Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A era da harmonia na Europa é coisa do passado
George Friedman, Europe’s era of harmony is over
GPF – Geopolitical futures, 13 de Dezembro de 2017
A União Europeia está empenhada numa luta de duas frentes pela sua própria sobrevivência. No lado ocidental, o Reino Unido votou para deixar a UE, e Bruxelas e Londres estão a lutar para encontrar uma base mutuamente benéfica para o futuro. A leste, o bloco advertiu o governo da Polónia, um membro da UE, por ações consideradas antidemocráticas. Está a ameaçar barrar o acesso da Polónia ao processo decisório da UE e a reduzir os fundos que atribui à Polónia sob a sua própria fórmula.
Uma vez que o voto do Brexit está colocado na mesa das negociações, o confronto é então inevitável. Mas enfrentar a Polónia, o maior país da Europa Oriental, ao mesmo tempo que as negociações Brexit foram uma escolha – e na sua cara, uma escolha estranha. Esta estranheza é agravada pelo facto de a Polónia não estar sozinha a enfrentar a ira de Bruxelas. As acusações feitas contra a Polónia são semelhantes às feitas contra a Hungria, e há rumores semelhantes em Bruxelas sobre a República Checa, embora não tenham sido amadurecidas num confronto completo, exceto sobre a imigração. Posto de outra forma, uma grande potência ocidental está a afastar-se da UE ao mesmo tempo que a UE parece estar a afastar uma parte substancial dos países a Leste que a ela aderiram.
Idiossincrasias da democracia
Num nível abstrato, parece que a periferia da União Europeia está a afastar-se do centro. E o centro tem debatido silenciosamente se isso é ou não é uma coisa boa. Houve alguma discussão na Europa Central sobre a possibilidade de se criar uma União separada composta pela Alemanha, França, Bélgica e Holanda, ou criar um bloco dentro do bloco existente. A questão para este conjunto de países seria deixarem de serem responsáveis por países que não estão prontos para operar a nível da eficiência do núcleo central europeu. Significaria que o sul da Europa, com os seus problemas económicos e a Europa Oriental, com a sua cultura política distinta, poderia seguir o seu próprio caminho.
Parece-me que é isso que a UE está a fazer agora, mas se assim for, está a fazê-lo de forma muito inconsciente. A União Europeia não é um Estado-nação; funciona através de um processo. Ele luta com flexibilidade, mesmo quando, como no caso das negociações Brexit, ambas as partes precisam de um acordo.
Da mesma forma, a participação no bloco vem com condições que limitam o que os países podem fazer internamente, e mesmo se a União Europeia está bloqueada em negociações dolorosamente difíceis com o Reino Unido, a UE está preparada para desafiar o bloco oriental, quase como se estivesse no piloto automático. A UE tem muitos problemas, mas talvez o mais importante seja este: quer ser uma entidade unificada, mas as regras que cria no seu processo impedem-na de atuar com racionalidade geopolítica.
A crítica de Bruxelas à Polónia é que este país se está a comportar de uma forma não democrática. No ano passado, o governo tomou medidas para ganhar mais controle sobre a televisão e as estações de rádio, e agora está a discutir a legislação que colocaria restrições aos meios de comunicação estrangeiros. O epicentro da tempestade, no entanto, são os planos da Polónia para a reforma judicial que daria ao governo mais controle sobre os juízes do Supremo Tribunal e os tribunais em geral. O contra-argumento da Polónia é que o seu governo foi democraticamente eleito. O governo polaco não esconde as inclinações de direita dos eleitores, mas, pelo contrário, coloca-as bem visíveis. Tudo o que faz agora, fá-lo com um mandato democrático. O mesmo se pode dizer da Hungria e da República Checa. Então, como é que esses países podem ser antidemocráticos?

Os países que fundaram a União Europeia tinham estruturas institucionais muito diferentes. O Reino Unido não teve nenhum Supremo Tribunal até 2009, e ainda hoje lhe falta uma constituição escrita. Durante uma boa parte do século XX, existiam apenas as estações de rádio e televisão subvencionadas e dirigidas pelo Estado e este impedia a entrada de outros concorrentes para o mercado, embora tenha tido uma enorme e vibrante indústria. A França tinha uma lei que tornava ilegal insultar o Presidente. A Alemanha proibiu qualquer movimento político que fosse considerado nazi.
O mínimo que se pode dizer é que estas não são más leis. Elas não eram variações sobre a democracia – o que todos os três países já eram -, mas sobre o liberalismo. Cada um construiu uma democracia liberal com base na sua história, e foi entendido que pode haver variações sobre o tema da democracia. A única coisa que não pode variar é o direito à autodeterminação nacional através de eleições livres.
