De uma crise a outra, dos anos de Mitterrand aos anos de Hollande, da tragédia de outrora à farsa de agora. Em jeito de conclusão: Considerações à volta de algumas razões que levaram ao desastre e à farsa das eleições presidenciais em França, por Júlio Marques Mota (última parte)

Em jeito de conclusão: Considerações à volta de algumas razões que levaram ao desastre e à farsa das eleições presidenciais em França

júlio marques mota

 

 

 

Por Júlio Marques Mota, 30 de maio de 2017

(última parte) 

Mas se a explicitação de Terra Nova é bem esclarecedora, e de muita coisa diga-se de passagem, um outro texto de Rémi Lefebvre, publicado pela Découverte, intitulado “Superação» ou desaparecimento do partido socialista (2012-2017)?”e em que o autor nos fala da trajetória do PS em França nestes últimos anos é igualmente esclarecedor do sentido de Democracia que estes homens da França dos valores, da França de amanhã nos querem impor, homens em quem, segundo os meus amigos, se deveria colocar o nosso voto. Mas aqui deve-se utilizar o termo Democracia ou Plutocracia? Vejamos quatro pequenos excertos:

  • A direção do PS desistiu mesmo de produzir um programa para a eleição presidencial em 2017. No Conselho Nacional de Fevereiro de 2016, Jean-Christophe Cambadélis disse na tribuna: «o nosso partido não tem interesse em repetir o falhanço das eleições anteriores, em que o tempo gasto a discutir e a brigar por um plano é inversamente proporcional ao tempo que o candidato gasta a lê-lo e a reproduzi-lo». Em vez de um programa e para não dar a impressão que está a desaparecer completamente, o PS então planeia produzir “um campo de ideias e de debates” para enfrentar “os desafios para uma ação futura” (através de “Cadernos da eleição Presidencial”).
  • A destruição do PS aparece como uma estratégia deliberada de Manuel Valls que se projeta com um cinismo dificilmente contido para além da próxima derrota. Muito minoritário aquando das primárias de 2011, ele procura liquidar “o velho partido”, como o fez Tony Blair (um dos seus modelos) antes dele próprio, para reinicializar o jogo político ao centro. Esta estratégia parece ter sido também a de François Hollande, mas na perspetiva da eleição de 2017, a acreditar-se nas suas declarações aos jornalistas Gérard Davet e Fabrice Lhomme. “É necessário um ato de liquidação. É necessário um hara-kiri”, confia-lhes o presidente no dia 11 de dezembro de 2015, quando estava à procura de uma estratégia para assegurar a sua reeleição [18] Propõe então rebatizar o PS de “O partido do progresso”. O partido socialista, na sua opinião, já não estaria adaptado à nova configuração da esquerda.
  • No congresso de Poitiers (5 e 7 de junho de 2015), durante muito tempo diferido, o primeiro-secretário chega a reunir numa grande moção, onde cabia tudo, todos os que estavam próximos de François Hollande, de Manuel Valls, “os reformadores” da ala direita (Gérard Collomb, Jean-Marie Le Guen) e Martine Aubry. O texto, votado por 60 % dos militantes, se comporta numerosas ambiguidades, não deixa contudo de afirmar uma reorientação da política governamental. Uma posição por antecipação sobre a lei EL Khomri é tomada. Lê-se na moção: “É necessário restabelecer a hierarquia das normas: a lei é mais forte que o acordo coletivo e este mesmo impõe-se ao contrato de trabalho[3]”. Os resultados do congresso de Poitiers de junho de 2015 no entanto foram completamente ignorados pelo governo e a soberania militante é assim ridicularizada. Apoiando-se sobre a base da legitimidade do congresso, um relatório pedindo uma reorientação da política orçamental governamental, redigido por um próximo de Martine Aubry (Jean-Marc Germain), é adotado pelo Comissão Nacional e por uma larga maioria em julho de 2015 (29 votos a favor, 1 voto  contra, 3  abstenções). Este relatório é pura e simplesmente ignorado pelo primeiro-ministro. A lei do Trabalho, que não fazia parte dos compromissos de 2012, nunca foi discutida no PS (não foi objeto de nenhuma votação na Comissão Nacional). De facto, não houve mais nenhuma votação depois do relatório Germain na Comissão Nacional no que se refere a orientações políticas.
  • No decorrer dos meses, as instâncias são assim e cada vez mais abandonadas e marginalizadas. A Comissão Nacional de 18 de janeiro de 2016 põe em debate o projeto de perda de nacionalidade. A oposição ao anúncio do Presidente da República é quase unânime mas o primeiro-secretário recusa um voto que marca oficialmente esta escolha para não o enfraquecer. A universidade de Verão que devia ter lugar em Nantes em agosto de 2016 é anulada oficialmente para evitar as violências ligadas à contestação do aeroporto Nord-Dame-des-Landes, oficiosamente para não dar uma tribuna aos militantes contestatários. O partido tende a fechar-se sobre si-mesmo e a dar a menor publicidade possível aos seus debates. Desde a eleição de Jean-Christophe Cambadélis à cabeça do PS, os conselhos nacionais desenrolam-se à porta fechada. A imprensa deixa de ter acesso da mesma maneira que “às universidades do empenhamento” de região que se substituíram à universidade de verão na reentrada de 2016. Os conselhos nacionais rarefazem-se. Não houve nenhuma reunião do Conselho Nacional entre o dia 19 de setembro de 2015 e o dia 6 de fevereiro de 2016 enquanto uma lei de finanças que não respeitou o texto de julho de 2015 foi votada neste intervalo. Os membros permanentes da Rue Solferino estão largamente desmobilizados. O primeiro-secretário reconhece ele mesmo que “nem todos os membros permanentes estão no máximo da sua capacidade de trabalho” e que “a produção dos secretários nacionais reduz-se frequentemente aos comunicados”.

