Esta é a Guerra das ilhas Falkland de Boris Johnson e este fará tudo o que puder para a ganhar. Por Allister Heath

Espuma dos dias

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Esta é a Guerra das ilhas Falkland de Boris Johnson e este fará tudo o que puder para a ganhar 

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Publicado por telegraph_OUTLINE-small em 28 de agosto de 2019 (ver aqui)

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O nº 10 acredita genuinamente que este é um momento de “fazer ou morrer”.

Quando Winston Churchill foi questionado sobre se o pessoal de Downing Street poderia ter uma semana de férias para o Natal, ele recusou imediatamente. Estávamos em 1940 e Churchill, “surpreendido” com o pedido, explicou que planeava trabalhar “continuamente”. Os funcionários só tiveram tempo livre para assistir ao Serviço Religioso, e Churchill desejou-lhes “um Natal ocupado e um Ano Novo frenético”.

Ele só tirou oito dias de férias entre o início e o fim da guerra, e mesmo assim teve cabos telegráficos a serem-lhe entregues em pelo menos alguns desses dias, como Andrew Roberts relata na sua maravilhosa biografia. Os assistentes iam para casa às 6 da manhã, antes de voltarem ao serviço às 10 da manhã; as reuniões de gabinete eram realizadas rotineiramente bem depois da meia-noite. Havia uma guerra, que tinha de ser ganha.

Não é segredo que Boris Johnson admira Churchill: ele também escreveu um texto de elogio ao grande homem e (talvez demasiado óbvio) gostaria, com o  tempo, de ser visto como a sua encarnação do século XXI, um pensamento que costumava divertir os seus adversários mas que agora os enfurece.

Seria, naturalmente, absurdo começar a equiparar a nossa atual crise política e constitucional à Segunda Guerra Mundial, a hora mais negra da humanidade. Mas a taxa de trabalho Stakhanovista nas operações do nº 10, a sua extrema centralização do poder, a sua obsessão com a história militar, a psicologia e o pensamento, a sua determinação em forçar o Estado britânico a agir mais rapidamente e de forma mais ágil, tudo isto confirma que está a agir como se também nós estivéssemos no meio de um conflito real e existencial.

Aqueles que pensavam que a administração de Johnson seria uma Administração de amadores, desajustada ou mesmo preguiçosa ainda não conseguem acreditar o quanto o julgaram mal. Este Governo inspira-se numa operação em tempo de guerra, felizmente sem a guerra propriamente dita. Os ultras do Remainer, usados para o derrotismo do regime de May, ou mesmo a abordagem demasiado ardilosa e espertalhona dos anos Cameron, são assim posições erradas. Estão demasiado zangados para pensar calmamente e caem nas armadilhas cada vez mais complexas que lhes foram colocadas por Dominic Cummings, conselheiro principal de Johnson.

É impossível entender as últimas 24 horas sem perceber que o No. 10 acredita genuinamente que este é um momento histórico de “fazer ou morrer”, e não apenas por causa do Brexit. Está convencido de que tem de trabalhar com mais afinco, rapidez e inteligência do que os seus adversários, alavancando o poder do executivo e levando as convenções constitucionais aos seus limites para derrotar o inimigo. Como o mais impiedoso dos generais, ele está preparado para incorrer em perdas ao longo do caminho, e para sacrificar qualquer coisa ou qualquer pessoa não essencial, em busca do prémio final. Está disposto a assumir tantos enormes riscos quanto for necessário, como os líderes militares devem sempre fazer em tempo de guerra.

Daí a última jogada de xadrez explosiva de ontem: ficou muito aquém de prorrogar o mandato do Parlamento no sentido pleno dessa expressão e isso era constitucionalmente adequado. Mas, ao reduzir o tempo de que dispõem os Remainers para derrubar o Governo ou travar o Brexit, o Governo provocou estragos no seu planeamento e lançou-os numa nova fúria selvagem.

