O PROJETO DO NOVO CÓDIGO MUTUALISTA QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO PÚBLICA NÃO GARANTE NEM UMA FISCALIZAÇÃO EFETIVA POR PARTE DOS ASSOCIADOS NEM PROMOVE A SUA PARTICIPAÇÃO: contributos para o debate e para a melhoria do projeto
O Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, depois de sucessivos anos de adiamentos, colocou, finalmente, em discussão pública o projeto do novo Código das Associações Mutualistas que visa substituir o anterior (o aprovado pelo Decreto-Lei 72/90). É um documento longo com 86 páginas e 147 artigos, para além dos 13 artigos do projeto de decreto-lei que o aprovará, que interessa analisar nos seus aspetos mais importantes
UM APELO AOS MUTUALISTAS E, NOMEADAMENTE, AOS ASSOCIADOS DO MONTEPIO PARA QUE ENVIEM A SUA OPINIÃO PARA O MINISTÉRIO DO TRABALHO
O projeto de Código das associações mutualistas está em discussão pública durante 30 dias, portanto como consta do “site” do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,
Pedimos também associados que o queiram, que nos enviem as opiniões enviadas ao ministro para o endereço edr2@netcabo.pt como contributo para podermos fazer uma reflexão mais profunda.
O projeto de Código é um extenso documento (147 artigos), por isso, neste estudo, vou analisar apenas os pontos que considero mais importantes, chamando a atenção para eles, e terminando por apresentar propostas de alteração que são apenas um contributo para o debate no espaço público e, consequentemente, para a melhoria do projeto.
O PROJETO CONTINUA A NÃO PREVER UM ÓRGÃO REPRESENTATIVO DOS ASSOCIADOS COM PODERES EFETIVOS DE FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Para quem conheça a vida interna de uma associação mutualista, e tenha participado nela, sabe bem que um dos problemas que enfrenta a atividade mutualista no nosso país, é a inexistência nas associações mutualistas de um órgão representativo dos associados, independente do conselho de administração, com poderes efetivos para fazer a fiscalização da atividade do conselho de administração. Foi precisamente esta falta de fiscalização interna, associada a uma à ausência de supervisão externa, que levou o Montepio à situação difícil em que se encontra.
O projeto de Código do governo não muda nada, pretende manter a situação atual, ou seja, a inexistência de qualquer fiscalização interna por parte dos associados. E isso é uma falha grave.
Assim em relação aos órgãos mutualistas que deve ter uma mutua, o projeto de Código apenas dispõe o seguinte (artº 74º): (a) A assembleia geral; b) O conselho de administração; c) O conselho fiscal. E deixa ao arbítrio dos dirigentes das associações mutualistas a possibilidade dos “estatutos prever a existência um conselho geral, com as competências previstas no presente Código, ou a existência de outros órgãos consultivos ou deliberativos, cujas competências devem respeitar as reservadas por lei para os órgãos referidos anteriormente”. É evidente, nomeadamente nas associações mutualistas como é o Montepio, e quem conheça sabe muito bem, que não é o conselho fiscal que vai controlar a atividade do conselho de administração; as mais das vezes ele limita-se a dar um parecer sobre as contas repetindo a opinião do auditor.
E mesmo o conselho geral previsto no projeto de Código tem uma composição e poderes ridículos. Para isso basta ler o nº 2 do artº 100º que dispõe o seguinte: “ O conselho geral é composto: a) Pelos membros da mesa da assembleia geral, do conselho de administração e do conselho fiscal; b) Por um número de associados que exceda a totalidade dos membros previstos na alínea anterior”; portanto, o conselho geral, como atualmente sucede no Montepio, tem no seu seio os próprios membros do conselho de administração, ou seja, tem no seu o seio o órgão que deve controlar, o que determina que o conselho geral seja rapidamente capturado pelo conselho de administração e aprove o que este quer. É o que aconteceu e acontece atualmente no Montepio (por ex. Tomás Correia acordou a OPA sobre o Finibanco em 2010, e a venda do controlo do setor de seguros do Montepio aos chineses em 2017, sem dar “cavaco” ao conselho geral), que determinou que o Monteja chegasse à situação difícil em que se encontra.
O PROJETO QUE NÃO CRIA CONDIÇÕES PARA UMA PARTICIPAÇÃO EFETIVA E ALARGADA DOS ASSOCIADOS NA VIDA DA ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA
Contrariamente ao afirmado no preâmbulo do projeto de Código (“fortalecimento do carater democrático e da participação dos associados”) quem o analise chega à conclusão que não contém uma única disposição obrigatória nova que crie condições para que isso aconteça.