Para já respondo eu. Para seguir até ao limite do possível uma política neoliberal pura e dura que se inscreve, por seu lado, na agenda europeia, na agenda de Bruxelas. Disso nos dá conta Dominique Meda num seu trabalho intitulado Porque é que a esquerda governamental esqueceu o trabalho?

“No capítulo 5, “Le Masque [4] ”, os jornalistas voltam à discussão sobre a lei do Trabalho e a posição de François Hollande: o Presidente explica aos jornalistas que escreveu em 2011 um texto sobre a inversão da hierarquia das normas, texto que continua ainda a defender. O texto “a inversão da hierarquia das normas? Tenho-o na cabeça desde 2011. Mas não sou mais preciso para não chocar. Implicitamente, os acordos de empresa, também lá estão”. A lei do Trabalho é apresentada como o prolongamento normal do acordo sobre a segurança do emprego; confirma o seu apoio sobre Laurent Berger (mas também sobre Pierre Gattaz): “Laurent Berger diz que se fizermos esta reforma da negociação coletiva, se pusermos muito mais responsabilidade sobre os parceiros sociais nas empresas, iremos necessariamente para uma reestruturação da paisagem sindical. Teremos, assim, um patronato que será obrigado a empenhar-se, o que não faz hoje, e sindicatos que podem continuar a ser o que são, numerosos, mas que serão levados a assinar acordos”, defende Hollande. Confirma igualmente que os seus dois principais lugares tenentes, fizeram verdadeiros saltos de corça em inventividade, para acrescentarem disposições que mostram bem o seu reformismo: “É verdade que isso foi introduzido porque Emmanuel Macron e Manuel Valls pensavam que se podia aproveitar a ocasião desta lei para ir nesta direção. Os dois queriam ir o mais longe possível, dizendo-se: “É o último texto importante sobre o trabalho neste mandato presidencial”, os dois querendo mostrar que eram reformistas intrépidos (…) Mas a ideia, que partilho de resto, é a seguinte: “é a última vez que iremos ao Parlamento, coloquemos pois no texto tantas disposições quantas as que do nosso ponto de vista sejam necessárias”.

No dia 8 de maio de 2016, dois dias antes de pedir a Manuel Valls que assuma a responsabilidade do seu governo, o Presidente da República faz tudo para manter o artigo 2 na sua lei. Para o efeito, tem, na presença dos dois jornalistas, uma longa conversa técnica com Gattaz, presidente do Patronato francês, no decorrer da qual diz o seguinte: “O ponto mais difícil, compreendemo-lo bem, tem a ver com o acordo de empresa, é aqui que se deve discutir, para vocês isto talvez não seja tão, tão essencial quanto o é para nós, mas para nós é muito importante, não somente porque os sindicatos reformistas o desejam, mas porque penso que é uma verdadeira evolução do diálogo social, daí que, se há uma rutura, esta terá a ver com este texto, enfim, sobre esta parte do texto. Para nós, esta é uma questão forte, é tudo. É FO, hein, que nos faz a batalha. É contra isso que FO mobiliza os contestatários (frondeurs), e outros deputados, sobre o facto de que se está a inverter a hierarquia das normas, etc. por conseguinte é realmente contra isso que se tem mais, dificuldade, hein. É pois por causa disso que nós nos arriscamos a cortar com os contestatários – por último, com os deputados mais hostis. Se tem alguma influência sobre a direita  –  pode talvez ter alguma – não seria necessário que se esteja a bloquear o artigo 2. Porque é o artigo 2 que é o mais importante, o artigo 2 sobre o acordo de empresa. Se se abstiverem, deixam passar o texto, não?”.

