Homenagem ao Carlos Tenreiro, uma série de textos sobre questões de macroeconomia e de alta finança – 14. A vingança dos bancos com direitos de nome de estádio (3ª parte). Por David Dayen

Carlos Tenreiro
Carlos Tenreiro, um estudante de excecional maturidade emocional, de rara cultura, de rara sensibilidade e de alta capacidade pedagógica para transmitir o que sabia e até muitas vezes a gerar nos estudantes uma apetência por aquilo que ele mesmo ainda não sabia, mas que faria parte da sua trajetória de conhecimentos a desenvolver.

 

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

14. A vingança dos bancos com direitos de nome de estádio (3ª parte).

Por David Dayen David Dayen

The Intercept, 2 de março de 2018

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Os fãs de Baltimore Ravens em marcha para se manterem em fila no estádio M&T Bank em 19 de setembro de 2014, em Baltimore, Md. Photo: Patrick Smith/Getty Images

 

Os bancos estádio

Os maiores brindes do S. 2155 não irão para os bancos comunitários financiadores, mas para o que um assessor do Senado apelida de bancos de estádio. “Se alguém consegue obter direitos de nome de um estádio, garantidamente não será um banco comunitário”, disse o assessor.

Na verdade, por todo o mundo há 18 bancos estádio assim designados por um dos bancos que irão obter uma ajuda significativa com este projeto de lei. Os benefícios vêm principalmente da seção 401, que muda o limiar da lei Dodd-Frank no que diz respeito aos padrões de regulação e de controlo reforçados geridos pelo Fed. Atualmente, qualquer banco com mais de $50 mil milhões de ativos está sujeito a tais normas, que incluem requisitos adicionais de capital próprio e de liquidez, testes de esforço e gestão de risco reforçada. O projeto de lei eleva esse limiar para $100 mil milhões e para $250 mil milhões no prazo de 18 meses.

Isso iria libertar 25 dos 38 maiores bancos dos EUA do regime de regulamentos reforçados, incluindo o Citizens Bank (Philadelphia Phillies), Comerica (Detroit Tigers), M&T Bank (Baltimore Ravens), SunTrust (Atlanta Braves), KeyBank (Buffalo Sabres), BB&T (Wake Forest University), Regions Bank (AA baseball’s Birmingham Barons), e Zions Bank (Salt Lake City’s Real Monarchs of Major League Soccer). Os bancos de estádio têm pressionado desde há anos por essa mudança, e eles estão prestes a obtê-la. E mesmo o presidente do Fed, Jerome Powell, enquanto apoiava o projeto de lei, apelidou a seção 401 de “a peça mais significativa” na legislação.

Embora o ex-diretor de regulamentação financeira do Fed, Daniel Tarullo, e o autor da lei Dodd-Frank, Barney Frank, tenham apoiado o movimento da passagem para US $ 100 mil milhões, a passagem para entidades bancárias de 50 mil milhões para 250 mil milhões incluiria empresas que historicamente têm sido problemáticas. “A última crise mostrou que três bancos na faixa de US $ 100 a US $ 250 [mil milhões] mostraram serem sistémicos, porque os reguladores tiveram que providenciar um rápido resgate ou venda de emergência”, disse Arthur Wilmarth, professor de direito da Universidade George Washington. O National City era um banco de US $ 145 mil milhões e um dos principais criadores de créditos subprime quando faliu e foi vendido ao PNC. O braço de financiamento da General Motors, GMAC, tinha US $ 210 mil milhões em ativos quando recebeu US $ 17,2 mil milhões em dinheiro de resgate e outros US $ 7,4 mil milhões em garantias depois de desmoronar sob o peso de empréstimos de má qualidade. E Countrywide, um dos maiores credores de subprime da América, tinha US $ 200 mil milhões em ativos quando foi vendido sob coação ao Bank of America. Indo ainda mais atrás, se ajustarmos o tamanho da Continental Illinois pela inflação quando recebeu um resgate federal em 1984, ele cairá na faixa de US $ 100 a US $ 250 mil milhões.