Quem conheça a realidade concreta das associações mutualistas no nosso país, sabe bem que uma das caraterísticas atuais é a reduzidíssima participação dos associados. No Montepio Geral que tem 620.000 associados (56% do total de associados existentes no país), mais de 450.000 têm direito a votar. No entanto nas ultimas eleições votaram apenas 52.642 (13,2%) e na ultima assembleia, realizada em 27.12.2017, só participaram 215 associados (0,1%).
O projeto de Código ao impor um mínimo de 500 associados para apresentar uma lista às eleições dificulta assim ainda mais a participação dos associados já que não o impõe a lista da administração. Para além disso, em relação as grandes associações mutualistas, como é o caso do Montepio, o projeto não obriga a descentralizar a assembleia geral (realizando-a nas cidades com maior numero de associados), nem a informar diretamente cada associado da realização e do que se vai tratar na assembleia (por ex. no Montepio, apesar de existir revista com o titulo “MONTEPIO” ela nunca foi utilizada para informar os associados das assembleias. A convocatória é publicado apenas em dois jornais, que muitos poucos leem. A esmagadora maioria dos associados não sabe da realização das assembleias nem sabe o que é lá debatido. Mas parece ser esse o objetivo da administração e, pelo projeto apresentado, parece também que o governo se importa).
A única medida nova que aparece no projeto de Código, é a que consta do artº 74º, e mesmo esta não tem carater obrigatório. Segundo este artigo “os estatutos podem prever a existência de uma assembleia de representantes”. Portanto, nas grandes associações mutualistas, como é o caso do Montepio com cerca de 450.000 associados com direito a voto, o projeto de Código do governo apenas “prevê” uma assembleia de representantes que não é obrigatória (cada associação mutualista faz o que quere, de acordo com os gostos dos seus dirigentes).
O PROJETO DE CÓDIGO NÃO IMPÕE UMA POLÍTICA DE INVESTIMENTOS DIVERSIFICADA DAS POUPANÇAS POR ISSO NÃO REDUZ SUFICIENTEMENTE O RISCO PARA OS ASSOCIADOS
Um dos maiores riscos das associações, nomeadamente das maiores, são os maus investimentos, ou seja, a concentração dos investimentos num ou poucas entidades, o que determina que se sucede alguma coisa nessas entidades perdem uma grande parte desses ativos. E o risco é grande porque a supervisão interna e externa era praticamente inexistente (por ex., o Montepio tem mais de 80% das poupanças associados aplicados na Caixa Económica, portanto se a Caixa Económica acumular grandes perdas os associados correm risco de perder uma parcela significativa das suas poupanças). E esta concentração das poupanças dos associados numa entidade aconteceu apesar de ser proibido por lei. Efetivamente o nº2 do artº 52 do Decreto-Lei 72/90, proíbe que as aplicação “numa única empresa ou sociedade não podem em caso algum representar mais de 10% do Ativo de uma associação mutualista”. Mas a lei não foi nem é cumprida perante a passividade do supervisor, que é o Ministério do Trabalho, da Sol. e da Seg. Social.
E o que diz o projeto de Código do governo sobre esta matéria importante? – No nº3 do artº 65 (Aplicação e gestão de ativos) estabelece que “A percentagem máxima de ativos fixos ou financeiros com reduzida liquidez deve ser limitada a um nível prudente”. E no nº2 do artº 67 (Regras de gestão de ativos ) dispõe que “ Com exceção dos ativos representados em capital institucional afeto à caixa económica anexa, ou a ela afetos no caso de ele não existir, ou em capital de sociedades em relação equiparável à de domínio ou de grupo, incluindo caixas económicas bancárias, as associações mutualistas devem observar, supletivamente, na gestão dos seus ativos, as limitações prudenciais aos regimes complementares de iniciativa e individual e, na ausência destas, as que sejam aplicáveis aos fundos de pensões” . E no nº3 do mesmo artigo estabelece que “O conjunto das obrigações, das ações, dos títulos de participação ou de outros títulos negociáveis de dívida ou fundos consignados de uma única empresa ou sociedade não podem, em caso algum, representar mais de 10% do ativo de uma associação mutualista”.
Em resumo, se for uma Caixa Económica não há qualquer limite nas aplicações, embora a concentração numa única entidade, e ainda por cima bancária, envolve elevados riscos para os associados. Assim, dizem as boas praticas de gestão de ativos. O que pretende o projeto de Código, nesta área, é legalizar as graves ilegalidades existentes, que põem em situação de risco elevado as poupanças dos associados.