“Um presidente da República de esquerda que suplica ao Presidente do Patronato francês que os deputados de direita votem uma lei vergonhosa detestada por uma grande parte dos sindicatos, e agravando consideravelmente a divisão sindical… a missa está dita. Não é somente um Presidente empurrado pelo seu Primeiro-ministro e por um ministro Macron, que vai muito rapidamente traí-lo; não é somente um Presidente cercado por economistas de que uma grande parte trabalha agora para Emmanuel Macron; não é somente um Presidente forçado pelos acontecimentos. É tudo isto ao mesmo tempo, sobre um pano de fundo de convicções antigas e bem fixas, como testemunha Bruno Théret que nos lembra que em 1983-84, sem que esteja posto na ordem do dia a reconstrução de um referencial global, se passou à consolidação a todo o custo, através de uma estratégia económica de desinflação competitiva, em todos os pontos oposta à que, inicialmente, tinha sido exposta e defendida e experimentada. O keynesianismo, ele mesmo, parece agora uma velha ideia, uma ilusão que nos volta sempre à cabeça. Tudo isto é arrumado na prateleira, em nome de três tabus que se ajustam uns aos outros: a moeda, o rigor, a Europa. Théret cita a obra de Moscovici e de Hollande publicada em 1991, L’heure des choix. Para uma economia política: “Esta conversão não era, nem vergonhosa, nem injustificada. Estava, inscrita como uma etapa necessária no processo europeu”. Eis, por conseguinte, estes cinco anos explicados. Serão eles, todavia, perdoados?”

E mesmo quanto à Europa, o gráfico abaixo mostra-nos bem que a linha Hollande‑Valls‑Macron quer ir ainda mais longe na precariedade que a própria União Europeia:

De uma crise a outra conclusão imagem 1

Pessoalmente custou-me a perceber o texto acima. Pensei primeiro que Hollande defendia a hierarquia das normas e que o patronato não. Pensei que Hollande suplicava ao patrão do patronato que deixasse passar assim a lei, com o respeito da referida hierarquia, pensei que o Presidente da República lhe pedia que este conseguisse que fosse feita uma concessão à esquerda socialista e aos sindicatos moderados. Ilusão minha. Afinal não era nada disto. Hollande pede ao patrão dos patrões que pressione os recalcitrantes da direita a deixarem passar a sua lei em que nesta se propõe a inversão da hierarquia das normas [5], pede-lhe que abafe os recalcitrantes de direita para que a mais reacionária lei sobre o trabalho feita na Vª República passe na Assembleia com o mínimo barulho possível. Pessoalmente, nem queria acreditar. Em suma, desmente-se aqui uma curiosa posição de Rancière quando este afirma:

“A esquerda, ou o que é chamado à esquerda, é apenas um corpo projetado para tomar o poder e lidar com as coisas tal como estão atualmente. A esquerda pressupõe que determinados equilíbrios são necessários ou ainda que a população tem tal ou tal estado de espírito. Como a esquerda e a direita têm a mesma descrição do mundo, os seus líderes fazem as mesmas escolhas, praticam as mesmas políticas.”

Ora, no texto acima Hollande ultrapassa a extrema-direita empresarial pela sua própria direita, como se para aplicar a dura política da direita não haja mais ninguém melhor para o fazer que a própria esquerda. Retomando a conversa telefónica acima e para tornar mais claro o que pretendia, afinal, Hollande com o pedido feito a Gattaz, vale a pena gastar uns minutos e ler o que escrevia o jornal financeiro francês Les Echos em março de 2016 a propósito desta lei e das práticas do MEDEF:

“Exclusivo – o Presidente do Medef, ameaçou a Presidente da Confédération française de l’encadrement – Confédération générale des cadres (CFE-CGC) de deixar de a apoiar “na sua luta pelos executivos” se esta sabotar a lei Macron- El Khomrī.

