Seleção e tradução de Francisco Tavares
Como bem diz o meu amigo Júlio Mota, este é um excelente texto que “levanta de uma outra forma a questão central posta por Arghiri Emmanuel: o mais difícil é vender! Entre o produzir e vender há, pois, uma pletora de custos e empregos «inúteis»! (máquina financeira, ratings e as comissões independentes para os fabricar, etc.)“. E que “produto” vender? Quanto não se investe em ativos intangíveis para vender o produto? Com mais riscas, menos curvas, menos cores. mais cores, às bolinhas, às riscas……… (agora até já se vendem calças com buracos nos joelhos!), sem dúvida que não será fácil delimitar as fronteiras dos custos e empregos “inúteis”.
A Economia de Soma Zero
Por Adair Turner
Publicado por em 15 de agosto de 2018
O antropólogo David Graeber argumentou que cerca de 30% de todo o trabalho é realizado em “trabalhos de merda”, que são desnecessários para produzir bens e serviços realmente valiosos, mas que surgem da competição por rendimento e estatuto. Mas o problema mais profundo é que mais e mais atividade económica realiza uma função meramente distributiva.
Londres – Em toda a economia global, o potencial de automatização parece enorme. A “Speedfactory” da Adidas na Baviera empregará 160 trabalhadores para produzir 500 mil pares de sapatos por ano, uma taxa de produtividade cinco vezes maior do que nas fábricas típicas de hoje. O British Retail Consortium estima que os empregos de retalho poderiam cair de três milhões para 2,1 milhões em dez anos, com apenas uma pequena fração substituída por novos empregos de retalho online. Muitas empresas de serviços financeiros veem o potencial de reduzir os empregos de processamento de informação para uma pequena fração dos níveis atuais.
E, no entanto, apesar de tudo isto, o crescimento da produtividade nas economias desenvolvidas diminuiu. Uma possível explicação, recentemente considerada por Andrew Haldane, economista-chefe do Banco de Inglaterra, é que enquanto algumas empresas rapidamente captam as novas oportunidades, outras apenas o fazem lentamente, produzindo uma ampla dispersão de produtividade mesmo dentro do mesmo setor. Mas a dispersão sozinha não pode explicar a desaceleração do crescimento da produtividade: isso exigiria um aumento no grau de dispersão.
No entanto, concentrar-se em como a tecnologia é aplicada aos empregos existentes pode ser olhar para o lugar errado, pois a chave do paradoxo da produtividade pode, em vez disso, ser encontrada nas atividades para as quais os trabalhadores desempregados se movimentam. David Graeber, da London School of Economics, argumenta que cerca de 30% de todo o trabalho é realizado em “empregos de merda”, que são desnecessários para produzir bens e serviços realmente valiosos, mas que surgem da competição por rendimento e estatuto.
Graeber convenientemente vê o mundo da perspetiva de um antropólogo, não de um economista. Mas a frase “empregos de merda” e o seu foco em trabalhadores desmotivados que fazem trabalho sem sentido podem desviar a atenção da questão essencial: trabalhadores individuais podem considerar como estimulantes e valiosos muitos empregos que não podem, em conjunto, contribuir para o bem-estar total.
Suponha, por exemplo, que você se preocupasse ferverosamente com os objetivos de uma instituição de caridade em particular, tivesse um talento para arrecadar fundos e aumentasse com sucesso a parcela de doações disponíveis para a instituição beneficente. Você provavelmente sentir-se-ia motivado e bem, mesmo que tudo o que fizesse fosse desviar dinheiro de outra instituição de caridade sobre a qual outro angariador de fundos igualmente motivado era igualmente apaixonado.
A questão económica crucial, portanto, não é se os empregos individuais são “uma merda”, mas se eles executam cada vez mais uma função distributiva de soma zero, pelo que a dedicação de cada vez mais competências, esforço e tecnologia não podem aumentar o bem-estar humano, tendo em atenção as competências, esforço e tecnologia aplicadas no outro lado do jogo competitivo.
