, a remuneração de produtos de gestão patrimonial, são uma importante fonte de rendimentos, e é provavelmente a causa mais importante da deterioração dos desequilíbrios na China antes de 2011-12.

Houve uma segunda importante e benéfica consequência, que foi, evidentemente, a eliminação da massiva subvenção aos empréstimos disponibilizados aos devedores com acesso preferencial aos empréstimos bancários. Foi esta taxa de empréstimo subvencionada, negativa em termos reais na maior parte deste século, que mais que qualquer outra coisa explica a irresponsável má alocação de capital durante a última década.

Contudo, não surpreende que, à medida que as taxas de juro aumentaram acentuadamente em termos relativos desde 2011-12, os devedores, que tinham ficado com a maior parte da dívida e tinham investido nos projetos de mais baixo rendimento, incluindo a maior parte das províncias e municípios, estejam a sofrer com dolorosos custos do serviço da dívida, havendo uma enorme pressão sobre as autoridades para que reduza os custos dos empréstimos. As empresas detidas pelo Estado que pareciam máquinas de fazer dinheiro bem geridas estão entre os mais atingidos à medida que vemos que, o que parece suceder sempre quando a economia muda para a fase de contração de liquidez (o caso da Enron, por exemplo), inesperadamente a rentabilidade elevada foi conduzida não tanto por uma brilhante gestão quanto por contas financeiras altamente especulativas.

Para todos os desesperados devedores aos berros, a China conseguiu refrear até agora o fácil expediente de reduzir as taxas de juro, e existem rumores de que o Banco Popular da China [banco central do país] tem-se oposto especialmente a fazê-lo. Ao evitar fazê-lo Pequim reduz o custo geral do ajustamento chinês e melhora o panorama económico do país no longo prazo mas, claro, isto implica absorver a dor hoje.

Prevejo que Pequim continuará a utilizar as taxas de juro para forçar os devedores a melhores decisões de investimento e quando, salvo se houver um salto na inflação o que não é provável, começamos a ver as taxas de juro recuarem não penso que se reduzam acentuadamente em termos reais.

Se estiver certo, as implicações são claras. Uma das vantagens competitivas da China na maior parte deste século tem sido o custo do capital extraordinariamente barato, e enquanto os gestores das empresas públicas em indústrias capital-intensivas gostavam de afirmar que o seu sucesso no comércio internacional era explicado pelas suas superiores técnicas de gestão, como os seus homólogos japoneses nos anos de 1980, na realidade, em ambos os casos, foi de longe mais relevante provavelmente o acesso a capital artificialmente barato.

Por outras palavras, se a China continuar a reequilibrar-se nos termos acima expostos, as manufacturas capital-intensivas no estrangeiro continuarão a beneficiar de forma desproporcionada à medida que os exportadores chineses deixem de beneficiar de capital altamente subvencionado. Mas tal como no caso das manufacturas trabalho-intensivas no estrangeiro, quer seja ou não assim, o caso em última instância está sujeito a decisões políticas sobre como o rendimento será transferido, e por isso é importante assinalar de novo que se deve prestar atenção aos sinais políticos vindos de Pequim.

6. Efeito no consumo de bens de luxo e super-luxo na China

Quase faz parte da definição de reequilíbrio que após 3 décadas em que receberam uma quota-parte desproporcionada do crescimento, a elite e os ricos devem pagar uma parte desproporcionada dos custos de ajustamento, a favor das classes médias e trabalhadoras. No caso de um reequilíbrio não-disruptivo a desigualdade de rendimentos na China deve declinar. Isto significa que a época de ouro do consumo de luxo na China acabou e não voltará por muitos anos sob quase todos os cenários plausíveis. Aqueles que pensam que o consumo de bens de luxo está em baixo apenas devido à campanha anti-corrupção do Presidente Xi, e que quando esta acabe se regressará aos dias de crescimento espetacular, ficarão muito desapontados.

A excepção poderá estar no mercado de bens de super-luxo – de modo que aqueles que vendem iates de 50 milhões de dólares, arte super famosa, equipas europeias de futebol, etc. poderão sair-se bem. Isto porque, em última instância, se a China reequilibrar de forma não-disruptiva, é-me difícil imaginar qualquer cenário que não envolva pelo menos a privatização parcial de empresas públicas, muito provavelmente as que são detidas e geridas pelos governos locais. Estas privatizações podem ocorrer de muitas maneiras, incluindo maneiras desenhadas para superar a oposição de interesses estabelecidos. De qualquer modo algumas destas poderão ser especialmente benéficas para os de mais alto nível dentro da elite, cuja oposição tenha de ser comprada de um modo ou outro.

7. Efeito no consumo da classe média na China

De novo porque é quase parte da definição de reequilíbrio que após 3 décadas durante as quais receberam uma quota-parte desproporcionada do crescimento, a elite e os ricos devem pagar uma quota desproporcionada dos custos de ajustamento, a favor das classes médias e trabalhadoras, no cenário de um reequilíbrio não-disruptivo, não é provável que a taxa de crescimento dos agregados familiares de rendimento médio abrande muito acentuadamente. Por outras palavras, isto significa que o crescimento do consumo da classe média na China provavelmente não abrandará muito salvo se o reequilíbrio for adiado o tempo suficiente que leve à quebra da economia.

