Ano 2017
FOTO DA CAPA: SOLDADOS DA 1ª COMPANHIA DO BATALHÃO Nº 2 DA G.N.R., AQUARTELADOS NAS JANELAS VERDES, SOB O COMANDO DO CAPITÃO VIEIRA, JUNTO AO MIRADOURO DE S. PEDRO DE ALCÂNTARA EM LISBOA, NO DE CURSO DA REVOLUÇÃO DE 7 DE FEVEREIRO DE 1927
(CONCLUSÃO)
Regressado do degredo para ser julgado pelo Tribunal Militar Especial de Lisboa foi, de início, representado em juízo por Carlos Olavo Correia de Azevedo, advogado com escritório na Rua Nova do Almada, 18-2º. em Lisboa, também ele militante republicano e prisioneiro dos alemães na batalha de La Lys.
O capitão Vieira, condenado num primeiro julgamento, em 11 de Agosto de 1928, a “dois anos de prisão correcional”, acrescidos de “dois anos de multa, a 5$00 por dia”, e “separação do serviço” militar, interpôs recurso, redigido por si próprio, em resultado do qual o primitivo processo foi anulado e marcada nova audiência com júri constituído por oficiais que não tinham participado na primeiro processo.
Entretanto, de acordo com posterior legislação aplicada aos “indivíduos de valor e préstimo reconhecido (…) e vivo sentimento patriótico (…)” a pena de demissão fora substituída por “separado do serviço do exército”, com 50% do vencimento.
O segundo julgamento, sem qualquer defensor que o representasse, ocorrido em 10 de Novembro de 1928, manteve a “separação do serviço” militar, mas reduziu-lhe a pena de reclusão, condenando-o a “um ano de prisão correcional (…) e três meses de multa a 5$00 por dia, (…) por ter tomado parte directa no movimento revolucionário que eclodiu na cidade de Lisboa em 7 de Fevereiro de 1927, armado e comandado uma Companhia da G.N.R., tentando assim mudar a forma de governo da República”. (8)
Uma informação do Tribunal Militar Especial de Lisboa, inserida no seu processo político, datada do ano 1930, contém notícia mais detalhada sobre a ação do Capitão Vieira, na revolta de 7 de Fevereiro de 1927.
Nela, depois de registada a identificação do acusado, diz-se que:“no dia 7 daquele mês e ano (Fevereiro de1927), tendo recebido ordem para policiar com a sua companhia a Praça de Armas, em Alcântara, com o fim de evitar que os civis nela entrassem, não cumpriu esta ordem, nem a que lhe foi dada e depois repetida para que fizesse sair uma camioneta com uma metralhadora e respectivo pessoal para dispersar os civis que já haviam invadido a referida Praça, antes abandonou o seu quartel, saindo com a sua companhia e indo juntar-se aos marinheiros revoltosos e com eles seguiu para S. Pedro de Alcântara, onde mandou abrir cortaduras nas embocaduras das ruas e combateu contra as forças Governamentais até ao dia 9 do referido mês, em que se rendeu com as praças que comandava”.(9)
Nas missivas que continua a endereçar a seu sobrinho e amigo João Pedro Ruivo, não deixa de expressar a revolta pelas descriminações de que é alvo por parte das autoridades da Ditadura.
Em carta de 14 de Agosto de 1928, pode ler-se: “Como deves saber, realizou-se em 11 do corrente o meu julgamento, com uma condenação infamante para os homens que ma impuseram. O meu julgamento foi como que um hino de glória à minha carreira militar; as próprias testemunhas de acusação, foram óptimas testemunhas de defesa. Nem levei defensor, nem testemunhas de defesa: a minha folha de serviços, o que eu tenho sido, dispensaram bem estas particularidades. (…)
A todos que até agora têem sido julgados, foi levado em conta o tempo de deportação como prisão. A mim, tanto é o ódio destes miseráveis, só me levaram em conta o tempo que estive na Penitenciária e a bordo do (navio) Lourenço Marques. Recorri da sentença, e aguardo em casa, a resolução do S(upremo) T(ribunal) M(ilitar). Se este resolver que me seja contado como prisão o tempo de Angola e o tempo de recluso em casa, já me dou por muito feliz”.
Em outra missiva de 28 de Julho de 1929, igualmente dirigida a seu sobrinho, escreve: “(…) A minha situação está resolvida, amanhã dou entrada nas prisões de S. Julião da Barra para cumprir a minha sentença.