As palavras leva-os o vento, o que está escrito permanece, diz o ditado. O Presidente do Medef teve hoje a experiência do saber popular ao serem divulgadas duas mensagens de texto suas dirigidas à Presidente da CGC, Carole Couvert, na quarta-feira, 9 de março, na sequência da nomeação desta última em Matignon.

“A atitude da CGC é incompreensível e prejudicial. Já sabotaram a lei da modernização do diálogo social (lei MDS).  Não vão agora sabotar a lei MEK [Myriam El Khomri]”, escreveu o dirigente do patronato na primeira das duas mensagens que foram encaminhados para o jornal Les Echos. E acrescenta “se continuar nessa atitude cgtpista sobre esta lei, o Medef tirará todas as consequências nas nossas discussões em curso”. O segundo SMS precisa: «o que quero dizer é que [não] a apoiaremos mais na sua luta pelos executivos se se continua a opor à lei MEK.» Nos termos do acordo em matéria de pensões, as discussões sobre a evolução do estatuto dos quadros devem ser agora iniciadas, mas ainda não começaram. Todavia, não é certo que a mensagem do Medef tenha o efeito desejado: “Eu não funciono sob ameaças, eu sou a porta-voz de 160.000 membros e o meu mandato sobre o projeto de lei foi votado por unanimidade, diz Carole Couvert”.

Elucidativo como se funciona no reino de François Hollande e de Macron e, quanto a este último, muitos dos meus amigos consideram ser um mal menor votar nele para Presidente da França. Será mesmo um mal menor?

Tudo o que acima se descreve mostra como e porque é que os altos dirigentes do PSF viraram as costas aos trabalhadores franceses. Relembremos ainda a posição de François Hollande sobre a morte do PS, sobre a criação de um outro partido. O hara‑kiri está feito e o novo partido ei-lo criado sob a batuta de Macron.

Sabemos que toda esta estratégia se inscreve na lógica do processo europeu. Sabemos agora, com a lei MEK, que para estes senhores o céu da desregulação não tem limites. Toda esta destruição faz-nos lembrar um poster das eleições de 2002 em que na segunda volta se tinha como candidatos Le Pen (pai) e Jacques Chirac. O slogan dizia

“escroque, vote, mas não vote facho “.

Alguém disse, “Escolher o escroque para evitar o facho é merecer um e outro e preparamo-nos para ficar com os dois.”

 

Na linha da análise acima desenvolvida tudo aponta para ficarmos com os dois, com o escroque e com o facho, na figura de Macron. E a ser assim parece-me apropriado relembrar aqui Paul Eluard e o seu poema “La Victoire de Guernica” onde este nos diz que “eles perseveram, eles exageram, eles não são do nosso mundo”.

E porque “eles perseveram, eles exageram, eles não são do nosso mundo” , deixem-me ceder um pouco ao sentimento e à vergonha que sinto, como socialista, por tudo o que acima está escrito, e por isso aqui vos deixo o poema de Paul Eluard e o quadro que lhe está associado.

La victoire de Guernica

I
Beau monde des masures
De la nuit et des champs

II
Visages bons au feu visages bons au fond
Aux refus à la nuit aux injures aux coups

III
Visages bons à tout
Voici le vide qui vous fixe
Votre mort va servir d'exemple

IV
La mort cœur renversé

V
Ils vous ont fait payer le pain
Le ciel la terre l'eau le sommeil
Et la misère
De votre vie

VI
Ils disaient désirer la bonne intelligence
Ils rationnaient les forts jugeaient les fous
Faisaient l'aumône partageaient un sou en deux
Ils saluaient les cadavres
Ils s'accablaient de politesses

VII
Ils persévèrent ils exagèrent ils ne sont pas de notre monde

VIII
Les femmes les enfants ont le même trésor
De feuilles vertes de printemps et de lait pur
Et de durée
Dans leurs yeux purs

IX
Les femmes les enfants ont le même trésor
Dans les yeux
Les hommes le défendent comme ils peuvent

X
Les femmes les enfants ont les mêmes roses rouges
Dans les yeux
Chacun montre son sang

XI
La peur et le courage de vivre et de mourir
La mort si difficile et si facile

XII
Hommes pour qui ce trésor fut chanté
Hommes pour qui ce trésor fut gâché

XIII
Hommes réels pour qui le désespoir
Alimente le feu dévorant de l'espoir
Ouvrons ensemble le dernier bourgeon de l'avenir

XIV
Parias la mort la terre et la hideur
De nos ennemis ont la couleur
Monotone de notre nuit
Nous en aurons raison.

