A ITÁLIA NA ENCRUZILHADA – III – POR ANNA ROSA SCRITTORI – tradução de MANUEL SIMÕES

 

O contrato

Com a bênção de Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump e amigo do Ku Klux Klan, viu finalmente a luz, em 1 de Junho, o novo governo italiano, precisamente a tempo de festejar o 72.º aniversário do nascimento da República Italiana no referendum de 2 de Junho de 1946. O novo executivo é, como é sabido, o resultado de um contrato de governo subscrito pelos quase vencedores das eleições de 4 de Março último, “M5S” e “Lega”. O contrato articula-se numa série de disposições absolutamente incompatíveis entre si, como a redução dos impostos, simpática para o eleitorado leguista do Norte, e o rendimento de cidadania previsto pelo M5S para os desempregados do Sul, medidas muito custosas e sem adequada cobertura financeira.

A equipa governativa, obviamente, regista as opostas ideias políticas dos contraentes: os “grillini” (de Beppe Grillo) empenhados nos ministérios mais socialmente relevantes, Trabalho, Indústria, Saúde, Justiça, Ambiente, Bens Culturais…, os “leguistas”, por sua vez, nos lugares atinentes às políticas de controle, como Imigração, Família, Defesa, Segurança, Administração do Estado. Como elemento de união entre os “opostos extremismos” foram investidos nos ministérios-chave – Economia, Negócios Estrangeiros, Políticas Comunitárias – alguns técnicos, ex-ministros ou directores de importantes instituições, todos da área da direita. A mediação entre os vários grupos será assegurada pelo primeiro-ministro, Giuseppe Conte, jurista da Universidade de Florença, desconhecido do grande público porque não tem qualquer experiência política precedente. Como garantia da sua operosidade governativa pensarão os dois vice-primeiro-ministros, Salvini e Di Maio,os quais, ocupados a dirigir os ministérios-chave para a vida do governo, como o do Interior (Salvini) e o do Trabalho e Políticas Industriais (Di Maio), ditarão de facto a agenda política, coadjuvados pelo subsecretário à Presidência do Conselho, Gian Carlo Giorgetti, expoente leguista de grande relevo.

A crise dos finais de Maio

A formação do governo Conte aconteceu como conclusão de uma semana de gravíssimas tensões político-institucionais que puseram em causa a ordem democrática da nossa República. A crónica dos acontecimentos que se sucederam de 26 a 31 de Maio é assaz significativa:

26 de Maio: o contrato do “governo de mudança” é finalmente apresentado ao Presidente da República, Sergio Mattarella, o qual confere ao prof. Conte o encargo de formar o novo governo.

28 de Maio: o Presidente, que constitucionalmente tem o poder de NOMEAR os ministros propostos pelo presidente do conselho, mostra-se perplexo em relação ao ministro sugerido para a pasta da Economia, Paolo Savona, pelas suas conhecidas posições anti-euro; Matteo Salvini considera inaceitável o veto do presidente e pede novas e imediatas eleições; Giuseppe Conte renuncia ao encargo. O presidente da República explica aos italianos que a sua acção, plenamente constitucional, é ditada pela necessidade de proteger as poupanças da especulação internacional, os famosos mercados que já há algum tempo registam oscilações e indícios negativos sobre os títulos italianos emitidos para financiar o pesado débito público do país.

29 de Maio: Di Maio e os pós-fascistas pedem a destituição do presidente Mattarella; Salvini, por sua vez, reclama a imediata dissolução das câmaras para realizar novas eleições depois de as comissões parlamentares (ainda não formadas) terem aprontado uma nova lei eleitoral de tipo presidencialista. Mattarella responde às provocações confiando a Carlo Cottarelli, ex-comissário do Fundo Monetário Internacional, o encargo de formar um governo técnico com a tarefa de conduzir a Itália para novas eleições (no Verão, no Outono?).

30 de Maio: com a habitual reviravolta, Di Maio esquece o pedido de destituição e retoma o diálogo com o Quirinale (PR); o próprio Salvini aceita trocar o destino ministerial de Savona (Políticas Comunitárias), até porque as novas e imediatas eleições poderiam ser arriscadas para ele, que, porém, é o verdadeiro vencedor do jogo para formar o novo governo. A presença da Itália na UE não é, POR AGORA, objecto de discussão.

31 de Maio: Carlo Cottarelli, louvado por todos os italianos como um verdadeiro servidor do Estado, renuncia ao cargo para deixar o campo aberto ao governo político presidido por Conte.

1 de Junho: o “governo de mudança” faz o juramente perante o presidente Mattarella, que, a meu ver,  soube conduzir as complexas peripécias com grande paciência e determinação.

Apostila

Em 4 e 5 de Junho o governo Conte obteve amplo consenso de ambos os ramos do Parlamento. Conte fez uma ampla apresentação do seu “governo de mudança”, seguindo, passo a passo, o conteúdo do contrato, mas sem resolver as contradições (financiamento e tempos das várias medidas). O primeiro-ministro assegurou, além disso, a plena fidelidade do seu governo à NATO, mas, ao mesmo tempo, declarou-se contrário às sanções contra Putin, e, de resto, são conhecidas as simpatias de Matteo Salvini por Putin e pelas soluções adoptadas pelos membros do grupo de Viesegrad (o húngaro Orban) sobre o tema dos migrantes (muros, detenções e expulsões forçadas).

O facto é que a vitória dos soberanistas e populistas mudou totalmente o quadro político italiano: os ministros mais influentes comportam-se, como já se diz, como homens de luta e de governo, empenhados numa perene campanha eleitoral. Sob o machado fascista salviniano o centro-direita despedaçou-se, Berlusconi está na oposição como o PD. Esquerda, se existes, dá um sinal…

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