O ódio destes homens seria ridículo, se não fosse duma hediondez, canalhice e crueldade, que causa náuseas e calafrios e que envergonha o género humano. Enquanto os chefes do movimento, com o que me felicito, passeiam no Funchal, sem terem sofrido um dia de prisão, com subsídio para se alimentarem, o capitão Vieira vai estar a ferros. (…) As vilanias conseguem sempre dois resultados: honram quem as sofre e desonram quem as pratica. E não são homens honrados os juízes que cometeram actos soezes como os do meus julgamentos e recursos, como o do “Cumpra-se” do M(inistro) da G(uerra), sejam quais forem os galões, estrelas ou togas que ostentem. É uma vilania e está tudo dito.
Lá vou, pois, para a Torre (de S. Julião da Barra). Antes de mim por lá passaram outros mártires da liberdade. O que me atormenta é deixar para aqui os meus, que tanto e tanto carecem do meu braço. Viverão como lhes for possível. A constância das minhas ideias e a honra da minha pessoa têm sabido exceder o tamanho das minhas infelicidades, tão grandes, que só eu posso avaliá-las.
Portugal, a minha terra, (…) que, pelo prestígio do seu nome tantas vezes tenho encarado a morte, pode continuar sendo feudo de Roma e de Primo de Rivera, dos quais são aguazis máximos o cónego Salazar e o cretino Trindade Coelho; eu é que nunca serei seu escravo da gleba, suceda o que suceder (…).” (10)
O capitão Vieira entrou recluso no Torre de S. Julião da Barra, em 29 de Julho de 1929, para cumprir a pena em que fora condenado, pelo Tribunal Militar Especial de Lisboa, de um ano de prisão correcional, donde sairia – por dedução de 36 dias de prisão previamente sofrida – em 23 de Junho do ano seguinte.
Contudo, a suspeita que conspirara contra a ditadura mesmo durante o tempo que estivera prisioneiro na mencionada Torre de S. Julião da Barra, vai levá-lo novamente à prisão, cerca de um mês depois de liberto.
Uma nota da Polícia de Informações do Ministério do Interior, não assinada nem datada, mas de ocasião imediatamente posterior ao termo do cumprimento da pena em que fora condenado pelo Tribunal Militar de Lisboa, acusa-o de estando: “Na prisão mandou uma carta ao ex-Tenente Correia, que apresentava este último junto de um elemento comprometido no Poço do Bispo. Entende esta Polícia da maior conveniência que este oficial seja afastado do Continente.”
Fruto daquela delação o capitão Vieira volta a ser preso, agora “a bordo da fragata D. Fernando”. Acusação que o capitão Vieira refutou energicamente, em declaração manuscrita em 21 de Julho de 1930, enviada às autoridades a partir do navio de guerra em que se encontrava detido.
Na sequência da denuncia policial, por não existirem provas convincentes, as autoridades militares determinaram, em 25 do mesmo mês e ano: “mande-se por em liberdade, mas deve apresentar-se no T.M.L. (Tribunal Militar de Lisboa) a fim de seguir para o Fundão onde, pelo governo, lhe foi fixada residência”. Decisão anulada dias depois, pelo Ministro da Guerra que ordenou, telefonicamente, que o dito “oficial continuasse em Lisboa” (11).
Porém, os responsáveis por reprimir as ações conspirativas contra a Ditadura de Salazar, continuavam a incluir o capitão M. A. Vieira entre os suspeitos de ativismo político.
Por tal motivo, presumiram que estaria envolvido na “Revolta de 26 de Agosto de 1931”, e voltaram de novo a prendê-lo na “Casa de Reclusão Temporária, na Torre de S. Julião da Barra”, entre 30 de Agosto de 1931 e 20 de Setembro do mesmo ano.
Não obstante, foi “posto em liberdade, por nada se ter provado contra ele, o que esperava, em virtude de não ter praticado qualquer acto ou acção que pudesse motivar a sua reclusão”, como consta em documento datado de 22 de Setembro de 1931, enviado pelo suspeito ao Ministro da Guerra. (12)
Cerca de um ano depois, em 25 de Maio de 1932, por se encontrar ao abrigo de legislação recentemente aprovada pelo Governo, e pretender melhorar a sua remuneração mensal, requereu a sua integração ao serviço da Agência Militar. Departamento do exército onde exerceu funções de natureza burocrática até Junho de 1944, data em que por atingir o limite de idade se aposentou.
Por estes últimos cerca de catorze anos da sua longa carreira militar foi “louvado, pela assiduidade, zêlo e acerto com que, durante o longo tempo que serviu na agência militar, desempenhou os serviços de que foi incumbido” (13)

Forte de S. Julião da Barra, em Oeiras

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