“No auge da crise, o Countrywide estava a criar uma hipoteca em cada cinco que se criavam no país”, disse Warren. “E é uma firma mais pequena que alguns dos bancos desregulamentados por este projeto de lei”. Warren acrescentou que os bancos de estádio desregulamentados no S.2155 receberam um total de US $ 47 mil milhões em fundos de resgate diretamente, e mais milhões de milhões em garantias de empréstimos e de empréstimos de urgência concedidos pela Reserva Federal. “O projeto lei diz que um banco de US $ 200 mil milhões deve ser regulamentado da mesma forma que um pequeno banco comunitário. Isso é uma loucura, e extremamente perigoso”.

Outras figuras da reforma financeira intimamente envolvidas com a criação de Dodd-Frank estão a tomar posição contra a nova medida. O antigo presidente do FED, Paul Volcker, argumentou, numa carta ao Comité Bancário, que elevar o limite para US $ 250 mil milhões colocava o sistema financeiro global em risco significativo. E mesmo um em tempos oponente de Warren, Antonio Weiss, um alto funcionário do Departamento do Tesouro de Obama, criticou a mudança, numa carta, como sendo “indesejável e potencialmente perigosa”, refletindo a linguagem de Warren.

Wilmarth observou que os bancos de estádio tipicamente têm os modelos de negócios e as ambições dos grandes bancos, e os problemas que se tem com eles geralmente servem de sinal de alerta precoce. “É como uma manada de elefantes”, disse ele. “Se algum cair sobre o penhasco, é provável que arraste outros com ele. E o mercado descobre isso. Assume que, se os grandes bancos regionais estiverem em dificuldade, isso fica-se a saber mais cedo e isso também não será escondido “.

Em teoria, o Federal Reserve poderia reaplicar padrões reforçados aos bancos entre US $ 100 a US $ 250 mil milhões após o S.2155 entrar em vigor. Na verdade, o Conselho da Reserva Federal escolhido a dedo por Trump, que tem os seus próprios objetivos quanto à desregulação, muito provavelmente não fará grande coisa.  E os tribunais criaram um efeito dissuasivo. Quando o Conselho de Supervisão da Estabilidade Financeira (FSOC) tentou aplicar padrões reforçados para a seguradora não bancária MetLife, o que lhe é permitido pela lei Dodd-Frank, a MetLife bloqueou com sucesso essa indicação, argumentando que o FSOC não utilizou suficientemente uma análise custo-benefício. Sarah Bloom Raskin, que serviu no Fed de 2010 a 2014, considerou a ideia de que o Fed aplicaria proactivamente padrões reforçados de supervisão como o “ouro legislativo de um tolo”.

O Presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, disse na quinta-feira que apoiava o aumento do limiar e que o projeto de lei “nos dá as ferramentas que precisamos” para aplicar padrões reforçados de supervisão aos bancos sob a sua alçada. Mas alguns discordam. “Eu acho improvável que este Fed ou na verdade qualquer outro Fed seja capaz de reunir a iniciativa política para aplicar os padrões reforçados”, disse Jeremy Kress, um antigo advogado do Fed e agora um professor na Universidade de Michigan. “Essas regras seriam muito vulneráveis a um confronto o que, em primeiro lugar, desincentiva o FED de as aplicar.”

Na verdade, o Fed já tinha poder discricionário para regular os bancos de risco sistémico antes da crise e nós vimos como isso acabou. “O objetivo do limiar era para que o FED se sentisse obrigado a não tirar os olhos da bola ou seja para que não se desconcentrasse do seguimento desses mesmos bancos”, disse Marcus Stanley da Americans for Financial Reform, um crítico da legislação. “Os democratas estão a incentivar o Fed, o Fed de Trump, a tirar os olhos da bola.”

