Corria o ano de 2000. Preparávamos o programa do que iria ser o nosso 2º Encontro (do Centro Doutor João dos Santos – Casa da Praia), a que chamámos “Transições – da 1ª infância à Adolescência”. Alguém atirou para a mesa: “E se convidássemos o Saramago para “À Conversa com…”. A ideia era gira, mas havia muitos cépticos: “Ora, ele não vai aceitar…” E não é que aceitou mesmo?!!
Pois, e assim, à conversa com ele esteve Ana Maria Vieira de Almeida, tendo como mote a frase de João dos Santos “O segredo do Homem é a própria Infância” e a de José Saramago “Deixa-te levar pela criança que foste”.
Saramago chegou ao Hotel Penta, onde decorria o Encontro, à hora indicada. Nervosos o recebemos e encaminhámos para a sala. Com ar sério, assim entrou, falou, e saiu, sem pouco mais termos oportunidade de lhe agradecermos. Há de haver uma foto da Mesa, mas não a encontramos.
Tiremos das Actas desse Encontro:
“Falamos muito de globalização, e fala-se muito dos Direitos Humanos. Em 1998, justamente quando me deram o Prémio, comemorava-se 50 anos da assinatura da Carta dos Direitos Humanos, em Nova Iorque, 10 de Dezembro de 1948. Não faltaram festividades, congressos, selos, inaugurações. Os 50 anos foram celebradíssimos, no ano seguinte, os 51 já não vale a pena celebrar. Agora, vamos esperar mais 49 para que se celebre o centenário. E é assim que a gente vive.
E não se repara numa coisa tão simples e, tal como eu a vejo, tão óbvia. É que a globalização económica é totalmente incompatível com os direitos humanos. Ou tens direitos humanos ou tens globalização. Os dois dentro do mesmo saco não cabem. A globalização devorará os direitos humanos, e os direitos humanos não têm poder nenhum para deter o processo de globalização para onde ela vai.
Isso leva-me a dizer que a grande batalha do século humano é, precisamente, a defesa dos direitos humanos. E leva-me a dizer coisas tão insolentes como esta: que os partidos de esquerda, a começar pelo meu, metam os programazinhos na gaveta, fechem à chave porque não vale a pena falar, tal como não valeu a pena falar de socialismo democrático, sabíamos que ninguém sabia o que era, agora fala-se e é uma invenção do meu partido, de democracia avançada, que também não se sabe o que é. São fórmulas. Então, ponham lá isso na gaveta e digam: a nossa bandeira e o nossos projecto está aqui, chama-se Carta dos Direitos Humanos. Porque, curiosamente, aquilo que os partidos se propõem fazer está contido nesse papel, são 37 ou 38 deveres que, directa ou indirectamente, são os que dão forma e conteúdo a esses programas políticos. E isto tem de ser entendido, ou vamos ter uma coisa, ou vamos ter outra. E, curiosamente, já começam os responsáveis pelo caminho que isto levou, a dizer que convém controlar a globalização. O que é outra forma de nos enganar, com papas e tolos se enganam os tolos. Porque a gente passa a pensar que se eles estão preocupados, isto vai. Não, não, ou uma coisa ou outra.”
Foi um momento inesquecível! Afinal este Prémio Nobel da Literatura era uma pessoa acessível e disposta a partilhar.