
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
11. Não há uma única boa razão para desregulamentar os bancos agora. Seja como for, os Democratas estão a ajudar a que isso aconteça.
Por Jordan Weissmann
Publicado por Magazine, em 7 de março de 2018
Apenas dez anos após a crise financeira, o Congresso decidiu que é hora de começar novamente a desregulamentar o setor bancário.
Na terça-feira, uma coligação de republicanos e democratas moderados votou por 67 contra 32 uma proposta de lei que afrouxa algumas das principais regulações que o Congresso aprovou em 2010 para evitar outra crise financeira. Os defensores democratas do projeto, como Mark Warner, da Virgínia, e Jon Tester, de Montana, afirmam que estão simplesmente a tentar fazer “consertos de bom senso” relativamente à Lei Dodd-Frank, a fim de libertar as Cooperativas de crédito e bancos menores das pesadas regras que foram concebidas para impedir um outro colapso ao estilo de Lehman Brothers. Mas, embora esse possa ter sido o objetivo, a legislação – que foi exaustiva e excelentemente coberta pelo jornalista David Dayen – tornaria mais fácil para os bancos comunitários esconderem irregularidades como empréstimos discriminatórios, deixando o sistema financeiro pelo menos um pouco mais vulnerável a um desastre, libertando grandes bancos regionais do escrutínio regulatório. Tal como está redigida, há também uma grande probabilidade de que isso possa acabar por diminuir as restrições atualmente impostas a um par de bancos grandes demais para poderem falir, como o JPMorgan e o Citibank – restrições que foram criadas para impedir que eles se alavancassem com demasiada dívida.
Mas o leitor não precisa de meter-se nos detalhes deste projeto de lei para entender porque razão ele é tão revoltante. O ponto principal é que não há nenhuma boa razão para desregulamentar as finanças em 2018.
Os democratas defensores da nova legislação argumentaram que a lei Dodd-Frank foi longe demais quando se tratou de regulamentar bancos comunitários e regionais, e que flexibilizar algumas regras libertará possibilidades de crédito para áreas rurais e para as pequenas empresas. Como Warner colocou num seu depoimento, “O objetivo é simples: ajudar a atividade retalhista das vilas e cidades (Main Street) revertendo regulamentações desnecessárias e pesadas sobre cooperativas de crédito e pequenos bancos comunitários.” Se a lei Dodd-Frank estava realmente a estrangular o sistema bancário com a burocracia, esperar-se-ia ver alguns sinais de que os americanos estavam a ter problemas em contrair empréstimos. Mas simplesmente não há nenhum sinal. Não há sinal de falta de crédito nos Estados Unidos – na Main Street ou em qualquer outra rua.
Vamos começar pelo panorama geral. As taxas de juros têm sido extremamente baixas, sugerindo que há crédito mais do que suficiente disponível para responder à procura. Enquanto isso, os empréstimos comerciais têm estado saudáveis; o valor dos empréstimos comerciais e industriais disponibilizados aumentou 79% desde 2010.
A dívida total em hipotecas voltou aproximadamente ao seu pico anterior à crise.
Em termos de percentagem da economia, o crédito ao setor privado está exatamente em torno da posição onde estava em 2005, antes da fase final extravagante da farra de empréstimos que atravessou todo o país.
O crédito também não parece ser escasso na América rural. Os empréstimos agrícolas, por exemplo, praticamente dispararam como um pé de milho depois de 2010.
E os proprietários de pequenas empresas? Eles parecem ter mais crédito disponível do que saberem o que fazer com ele. Veja como o Federal Reserve resumiu a situação no seu mais recente relatório sobre crédito para pequenas empresas:
No geral, entre 2012 e 2017, as condições de crédito para as pequenas empresas foram amplamente estáveis. As condições de oferta favoráveis prevaleceram durante a maior parte do período, juntamente com a fraca procura de empréstimos provinda dos pequenos empresários. Em 2017, os fluxos de crédito para as pequenas empresas tinham melhorado, embora permanecessem abaixo de seus níveis pré-crise.
Por outras palavras, o dinheiro ainda era abundante e barato depois da lei de Dodd-Frank. O problema era que não havia suficientes proprietários de pequenas empresas que quisessem pedir emprestado.
E quanto às supostas dificuldades dos bancos comunitários, que os lobistas afirmam estarem a ser sufocados por toda a burocracia da lei Dodd-Frank? Na verdade, não há razão para se preocuparem. Para começar, estas destemidas instituições financeiras locais são perfeitamente lucrativas. De acordo com a Agência Federal de Garantia de Depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation), os bancos comunitários tiveram em média uma rendibilidade dos capitais próprios de 8,67% em 2017, quase o mesmo que o setor bancário em geral. E, embora os empréstimos tenham recuperado mais lentamente nos pequenos bancos do que nos grandes após a crise financeira, os negócios têm sido vigorosos ultimamente; os saldos dos empréstimos concedidos nos bancos comunitários aumentaram 7,7% no ano passado, em comparação com apenas 1,7% em todos os bancos.