Aumentar o limiar para os bancos de estádios provavelmente também afetará as operações nos EUA de bancos estrangeiros globalmente sistémicos, ou seja de bancos como Barclays (Brooklyn Nets), Bank of Montreal (Toronto FC da Major League Soccer), BBVA Compass (Houston Dynamo, MLS), Santander (minor-league baseball’s York Revolution), e Deutsche Bank (um estádio equestre em Aachen, na Alemanha). Estes bancos estrangeiros também obtiveram na crise fundos de resgate dos EUA, e têm praticado enormes ilegalidades, como a manipulação sobre taxas de câmbio e sobre taxas de juros, a lavagem de dinheiro, a evasão fiscal, as transações com países alvos de sanções, a fraude hipotecária e as penhoras ilegais, para não falar já do caso do Deutsche Bank, o banqueiro pessoal de Donald Trump.

Depois da lei Dodd-Frank, o Fed criou uma estrutura intermediária de empresa holding para as operações dos bancos estrangeiros nos Estados Unidos, de modo que o dinheiro não poderia ser repatriado para os países de origem numa situação de crise. O Fed submeteu os bancos com mais de $50 mil milhões em ativos internos a padrões reforçados de supervisão, para manter a “igualdade de oportunidades competitivas” com os bancos dos EUA. Se o limiar é elevado para os bancos de estádio, a disposição da igualdade provavelmente desencadeará que o Fed faça o mesmo para os bancos estrangeiros, afetando todas as grandes empresas nos EUA, exceto o HSBC, que detém ativos americanos acima de 250 mil milhões de dólares.

Brown, o senador democrata de Ohio, perguntou ao Secretário do Tesouro Steven Mnuchin, num testemunho no Senado em janeiro, se os bancos estrangeiros devem esperar um afrouxamento na regulação e Mnuchin respondeu: “isso é correto.” A recomendação para elevar o limiar dos bancos estrangeiros, na verdade, está escrita num relatório do departamento do Tesouro de junho sobre a regulamentação financeira.

Os partidários do projeto de lei rejeitam veementemente essa inferência. “Essas ideias são um mito e certamente não fazem parte do texto do S. 2155”, disse Tester numa audição da Comissão na quinta-feira. Os apoiantes democratas do documento “factos versus ficção” afirmam que nada no S. 2155 muda a estrutura intermediária da holding, “que sujeita as operações de um banco estrangeiro nos EUA a exigências semelhantes às impostas aos bancos dos EUA”. Mas isso desvia-se da questão: se os bancos dos Estados Unidos são desregulados, as operações dos bancos estrangeiros nos Estados Unidos irão gozar do mesmo tratamento.

Da mesma forma, Tester conseguiu de Powell, o Presidente do FED, que dissesse que o S. 2155 não requer que o Fed enfraqueça as normas prudenciais da lei Dodd-Frank. Mas o facto é que os bancos estrangeiros gritariam “Ilegal” se as suas operações nos Estados Unidos inferiores a 250 mil milhões de dólares em ativos. fossem obrigadas a um tratamento desigual relativamente aos bancos nacionais. Daí provavelmente resultariam litígios. Uma enorme pressão seria imposta. E o Fed não tem um bom historial de fazer frente a isso.

(continua)

Kate Aronoff, Aída Chávez, Lee Fang, e Ryan Grim contribuiram para este artigo.

Texto original em https://theintercept.com/2018/03/02/crapo-instead-of-taking-on-gun-control-democrats-are-teaming-with-republicans-for-a-stealth-attack-on-wall-street-reform/

David Dayen: jornalista que escreve sobre economia e finanças. Autor de Chain of Title: How Three Ordinary Americans Uncovered Wall Street’s Great Foreclosure Fraud, vencedor do prémio Ida e Studs Terkel. Colabora com Salon.com e com The Intercept, e escreve semanalmente em The New Republic e em The Fiscal Times. Outros locais onde publica incluem Vice, The American Prospect, Naked Capitalism, In These Times e outros.

 

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