SINAIS DE FOGO – FUJIMORI – UM CRIMINOSO INDULTADO – por Soares Novais

O nome de Alberto Fujimori está gravado a sangue na grande muralha da iniquidade erguida pelos ditadores da América Latina. Pinochet, Videla, Somoza, Hugo Banzer, Alfredo Stroessner, os militares do Brasil e de El Salvador. Mas isso não o impediu de beneficiar de um “indulto humanitário” que está a incendiar as calles peruanas.

O presidente do Peru, Kuczynski, invoca razões humanitárias para o indulto do criminoso Fujimori, que sofrerá de uma “doença progressiva, degenerativa e incurável” pelo que os médicos terão aconselhado a sua libertação.

Esta é a versão oficial, mas há outra. A de que Kuczynski terá concedido o indulto como parte de um acordo político que evitou o seu impeachment no Congresso peruano. Pedro Pablo Kuczynski foi acusado de ter sido brindado com subornos da nossa bem conhecida Odebrecht, entre 2004 e 2013. Tais subornos beneficiaram empresas de Kuczynski.

O afastamento de Kuczynski foi pedido pela Força Popular, partido que é liderado por Keiko Fujimori, filha do ex-ditador agora indultado. Todavia, o seu irmão Kenji e outros nove deputados da Força Popular, abstiveram-se e impediram a destituição do presidente.

Será Kenji o irmão rebelde de Keiko Fujimori? Não. Tudo não passou de uma encenação para que Kuczynski salvasse a pele e, em troca, concedesse o indulto a quem está vitimado por uma “doença progressiva, degenerativa e incurável”. Isto é, Keiko pôs a corda à volta do pescoço presidencial e Kenji tirou-lha nos últimos minutos. Tal qual estava no guião.

O anúncio do indulto provocou reações imediatas e ameaça inflamar ainda mais a crise política naquele sofrido país da América Latina.  Dois deputados do partido Peruanos pela Mudança – o partido de Kuczynski – anunciaram que discordavam da medida e deixaram a bancada do partido.

Por seu turno, a congressista do partido Novo Peru Marisa Glave, afirmou no Twitter que “fazer dessa maneira e fazer hoje só confirma um pacto de impunidade“. Mais: Milagros Salazar, porta-voz do Força Popular, o partido da filha e do filho de Fujimori, afirmou que “é lamentável para o país que Pedro Pablo Kuczynski tenha trocado a permanência no cargo por um indulto”. Alberto Borea, o advogado que defendeu Kuczynski no processo parlamentar, também protestou: “Como todos vocês, fui surpreendido com o indulto a Alberto Fujimori. Sempre lutei e continuarei lutando contra a ditadura e repudio firmemente o indulto”, postou ele no Facebook.

Fujimori presidiu ao Peru entre 1990 – ano em que derrotou Mario Vargas Llosa nas urnas – e 2000. Aproveitou, então, uma saída presidencial, exilou-se no Japão e renunciou ao cargo. Tinha as mãos manchadas de sangue e deixou atrás de si um rasto de destruição e morte.  Durante o seu consulado ocorreram violações sistemáticas de direitos humanos e casos graves de corrupção. Em 2009 foi condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humidade – nomeadamente nos massacres de La Cantuta e Barrios Altos que ditaram a morte de dezenas de pessoas, entre elas estudantes universitários e uma criança.

Recorde-se: menos dois anos depois de assumir a presidência do Peru, Fujimori dissolveu o Congresso, encerrou o Poder Judicial e o Ministério Público, o Tribunal Constitucional e o Conselho da Magistratura, perseguiu, sequestrou e matou opositores – como Abimael Guszman, do Sendero Luminoso ou Néstor Cerpa do Movimento Tupac  Amaru; e, cumprindo ordens dos Estados Unidos, mandou esterilizar 314 mil mulheres, a maioria indígenas.

Agora, Kuczynski, concede-lhe o “indulto humaniário” e, por ora, mantém-se no poder. Galeano bem nos avisou: há uma rede criminosa que manda no mundo.

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­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Angélica Mendoza de Ascarza foi o símbolo dos familiares dos desaparecidos no Peru. Morreu em Agosto passado aos 89 anos. Mãe Angélica, como ficou conhecida, viu desaparecer o seu filho, Arquimedes Ascarza Mendoza, depois de este ter sido aprisionado no quartel Los Cabitos. Nunca mais viu Arquimedes, mas não deixou de lutar por todos os outros milhares de desaparecidos. O seu testemunho foi fundamental perante a Comissão de Verdade e Reconciliação que, trinta anos depois, investigou as atrocidades cometidas em Los Cabitos. Mãe Angélica fundou a Associação Nacional de Familiares de Sequestrados e Desaparecidos. Por isso, Fujimori acusou-a de ser “embaixadora do terrorismo em França.”  A morte livrou-a de assistir ao indulto do criminoso.

2 Comments

  1. As manigâncias não são de agora, infelizmente sucedem-se. Este caso faz-me recordar a protecção dispensada por Margaret Thatcher ao déspota e assassino Pinochet, aquando da sua estadia em Londres, invocando igualmente motivos de saúde para não dar cumprimento a uma ordem de prisão emitida pelo juiz Baltazar Garzón,

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