Os lobistas bancários tentam omitir tudo isto, apontando que embora os pequenos bancos possam estar a ganhar dinheiro, os seus números estão a diminuir. Isso é verdade. Ao longo dos anos, muitos bancos comunitários escolheram – alguns diriam que foram forçados a – fundir-se com rivais maiores. E após a recessão, o lançamento de novos bancos praticamente parou. De 1976 a 2009, mais de 130 bancos foram constituídos anualmente, em média. De 2010 a 2015, apenas quatro foram constituídos no total. O setor bancário gosta de culpar as regulações de Obama, que forçaram os pequenos bancos a gastar mais dinheiro para estarem em conformidade com as exigências da regulação. “Embora os bancos comunitários permaneçam resilientes face às exigências e pressões regulatórias e económicas, desafia a razão sugerir que o seu crescimento e a sua capacidade de responder às necessidades dos clientes saíram ilesos da lei Dodd-Frank e da enorme carga regulatória que ela representa”, disse Rob Nichols, presidente da Associação Americana de Bancos em 2016.
Este argumento não é especialmente convincente. Os bancos comunitários independentes têm vindo a desaparecer desde há décadas, já que se fundiram ou se venderam aos seus rivais maiores. Grande parte da consolidação do setor foi impulsionada por mudanças regulatórias na década de 1990, o que permitiu que os grandes bancos se instalassem mais facilmente através das linhas estaduais. Mas a tendência remonta pelo menos à era da Administração Reagan. Há também uma razão óbvia para que novos bancos parassem de aparecer após a recessão: a economia estava terrível e as taxas de juro estavam próximas de zero, tornando quase impossível para as instituições financeiras recém-autorizadas ganharem dinheiro. Quando um par de economistas do Federal Reserve analisou a questão em 2016, eles concluíram que pelo menos 75% do declínio no aparecimento de novos bancos após 2010 podia ser explicado por outros fatores além das questões regulatórias. “O efeito autónomo da regulamentação”, acrescentaram eles, “é mais difícil de quantificar”.
Mas deixem-nos voltar atrás por um momento. Desde logo, porque é que as pessoas se importam com os bancos comunitários? Em teoria, é porque esses bancos estão mais focados em empréstimos para pequenos negócios do que as grandes instituições financeiras como o Wells Fargo ou o Bank of America. Se os pequenos bancos locais desaparecerem, argumentam os lobistas, será mais difícil para os empresários das pequenas cidades e para o comércio de base familiar obterem empréstimos. Na verdade, há pouca evidência de que isso seja verdade. Como o Federal Reserve explica no seu relatório de crédito sobre as pequenas empresas: “Numerosos estudos de investigação analisaram diretamente a relação entre a atividade de consolidação e a disponibilidade de crédito para as pequenas empresas. Embora as fusões e aquisições rompam as relações entre banco e empresa e possam introduzir alguma incerteza de curto prazo, os resultados da investigação em geral sugerem que, globalmente, não se reduziu materialmente a disponibilidade de crédito”. A consolidação nem parece reduzir muito a concorrência local. Apesar do enorme aumento na concentração geral do setor ao longo do tempo, o número médio de bancos em grandes áreas metropolitanas, pequenas cidades e áreas rurais praticamente não se alterou desde o ano 2000.
Apesar de tudo isso, uma dúzia de democratas e um independente que alinha com o partido decidiram que agora é a hora de afrouxar as rédeas ao setor bancário. A política não é difícil de entender. Os bancos comunitários constituem um eleitorado simpático que exerce grande poder de lobby em Washington. Enquanto isso, muitos democratas estaduais dos estados dominados pelos republicanos (red state) estão a chegar perto da reeleição este ano e – estupidamente ou não – estão desesperados para demonstrar a sua boa-fé bipartidária ao votarem com o presidente. Então, este projeto lei está em vias de ser aprovado, mesmo que isso possa tornar o sistema financeiro um pouco menos estável. E os democratas moderados estão a pedir a todos nós que suspendamos a nossa desconfiança, para agir como se o paliativo deles ao setor bancário não fosse outra coisa senão um crasso cálculo de campanha. “Esta aprovação não tem nada a ver com isso”, disse Tester recentemente. “Isso tem tudo a ver com as possibilidades de acesso ao capital”. Se isso for verdade, tem tudo então a ver com um problema que, afinal, não existe.
Texto original em https://slate.com/business/2018/03/there-is-no-good-reason-to-deregulate-the-banks.html
Jordan Wiessmann: licenciado em jornalismo pela Universidade de Northwestern. Correspondente económico senior de Slate magazine desde 2014, editor associado em The Atlantic (2011-2014), coordenador de comunicação em Dickstein Shapiro(2010-2011), repórter no National Law Journal (2008-2010).