A OPINIÃO DE DANIEL AARÃO REIS – UM SORRISO NO ESCURO

 

Ela veio ao mundo em Zamosc, no interior da Polônia russa, em 5 de março de 1871. De família judia, teve uma infância difícil. Uma displasia congênita deixou-a manca. O nariz grande e os cabelos crespos não se enquadravam nos padrões estéticos. Em compensação, a família amorosa e bem-humorada envolveu-a com afetos. Admiravam sua inteligência sensível,  crítica e rebelde. Havia fogo naquela alma, observara o pai.

A rebeldia aumentou em Varsóvia, para onde se mudou a família. Como compreender a combinação de opulência e miséria? O pensamento de Marx pareceu-lhe persuasivo, mas teve que partir,  com apenas 17 anos, para Zurich, na  Suiça, onde havia uma universidade aberta para mulheres. Ao dizer-lhe adeus, segredou-lhe a irmã: “vai, mana, você é a única que pode fazer famoso o nome de nossa família”.

Em Zurich,  abriram-se amplos horizontes. Ali encontrou o primeiro amor: Leo Jogisches. Com ele fundou, em 1893,  o Partido Social Democrata do Reino da Polônia e da Lituânia e  discursou num congresso internacional. Anos depois, publicou sua  tese de doutorado sobre o desenvolvimento industrial da Polônia. A mãe ainda pode ver o livro de autoria da Doutora Rosa Luxemburgo, e chorou, comovida.

Em 1898, com 27 anos, desembarcou em Berlim,  sede do partido social-democrata alemão, considerado o maior do mundo. Comentou: “cheguei como estrangeira e completamente só”.

Afirmou-se onde pontificavam, salvo exceções, apenas homens. Oradora, redatora, professora, teórica,  lidaria com as questões candentes do movimento revolucionário.

Com Eduardo Bernstein, discutiu as relações complexas entre reforma e revolução. Não havia porque separá-las, deveriam, antes, articular-se, em proveito da segunda. Polemizou com Vladimir Lenin sobre a questão nacional, enfatizando o caráter internacional da proposta socialista. Questionou o autoritarismo leninista. O socialismo deveria ser  expressão da consciência, das lutas e das organizações autônomas dos trabalhadores, e não obra de vanguardas iluminadas. E deveria ser, necessariamente,  livre e democrático.  Contra K. Kautsky e A. Bebel, principais lideranças alemãs, denunciou o abandono  dos princípios em benefício de uma gestão “social” do capitalismo.

Inspirada pelos revolucionários russos de 1905, cultivando ilimitada confiança na classe operária,  Rosa elaborou a experiência da greve política de massas. Acreditava no movimento para superar a estagnação política.

Quando explodiu a I Grande Guerra, quase todos os companheiros aliaram-se, a reboque, aos governos europeus na maior carnificina que a história jamais concebera. Era para desesperar.

Em julho de 1916, Rosa foi presa, pela terceira vez, agora por seus escritos contra a guerra. Da cadeia, continuou denunciando aquela orgia de horrores. Acompanhou esperançosa e inquieta a revolução russa. Lamentava “a imobilidade de cadáver do proletariado alemão” e as tendências anti-democráticas dos bolcheviques.

Em novembro de 1918, afinal, proclamou-se a república alemã. Anistiada, Rosa reganhou a liberdade. Nesta altura formara-se um partido alternativo à social-democracia. Dali nasceu o partido comunista alemão, ao qual se filiou, sem grandes certezas. Empolgados com o rumo e o ritmo dos acontecimentos, os comunistas envolveram-se numa insurreição em Berlim. Cedo demais? Depois da tentativa derrotada, o cerco apertou.  Foi presa e espancada, antes de ser  assassinada, em 15 de janeiro de 1919. Triplamente culpada:  mulher, judia e revolucionária.

Ao longo  da vida, no turbilhão da militância, Rosa nunca desistiu de amar. Namorou diversos homens de diferentes idades,  desafiando, sempre, o senso comum e a moral estabelecida. 

Ela gostava de dizer: “no escuro, sorrio para a vida…procuro dentro de mim alguma razão para esta alegria, e nada encontrando…acredito que o segredo não é senão a própria vida…”

Morreu acreditando na revolução inevitável que não aconteceu e no socialismo democrático que ainda está por nascer. Legou-nos a difícil arte de sorrir no escuro.

Daniel Aarão Reis

Professor de História Contemporânea da UFF

Email: daniel.aaraoreis@gmail.com

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