Homenagem ao Carlos Tenreiro, uma série de textos sobre questões de macroeconomia e de alta finança – 12. Declaração e duas intervenções do senador Sherrod Brown sobre o projeto de lei de reversão da lei Dodd-Frank (1ª parte)

Carlos Tenreiro
Carlos Tenreiro, um estudante de excecional maturidade emocional, de rara cultura, de rara sensibilidade e de alta capacidade pedagógica para transmitir o que sabia e até muitas vezes a gerar nos estudantes uma apetência por aquilo que ele mesmo ainda não sabia, mas que faria parte da sua trajetória de conhecimentos a desenvolver.

 

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

12. Declaração e duas intervenções do senador Sherrod Brown sobre o projeto de lei de reversão da lei Dodd-Frank

1ª parte – declaração de 15 de março de 2018 e intervenção no Senado de 14 de março de 2018

Sherrod Brown

Declaração do senador Sherrod Brown sobre a aprovação pelo Senado do S.2155, o projeto de lei de reversão da lei Dodd-Frank

Quinta-feira, 15 de março de 2018

WASHINGTON, D.C. – O senador americano Sherrod Brown (D-OH) – líder do grupo democrata no Comité de Assuntos Bancários, Habitacionais e Urbanos do Senado dos EUA (Committee on Banking, Housing, and Urban Affairs) – divulgou a seguinte declaração sobre a aprovação de S. 2155, o projeto de lei de reversão da lei Dodd-Frank. O senador Brown, um dos principais opositores da nova legislação, manifestou a sua preocupação de que este projeto quase nada faça em defesa dos consumidores, enquanto reduz as proteções para os proprietários de casa própria e coloca os contribuintes em risco de outro resgate bancário.

Este órgão mais uma vez ficou do lado de interesses especiais e de Wall Street, em vez dos proprietários de residências, estudantes e famílias de trabalhadores“, disse Brown. “Perdemos uma oportunidade de aprovar uma legislação bipartidária significativa que ajudaria os bancos comunitários e forneceria proteções reais aos consumidores. Em vez disso, revertemos as medidas de responsabilização para alguns dos maiores bancos nacionais e estrangeiros à custa dos contribuintes. Como este projeto vai para a Câmara, continuarei a lutar contra mais reversões que colocam os contribuintes americanos em risco de terem de socorrer os grandes bancos”.

Texto em https://www.brown.senate.gov/newsroom/press/release/brown-statement-on-senate-passage-of-s2155_the-dodd-frank-roll-back-bill

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Discurso do senador Sherrod Brown sobre o projeto lei S.2155, de reversão da lei Dodd-Frank

Quarta-feira, 14 de março de 2018

WASHINGTON, DC – O senador norte-americano Sherrod Brown (D-OH) – líder do grupo democrata no Comité de Assuntos Bancários, Habitacionais e Urbanos do Senado dos EUA – fez o seguinte discurso no plenário do Senado hoje, sobre o S.2155, The Economic Growth, Regulatory Relief and Consumer Protection Act. As observações de Brown, como preparadas para entrega no Senado, são as seguintes:

Faz hoje dez anos – 14 de março – que o Bear Stearns estava à beira do colapso. Apesar dos seus 85 anos de história, apesar de seu relacionamento com quase todos os bancos de Wall Street, o banco, de repente, viu-se à beira do abismo.

Precisamente neste dia há dez anos – 14 de março –o Bear Stearns perdeu 3,5 mil milhões de dólares em valor de mercado. O banco estava já em plena queda livre. No espaço de uma semana, o Bear Stearns passou de ser negociado a 65 dólares por ação, para estar a ser comprado por apenas dois dólares por ação no decorrer de um acordo anormalmente favorável que foi orquestrado pelo Fed ao longo de um fim de semana.

Quase da noite para o dia, um dos bancos mais prestigiados de Wall Street desfez-se.