UM PROJETO DE CÓDIGO QUE CONTINUA A IMPOR CORTES NAS POUPANÇAS DOS ASSOCIADOS NO CASO DE DESIQUÍLIBRIO TÉCNICO-FINANCEIRO CAUSADO POR UMA MÁ GESTÃO, E QUE NÃO CRIA QUALQUER FUNDO DE GARANTIA DAS POUPANÇAS
A lei atual (arº 20º do Decreto-lei 72/90) já dispões que “É obrigatória a alteração do regulamento de benefícios com vista a restabelecer o necessário equilíbrio técnico-financeiro sempre que, pela análise dos balanços organizados nos termos do artigo 53.º e de outros instrumentos de gestão, se verifique a impossibilidade de concessão, atual ou futura, dos benefícios nele estabelecidos”. Isto significa que no caso do Ativo ( o que possui e o que tem a haver) da associação mutualista for inferior ao seu Passivo (o que deve e tem de pagar, que inclui as poupanças dos associados), então para estabelecer o equilíbrio corta-se nos benefícios dos associados, ou seja, corta-se nas poupanças que eles têm na associação mutualista (no capital e nos juros). O projeto de Código do governo mantém a mesma norma. Assim o seu Artigo 30º (Garantia de equilíbrio financeiro) estabelece que “ É obrigatória a alteração do regulamento de benefícios no que respeita à estrutura e aos montantes das quotas ou benefícios das modalidades, com vista a restabelecer o necessário equilíbrio técnico e financeiro sempre que, pela análise dos balanços técnicos referidos no artigo 61.° ou de outros instrumentos de gestão, se verifique a impossibilidade de concessão, atual ou futura, dos benefícios nele estabelecidos”, portanto se existir desequilíbrio quem paga são as poupanças dos associados.
SOBRE A FISCALIZAÇÃO DA AUTORIDADE DOS SERVIÇOS FINANCEIROS (ASF), O ANTIGO INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL
Um aspeto positivo do projeto de Código do governo é a passagem da supervisão das maiores associações mutualistas para a ASF, já que o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, ou por não ter vontade politica ou por não ter meios não faz qualquer supervisão deixando em auto-gestão as associações, com riscos elevados para os associados.
Assim, segundo o artigo 138º do projeto de Código do governo “São sujeitas ao regime de supervisão contante da presente secção as associações mutualistas, bem como as respetivas uniões, federações e confederações de associações, cujo volume bruto anual de quotas das modalidades de benefícios de segurança social previstos no artigo 3.º geridas em regime de capitalização exceda 5 milhões de euros e o valor total bruto dos fundos associados ao respetivo financiamento exceda 25 milhões €”; portanto, apenas as associações mutualistas de grande dimensão . E a autoridade de supervisão, segundo o artº 141º do projeto de Código, “A ASF é a autoridade competente para o exercício da supervisão financeira das associações mutualistas que preencham os requisitos definidos no artigo 138.º, bem como das atividade desenvolvidas pelas mesmas, dispondo para o efeito das competências e poderes que lhe são reconhecidos estatutariamente e no RJASR, sem prejuízo dos poderes de tutela do membro do governo responsável pela área da segurança social e da área da saúde” . O problema é que o projeto decreto-lei que vai por em vigor o novo Código das associações mutualistas estabelece um longo prazo transitório de adaptação.
Segundo Artigo 5º desse projeto de Decreto-Lei (Regime transitório aplicável às associações mutualistas existentes): (1) No prazo de 60 dias a contar da data de entrada em vigor do presente diploma, o serviço competente da área da segurança social comunica à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) as associações mutualistas constituídas àquela data que reúnem os requisitos previstos no artigo 138.º do Código; (2) No prazo de 60 dias a contar da data da comunicação prevista no número anterior a ASF submete a decisão conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da segurança social proposta fundamentada: a) Das associações mutualistas que reúnem os requisitos previstos no artigo 138.º do Código; b) Das associações mutualistas que não reúnem os requisitos previstos no artigo 138.º do Código, sendo esse o caso; (3) A decisão conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da segurança social a que se refere o número anterior é proferida no prazo de 30 dias a contar da data da proposta da ASF; (4) As associações mutualistas que reúnem os requisitos previstos no artigo 138.º do Código constantes da decisão ministerial referida no número anterior ficam sujeitas ao regime transitório com o prazo de doze anos para adaptação ao regime de supervisão previsto na secção III do Capítulo X do Código, passando este a ser-lhes plenamente aplicável a partir dessa”. E em 12 anos pode-se acontecer e irá acontecer muita coisa.
Eugénio Rosa, Economista – candidato pela Lista C nas ultimas eleições para o Montepio Geral- Associação Mutualista – 3-2-2018 – Se quiser receber diretamente estes estudos envie uma mensagem para edr2@netacabo.pt . Mais estudos disponíveis em www.eugeniorosa.com
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Nota de A Viagem dos Argonautas
Eugénio Rosa pede ajuda para que este estudo chegue ao conhecimento do maior número possível de mutualistas e associados do Montepio.