A realidade é que a agenda de Boris/Cummings é extraordinariamente ambiciosa e constitui a maior aposta política da história recente. Querem fazer aprovar um verdadeiro Brexit, de preferência com um acordo massivamente  melhor do que o de May; conquistar uma maioria no Parlamento para um partido conservador reformulado segundo linhas Johnsonianas; destruir Jeremy Corbyn e obrigar o Partido Trabalhista a regressar ao centro político; eliminar a necessidade do Partido Brexit; e reformular o país com reformas históricas na educação, tributação, planeamento, imigração e política económica.

Para Johnson conseguir tudo isso exigiria que ele não só ganhasse a eleição geral iminente, mas provavelmente permanecesse no poder por uma década, permitindo-lhe emergir como o terceiro grande líder Conservador dos últimos 100 anos. Quer se goste quer não, ele é a última e única chance do centro-direita. Ou ele consegue o que quer, ou os Conservadores vão quebrar e o Partido Trabalhista mais socialista da nossa história vai tomar o poder, apoiado por todos os partidos de esquerda, incluindo o SNP. Num tal cenário de pesadelo, o Brexit seria obrigado a falhar desastrosamente, desacreditando completamente a ideia, ou ele seria cancelado.

As próximas semanas – e especialmente a próxima terça-feira, quarta-feira e quinta-feira – serão assim o período mais importante para o futuro do Reino Unido, pelo menos desde a Guerra das Malvinas. Se Lady Thatcher tivesse perdido, o socialismo pró-soviético teria triunfado na Grã-Bretanha. A sua vitória permitiu uma revolução capitalista e ajudou a impor o triunfo do mundo livre. O desafio de hoje é igualmente grande, mas a posição do atual Primeiro-Ministro é objetivamente muito mais fraca do que alguma vez foi a da Dama de Ferro.

Johnson não tem realmente uma maioria parlamentar, e alguns dos seus dissidentes são fanáticos que estão dispostos a deixar entrar Corbyn para o poder. A estratégia de May/Hammond precipitou a destruição da Constituição, com um Parlamento quebrado que agora assegura que o país é ingovernável. O Primeiro-Ministro tem de manter ao seu lado um número suficiente de “Remainers” para não perder um voto de desconfiança, o que exige negociação com a UE.

Mas consegui-lo significa concentrar-se na barreira de proteção por agora, o que corre o risco de alienar os “Brexiteers”. Boris e Sajid Javid têm de trabalhar em estreita colaboração com vista a um orçamento com cortes fiscais massivos no seu cerne; a instituição do Tesouro fará tudo o que estiver ao seu alcance para se opor a esta situação. Javid deve manter-se firme e preparar o maior o orçamento conservador pelo lado da oferta em 30 anos, mesmo que o défice aumente.

Os obstáculos são demasiados para serem enumerados. Se Boris perder um voto de confiança, poderá ele realmente adiar as eleições para Novembro? E se o Parlamento tomar o controlo, será ele capaz de contornar os deputados dissolvendo o Parlamento com a ajuda de Corbyn? Há alguma chance de fazer aprovar algum tipo de novo acordo agora? Há alguma esperança de que Johnson possa ganhar as eleições pré-Brexit, dado que Nigel Farage não deixará cair as suas tropas?

No entanto, se o mês passado nos ensinou alguma coisa é que a política não é como a física: não existe uma lei imutável da gravidade. Uma liderança política brilhante pode superar quase tudo – ou pelo menos, ao reler a sua biografia de Churchill, é isso que Johnson estará a dizer a si mesmo. Esperemos que ele tenha razão.

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O autor: Allister Heath é um jornalista de negócios britânico, autor e comentarista. Ele foi anunciado como o novo editor do The Sunday Telegraph em abril de 2017.

 

 

1 Comment

  1. W. Pitt e W. Churchill nunca aceitaram que a Europa continental – a funcionar como um todo – fizesse qualquer sombra ao seu País. Agora o IVºReich – por alcunha União Europeia – está a querer ir longe demais.Os Estados marítimos – basta olhar para a História – nunca aceitaram perder peso frente aos continentais. CLV

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