Por todo o país, as famílias sentaram-se às mesas da cozinha e começaram a questionar-se – será que algum de nós irá perder o emprego? Será que teremos que nos mudar? Será que nos poderemos aposentar? Poderemos enviar nossos filhos à Faculdade neste outono?

Neste dia, há dez anos atrás – 14 de março de 2008 – uma notícia de CNN informava: “Perdas de emprego: o pior em cinco anos”. A notícia referia-se à forma e ao ritmo de como a economia estava a perder empregos. O artigo advertia que a crise se estava a formar, citando um analista que disse que o setor do imobiliário e o colapso do crédito estavam “a abalar a economia dos Estados Unidos como um verdadeiro e devastador tornado”.

Em retrospetiva, sabemos que as coisas se iriam tornar bem piores antes de melhorarem.

Algumas pessoas dizem que ninguém podia ter visto a crise a chegar. Algumas pessoas dizem que a crise financeira de 2008 foi como o clima, como um tornado do centro-oeste – algo fora do nosso controle. Mas nós sabemos um pouco mais.

Os defensores das comunidades – as pessoas que estavam realmente enfrentando as consequências dessa crise – estavam a disparar o alarme. Durante anos antes da crise, elas previram o que aconteceria se Washington não controlasse Wall Street e eles estavam certos.

E algumas pessoas em Washington, como Ned Gramlich, viram o problema tal como ele era.

Embora Washington não tenha parado com a crise, o Congresso pelo menos respondeu. Aprovámos uma lei que criou proteções importantes para o sistema financeiro, para os contribuintes e para os proprietários, para responsabilizar os bancos e os supervisores de modo a evitar outra crise.

Mas Wall Street não estava pronta para largar a sua presa. No dia em que o presidente Obama assinou a Reforma de Wall Street, um alto lobista de Wall Street disse que estavam “no intervalo”.

E agora os grandes bancos e os seus lobistas estão prestes a registar uma grande vitória à custa das famílias trabalhadoras em todo o país.

Não há muito tempo atrás, outro lobista do setor bancário disse-nos qual era o seu plano de jogo. “Não queremos um assento na mesa”, disse ele. “Nós queremos a mesa toda.”

Este projeto lei dá-lhes a mesa inteira.

Os mesmos grupos que nos alertaram sobre a última crise opõem-se ao projeto de lei que o Senado está a analisar hoje.

E as pessoas que limparam a última crise estão a alertar-nos para não aprovarmos este projeto.

Especialistas de ambas as partes estão a alertar-nos. Os autores da reforma de Wall Street deixaram claro que este projeto reverte importantes proteções que são importantes para a nossa economia. Barney Frank disse que votaria “não” se estivesse no Senado. E, hoje, Chris Dodd escreve que as mudanças do projeto de lei significam “desvalorizar a capacidade de conduzir uma supervisão abrangente e eficaz”.

Especialistas como Paul Volcker, Sheila Bair, Dan Tarullo, Sarah Bloom Raskin, Gary Gensler, Tom Hoenig, Antonio Weiss, Paul Tucker e Phil Angelides escreveram ao Senado e redigiram um texto de 28 páginas onde expressam as suas preocupações sobre este projeto de lei.

Porque estamos a ignorar os seus apelos?

Vamos recapitular todos os problemas com esta legislação.

Em primeiro lugar, este projeto de lei coloca os contribuintes americanos em risco de terem de pagar outro resgate bancário.

Ele enfraquece os testes de esforço de todos os grandes bancos, até dos megabancos de Wall Street como JPMorgan Chase (ativos de US $ 2,5 milhões de milhões), Bank of America (US $ 2,3 milhões de milhões), Wells Fargo (US $ 1,9 milhão de milhões) e Citigroup (US $ 1,9 milhão de milhões). Juntos, esses bancos detêm 51% (US $ 8,6 milhões de milhões) – mais de metade – de todos os ativos do setor bancário.