8. Efeito nos preços do imobiliário no estrangeiro

Excepto se o Banco Popular da China impusesse restrições muito mais fortes às saídas de capital, e isto poderá não ser facilmente realizável política ou tecnicamente, é difícil imaginar muitos cenários nos quais as saídas de capital não permaneçam elevadas durante vários anos mais. Porque isto será conduzido por chineses ricos à procura de ativos seguros no estrangeiro, a procura de imobiliário de luxo em locais populares para os chineses ricos manter-se-á provavelmente forte.

9. Efeito no investimento no estrangeiro

No texto anterior a esta newsletter expliquei porque motivo a diminuição de reservas e de aquisições de títulos dos EUA por parte do Banco Popular da China provavelmente não forçaria a subida das taxas de juro nos EUA.

10. Efeito nos Mercados Emergentes

Defendi longamente que a emergente tese da divergência  dos mercados era evidentemente absurda. O crescimento dos mercados emergentes manteve-se após as crises de 2008-09 terem minado a procura nos EUA e na Europa, não porque a procura se tenha tornado auto-sustentável nos países em desenvolvimento mas sim porque a China respondeu à crise com um massivo aumento nos seus já excessivos níveis de investimento e muita da procura daí resultante, principalmente de minerais (hard commodities), beneficiou os mercados emergentes.

Mas em virtude de a crise mundial ter exacerbado o já elevado excesso de capacidade, o estímulo chinês, que aumentou a capacidade ainda mais, seria sempre insustentável e conduziria inevitavelmente a uma maior dificuldade, afinal, de ajustamento para os mercados emergentes. Na minha opinião, estamos claramente no fim de outro período de convergência para os países em desenvolvimento, e os precedentes históricos sugerem que devíamos estar preparados para uma década ou mais de incumprimentos de dívida soberana e de divergência económica. Os países em desenvolvimento, que devem reconhecer urgentemente a alteração das circunstâncias existentes e focarem-se mais fortemente em reformas institucionais que desbloqueiem o crescimento da produtividade e prestem especial atenção a uma eficiente alocação do capital, são os que têm menor probabilidade de ficarem para trás em termos relativos e os que mais probabilidades terão de estar em posição de beneficiarem quando a procura mundial finalmente recupere.

Em toda esta aparente antecipação incorporada no tema deste texto, o ponto-chave que gostaria de realçar é que o reequilíbrio pode ocorrer somente através de um número limitado de maneiras, cada uma das quais tem um bastante previsível impacto nos diversos setores económicos acima descritos. Além do mais, muitas das vias alternativas que Pequim pode escolher seguir, principalmente nas que implementem transferências de rendimento para os agregados familiares, serão provavelmente determinadas em resultado de decisões políticas.

É por este motivo que em vez de prestar atenção às previsões padrão que os economistas fazem frequentemente, será muito mais útil tentar resolver as várias vias de reequilíbrio e tentar compreender a plausibilidade de alteração de cada uma dessas vias. Acima de tudo, deve-se reconhecer o modo como os desequilíbrios podem aprofundar-se ou retroceder conforme os constrangimentos institucionais que existam, e isto quer dizer, no mínimo, rejeitar as falsas dicotomias segundo as quais os desequilíbrios forçosamente se ajustam rapidamente e disruptivamente sob a forma de crises financeiras. Uma crise financeira, ainda que seja sempre uma possibilidade real numa economia que esteja profundamente desequilibrada com níveis de dívida suficientemente elevados para criarem incerteza quanto à alocação dos custos do serviço da dívida, é simplesmente uma das muitas maneiras pelas quais a dívida e os desequilíbrios podem ser resolvidos.

Além deste blog, mensalmente, às vezes com maior frequência, publico um boletim informativo que abrange alguns dos mesmos tópicos cobertos neste blog, embora exista uma muito pequena sobreposição entre os dois e o boletim tenda a ser muito mais extenso e técnico. Académicos, jornalistas e responsáveis do governo que queiram subscrever o boletim deverão escrever-me para chinfinpettis@yahoo.com , fazendo a sua inscrição. Investidores que queiram pagar a inscrição deverão escrever-me para o endereço eletrónico indicado.

Michael Pettis | September 30, 2016 at 12:00 pm | Categories: Rebalancing | URL: http://wp.me/p3SdNb-76

________

Leia o original clicando em:

http://carnegieendowment.org/chinafinancialmarkets/64825

________

Para ler a Parte I deste trabalho de Michael Pettis, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, clique em:

CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 8. O IMPACTO NA CHINA E NO ESTRANGEIRO DO ABRANDAMENTO DO CRESCIMENTO -1ª PARTE, por MICHAEL PETTIS

Leave a Reply