Quando a UE foi criada, foi colocada entre dois imperativos. Um era manter o direito à autodeterminação nacional. O outro era harmonizar os vários membros. A maior parte da harmonização realizada foi de natureza económica, mas a UE também pressionou para se alcançar a harmonia política. Na prática, isso significava limitar a autodeterminação nacional para se adequar às normas do que era aceitável para os principais membros (com as esquisitices britânicas a serem aceites, mas não recomendadas-Bruxelas esperava Constituições escritas).
Mas então a UE admitiu membros cujas histórias diferiam da sua própria história. Este foi particularmente o caso com a Polónia e outros países da Europa Oriental. A Polónia, por exemplo, foi o primeiro país que a Alemanha nazi invadiu, e foi sujeita a horrores que poucos outros países europeus viveram. Depois da ocupação alemão veio a ocupação soviética. Os países da Europa Oriental viveram uma longa e escura noite. A Alemanha Oriental também, e a política dessa região carrega ainda estas cicatrizes.
Atos de discórdia
Quando os europeus do leste finalmente se libertaram da União Soviética, sonharam em tornar-se europeus, o que nas suas cabeças significava aderir à UE e à NATO. Eles criaram governos que emulavam os governos da Europa Ocidental. Foi um período em que estes países procuraram a redenção, e o certo é que acreditavam que a redenção significava colocarem o seu passado bem para trás das costas. Eles acreditaram na ideia do Europeu como uma espécie de humano, ao invés de simplesmente um membro das várias nações que tinham assinado o mesmo Tratado. Os europeus queriam que eles se harmonizassem, e eles estavam pouco interessados nisso, tinham dificuldade em se harmonizarem, em estarem de acordo.
Faz quase 30 anos que a Guerra Fria acabou. A geração que chegou ao poder na Europa Oriental e levou os seus países para a UE é hoje quase toda ela desaparecida. A nova geração aspira longamente com o passado. Nem sempre é um passado bonito, mas também nem sempre é bonito o passado da Alemanha ou de qualquer outro país europeu. Mas é o passado deles, e a era da obsessiva harmonização com a Europa acabou.
O que é claro sobre a Polónia, Hungria e República Tcheca é que os cidadãos não estão em harmonia com a Europa, da mesma forma e pelas mesmas razões que o Reino Unido não permanece na UE. O processo de harmonização é baseado num certo sentido da homogeneização do que é ser europeu.
Aplicado rigorosamente – em matéria de nomenclatura seja de queijos, de como os tribunais devem ser organizados – a harmonização prejudica a autodeterminação nacional e a identidade nacional.
Dadas as variações que são normais entre as democracias, a Europa Oriental afirmaria o seu próprio direito à idiossincrasia; Ninguém se deve surpreender quando os húngaros elegem um governo que pode não ser eleito no Luxemburgo porque a história do Luxemburgo não é a mesma da Hungria. Mas na terra de harmonia, o ato de desarmonia é uma ameaça para o sistema.
A União Europeia está a seguir o seu processo, mas está também a tentar manter junto algo que se está a desmoronar. Tentou alinhar harmonização com auto-determinação nacional, e não está a conseguir. Não pode deixar a harmonização pois tudo o que seria neste caso deixado de fora pertenceria a uma zona de comércio livre, e a Europa voltaria a ser um continente e não um proto-estado. À medida que a situação se torna mais ameaçadora, as ameaças tornam-se mais vivas, mas as ameaças são simplesmente tentativas refletidas de manter a periferia sob controle, de a impedir de sair qualquer que seja a direção que queira tomar e de levar o próprio centro com ela.
A periferia está a separar-se do centro. Se esses países saem da UE, se são expulsos ou mesmo se ficam, as consequências são pequenas. A experiência comum dos países europeus de Leste torna-os únicos. A experiência dos europeus do sul nos últimos 10 anos torna-os também únicos. O Reino Unido nunca foi senão um caso único, exclusivo. E a Alemanha é, de longe, o país mais singular de todos eles, o mais diferente de todos eles, na Europa. O que a UE não quer enfrentar é que a Europa é um continente de muitas nações únicas, ou seja todas elas muito diferentes entre si, e nada mais que isso.
A saída da U.K e a Polónia são uma estranha manobra geopolítica. É simplesmente parte de uma ideia que não pode nunca ter funcionado e que não está a funcionar .
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Leiam o original em:
http://gonzaloraffoinfonews.blogspot.pt/2018/01/europes-era-of-harmony-is-over.html
O Senhor Friedman esquece que a chamada “união europeia” não é nada mais que um IV Reich: Seja o reino dos francos, seja aquele dos prussianos, qualquer deles – como outrora -prosseguem a medir-se na esperança dum deles – como outrora – conseguir tomar as rédeas. Como ensinava o jurista bretão Yann Fouéré – LÉurope aux cent drapeaux – o mais necessário é regressar-se à Primeira Europa. CLV