Juntos, todos os maiores bancos do país levaram cerca de US $ 239 mil milhões em resgates pagos pelo contribuinte. Sem rigorosos testes anuais de esforço, os contribuintes poderiam mais uma vez estar no buraco se os bancos “grandes demais para falirem” entrassem em colapso e não tivéssemos as ferramentas certas disponíveis para que isso não acontecesse.

Em segundo lugar, este projeto de lei abre as portas para uma supervisão mais fraca dos megabancos estrangeiros que operam nos EUA – os mesmos bancos que violaram repetidamente as leis dos EUA.

Estes são bancos como o Deutsche Bank, o Santander, o Barclays, o Credit Suisse e o UBS.

Terceiro, com a mudança de apenas uma palavra, este projeto obriga o Fed a enfraquecer as regras mesmo para os maiores bancos com mais de 250 mil milhões de dólares em ativos. Como o ex-presidente da CFTC (Commodity Futures Trading Commission) Gary Gensler escreveu ao Senado este mês, essa mudança “pode sujeitar o governo a lobby adicional e a possíveis litígios individualmente com bancos que querem que as regras lhes sejam especialmente adaptadas”.

O senador Dodd identificou esse limiar de 250 mil milhões de dólares como a principal razão pela qual ele não pode apoiar este projeto de lei.

Ele disse que “o limite de US $ 250 mil milhões é muito alto e aumenta o perigo de um efeito económico em cascata”.

Em quarto lugar, este projeto de lei faz uma outra mudança para permitir que os grandes bancos obtenham de empréstimo mais dinheiro do que o que podem assumir, o que, mais uma vez, coloca os contribuintes e a nossa economia em risco.

O New York Times descreveu esta disposição como sendo uma regra enfraquecedora da regra anterior “destinada a manter que os bancos assumam grandes riscos sem se prepararem adequadamente para um desastre”. O Washington Post informou que o JPMorgan Chase e o Citigroup podem obter um ganho combinado excecional de 30 mil milhões de dólares se esta disposição é promulgada.

Em quinto lugar, este projeto de lei afasta as principais regras sobre hipoteca postas em prática após a última crise. Este projeto lei inclui várias disposições que, quando tomadas em conjunto, enfraquecem a transparência, a inclusão e a imparcialidade no crédito hipotecário.

O projeto de lei torna mais fácil para alguns credores enganar as famílias em hipotecas que não podem pagar – e tira o direito a essas famílias de levarem o banco a tribunal.

O projeto também elimina dados essenciais usados para monitorizar as tendências dos empréstimos hipotecários e identificar a discriminação contra as comunidades de cor.

Sabemos que, em muitos lugares do país, é muito mais provável que as pessoas de cor sejam rejeitadas sem qualquer razão válida para obterem um empréstimo. Mas sem esses dados, não saberemos quando é que essa linha está a ser ultrapassada.

Em sexto lugar, por motivos que não posso sequer fingir que entendo, este projeto ajuda a Equifax [N.T. agência de informação de crédito ao consumo, entre as três maiores dos EUA].

Sim, a mesma Equifax que permite que piratas informáticos roubem 148 milhões de dados pessoais dos americanos, incluindo datas de nascimento, números da Previdência Social e moradas.

A mesma Equifax cujo ex-executivo foi precisamente hoje acusado de abuso de informação privilegiada (insider trading) por ter vendido as suas ações pouco antes de a empresa anunciar a sua falha sobre a violação de dados.

Em troca de uma pequena disposição que ajuda os membros de serviço a vigiar o seu crédito, o projeto obriga-os a desistir do seu direito de levar a Equifax a tribunal na próxima vez que a imprudência da empresa expuser dados financeiros confidenciais.

Como se isso não fosse já suficientemente mau, o projeto de lei também oferece à Equifax uma grande oportunidade de negócio, direcionando o nosso órgão regulador federal a adotar um novo modelo de pontuação de crédito que beneficiará uma empresa co-criada pela Equifax.

Isso dará a uma empresa que coloca metade da população americana em risco de roubo de identidade, o poder de decidir quem pode obter uma hipoteca.