Numerosos trabalhos enquadram-se nessa categoria: criminosos cibernéticos e especialistas em informática empregados pelas empresas para repelir os seus ataques; advogados (tanto pessoais como corporativos); grande parte da negociação financeira e gestão de ativos; contabilistas e funcionários de receita; publicidade e marketing para construir a marca X às custas da marca Y; ativistas de políticas rivais e think tanks; até professores que procuram garantir que os seus alunos atinjam as notas relativas mais altas que sustentam o sucesso futuro.
Medir que parte de toda a atividade económica é de soma zero é inerentemente difícil. Muitos empregos envolvem atividades verdadeiramente criativas e meramente distributivas. E atividades de soma zero podem ser encontradas em todos os setores; empresas de manufatura podem empregar contabilistas fiscais para minimizar passivos e altos executivos que se concentram em engenharia financeira.
Mas os dados disponíveis sugerem que as atividades de soma zero cresceram significativamente. Como Gary Hamel e Michele Zanini apontam num recente artigo da Harvard Business Review, cerca de 17,6% de todos os empregos nos EUA, recebendo 30% de toda a remuneração, estão em funções “de gestão e administrativas” que provavelmente envolvem uma atividade significativa de soma zero. Entretanto, o emprego em empresas financeiras e de “serviços empresariais” cresceu de 15% para 18% de todos os empregos nos EUA nos últimos 20 anos e de 20% para 24% do produto.
Hamel e Zanini argumentam que, se pudéssemos tão só eliminar os trabalhos de gestão desnecessários, a produtividade poderia aumentar. Mas o crescimento das atividades de soma zero pode ser mais inerente do que eles pensam. Como o progresso tecnológico nos torna mais ricos em termos de muitos bens e serviços básicos – sejam carros ou eletrodomésticos, refeições em restaurantes ou chamadas de telemóvel -, pode ser inevitável que mais atividades humanas sejam dedicadas à competição de soma zero por rendimento e ativos disponíveis.
À medida que a nossa capacidade de produzir bens de alta qualidade com menos pessoas aumenta, o valor pode vir a ficar cada vez mais em marcas subjetivas, e as empresas racionais dedicarão recursos a atividades como análise de mercado, engenharia financeira e planeamento fiscal. Eventualmente, quase todo o trabalho humano poderá ser dedicado a atividades de soma zero.
Independentemente de os robôs conseguirem ou não inteligência de nível humano, é esclarecedor considerar como seria uma economia se pudéssemos automatizar quase todo o trabalho necessário para produzir os bens e serviços que o bem-estar humano exige. Existem duas possibilidades: uma é um aumento dramático no lazer; a outra é que cada vez mais trabalho seria dedicado à competição de soma zero. Dado o que sabemos sobre a natureza humana, a segunda possibilidade parece desempenhar um papel significativo.
Como argumentei numa conferência recente, tal economia provavelmente seria muito desigual, com um pequeno número de especialistas em TI, estilistas de moda, criadores de marcas, advogados e operadores financeiros ganhando enormes rendas. Paradoxalmente, a coisa mais física de todas – a terra de localização desejável – dominaria os valores dos ativos, e as regras sobre heranças seriam um fator determinante da riqueza relativa.
Nas palavras de John Maynard Keynes, teríamos resolvido “o problema económico” de como produzir tantos bens e serviços quanto quiséssemos, mas enfrentaríamos as questões mais difíceis e essencialmente políticas de como ter sentido num mundo onde o trabalho deixa de ser necessário, e como governar de forma justa a tendência humana inerente para a competição de estatuto. Procurar resolver estes desafios por meio do desenvolvimento tecnológico acelerado e do crescimento mais rápido da produtividade seria como perseguir uma miragem.
Texto disponível em https://www.project-syndicate.org/commentary/zero-sum-economy-fuels-high-inequality-by-adair-turner-2018-08
Adair Turner colabora com Project Syndicate desde 2010