Paul Eluard, Cours naturel, 1938

De uma crise a outra conclusão imagem 2
PICASSO, Guernica, Paris 1937

 E a terminar este longo e doloroso texto e esta longa e não menos dolorosa série, espero que chegados ao fim estejamos um pouco mais esclarecidos quanto às razões que levaram a França a esta eleição trágica e quais os seus principais atores.

Os textos aqui publicados são os que considero mais importantes de entre os muitos textos lidos no quadro da minha procura de esclarecimentos para a pergunta levantada, Como foi possível chegar a este desastre? e que justifica esta série em quatro partes.

Espero que tenham gostado.

Coimbra, 30 de maio de 2017

Júlio Marques Mota

NOTAS

[3] Nota de tradução. Este é o sentido geral da lei: o geral sobre o particular. Com as leis Macron- El Khomri inverte-se a hierarquia das normas. Um contrato de empresa pode ter condições mais desfavoráveis para o trabalhador do que o estabelecido pela lei geral.

[4] Méda refere-se ao livro publicado por F. Davet et G. Lhomme, Un président ne devrait pas dire cela… Les secrets d’un quinquennat, Stock, Paris, 2016.

[5] Sobre o problema da hierarquia das normas, a lei geral precede sobre o particular, e sobre a sua inversão defendida por Hollande, Valls e Macron veja-se o que nos diz um reputado especialista em Direito do Trabalho, Alain Supiot: “Desde a criação da Organização internacional do trabalho, há um século, a função primeira do direito do trabalho é de assegurar uma polícia social da concorrência. A ideia é que a competição económica é uma boa coisa se permitir melhorar o destino do maior número e uma má coisa quando ela assenta pelo contrário sobre a sobre-exploração “dos recursos humanos”. Para que ela produza os seus efeitos benéficos, é necessário por conseguinte uma polícia social que coloque fora de concorrência a proteção da condição dos trabalhadores. De modo a que a competição se faça sobre a qualidade dos produtos e dos serviços e não sobre a degradação das condições de trabalho. O instrumento desta polícia social, é primeiro que tudo a lei, certamente, que submete as empresas às mesmas regras do jogo social. Mas é também a negociação coletiva de ramo, que fixa as próprias regras para cada setor considerado. O acordo de empresa não tem estas virtudes de harmonização social da concorrência e é por isso que até uma data recente este apenas podia servir para melhorar os direitos garantidos pela lei ou pela convenção de ramo [a hierarquia das leis]. Se a lei MEK for adotada, a reforma fará, pelo contrário, do acordo de empresa um instrumento para as empresas poderem por em concorrência social os próprios trabalhadores. Ao preço da destruição das condições socio temporais das vidas familiares, sociais e portanto, das estruturas educativas.”

Na mesma sequência acrescenta Alain Supiot: “Todo o direito do trabalho é construído sobre uma desconfiança do consentimento do fraco face à vontade do mais forte. Daí o lugar que o direito atribui à representação e à negociação coletiva. Recorrer a referendos para contornar os sindicatos maioritários numa situação onde existem ameaças sobre o emprego, é regressar á fábula do galinheiro perante a raposa livre.” [A inversão da hierarquia das leis]

1 Comment

  1. Não só pelo socialismo, em má hora, ter recolhido à gaveta como, sobretudo, devido a evolução política francesa a caminhar para o precipício – algo evidente mas bem aceite pela nomenclatura indígena – já nada impediria que – parece tradicional – viesse a aparecer um Napoleão IV e, desta feita, o “Napoleão ainda mais pequeno”. Parece ser um trajecto inevitável para capitalismo e fossem quais fossem os homens (excepçãp para Mendès-France) que, desde 45, conduziram a política do estado francês o velho bonapartismo estava de olho aberto. Com as Constituições desta Europa Ocidental a permanecerem modeladas pelo que se pensava e apreciava há muitos séculos, todos os caminhos usados depois da Segunda Guerra Mundial haveriam de ter mau fim. Se séculos passados as Constituições políticas já não estava actualizadas e já só serviam para satisfazer os interesses duns poucos, agora, as Populações – muito mais informadas e melhor formadas – apesar de tudo, já não deixam ser enganadas pelo canto das sereias e usam o voto como uma arma. A maioria da População do estado francês ao não votar fez tal como a “não violência” que, recordemos, conseguiu colocar de joelhos a velha Albion. CLV

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