E o que obtém o povo americano em troca dessas coisas boas para os grandes bancos e para Equifax?

Terá que pagar a conta.

O Departamento de Orçamento do Congresso (CBO-Congressional Budget Office) – independente e não partidário – confirmou que este projeto aumentaria a probabilidade de um grande colapso bancário e de uma crise financeira, o que aumentaria o défice.

Mesmo após o acréscimo de linguagem compensando alguns dos custos do projeto, esta legislação aumentaria o défice em 455 milhões de dólares em dez anos.

Deixe-me repetir isso – o apartidário CBO descobriu que este projeto aumentaria a probabilidade de uma grande falência bancária e de uma crise financeira. Então, por favor, não nos venham dizer que este projeto de lei não reverte a lei Dodd-Frank para os maiores bancos.

Nesta cidade, nunca ninguém pode encontrar um único dólar extra quando precisamos de resolver a nossa crise das pensões de reforma ou de investir em infraestruturas ou ainda de remover o chumbo tóxico de lares de crianças.

Mas quando os grandes lobistas do banco telefonam, o Senado renunciará às suas regras orçamentais para satisfazer os anseios de Wall Street.

Deixem-me também lembrar a esta câmara como foi difícil aprovar as reformas que passamos após a última crise. O Senado considerou 14 emendas republicanas separadas para a lei Dodd-Frank, além de outras 12 dos democratas. Dessas 26 emendas, cinco emendas republicanas foram adotadas, assim como 10 dos democratas.

Durante o Comité de Conferência – que foi televisionado ao vivo pela CSPAN durante 48 horas – outras 17 emendas republicanas do Senado foram aceites, assim como 22 emendas dos democratas do Senado.

Comparem esse processo aberto com o que vemos neste projeto lei. Não foram aprovadas alterações substanciais no Comité, embora eu reconheça ao presidente Crapo que pelo menos permitiu alterações.

No plenário do Senado, foi ainda pior – democratas e republicanos estavam completamente indiferentes, não conseguindo apresentar uma única emenda. Nenhum debate, nenhuma deliberação, nenhuma alteração.

Por fim, deixem-me alertar os meus colegas de que, se aprovarmos este projeto lei, não a entregaremos à última administração. Não estamos a confiá-la à equipa de limpeza da última crise, para que essa a promulgue.

Em vez disso, estamos a confiá-la aos que se aproveitaram da última crise, os negadores da última crise, com a implementação destes grandes brindes bancários.

Eu não sei sobre os outros nesta câmara, mas eu não estou disposto a colocar uma confiança cega nas pessoas que já falharam antes.

Quarles, Mulvaney, Otting e Mnuchin – estamos à espera que essas pessoas que, do nosso ponto de vista, falharam tão espetacularmente, e com consequências tão graves, nos protejam da próxima vez? Nada nos seus registos públicos nos pode levar a conceder-lhes a nossa confiança. Esta é a enorme amnésia coletiva.

Mas as famílias de Ohio não se esqueceram. As pessoas em todo o país ainda estão a lutar – seja para reconstruir as suas poupanças ou para trabalhar num emprego mal remunerado que levou dois anos para encontrar, ou para pagar as dívidas de empréstimos estudantis quando um fundo escolar foi eliminado.

Estas são as pessoas que nos colocaram aqui para as servirmos. O que é que este projeto de lei faz por eles e pelos problemas que as suas vidas enfrentam?

Apelo aos meus colegas para que rejeitem este projeto de lei. Peço aos meus colegas que se questionem – de que lado estamos? Do lado de interesses especiais e de Wall Street, ou do lado dos contribuintes e proprietários de casas próprias, dos estudantes e dos trabalhadores?

 

Sherrod Brown, Speech On Foreign Banks And S.2155, The Dodd-Frank Roll Back Bill, March 12, 2018, Senado americano e disponível em:   https://www.brown.senate.gov/newsroom/press/release/brown-floor-speech-on-s2155-the-dodd-frank-roll-back-bill__

 

 

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