CARTA DE BRAGA – “da leitura, de elevadores e da liberdade” por António Oliveira

 

O desfasamento entre a educação e a vida quotidiana é cada vez mais gritante. É necessário e urgente refazer toda a programação porque, creio que a informação já não tem qualquer valor.

Por tudo aquilo que vemos à nossa volta, o que conta mais é saber fazer bem e depressa, mas o ensino ainda está pensado para fornecer informação.

De acordo com a intenção base da educação, o ensino serve para garantir as bases para que cada aluno aprenda a associar, a discorrer e a tirar conclusões.

Uma intenção considerada pesada nestes dias porque, se não se ‘obrigarem‘ (odeio esta palavra!) os alunos a ler, a leitura acaba por desaparecer, extinguindo-se degradada, por ‘falta de uso

Mas aquele ‘obrigar‘ leva a que os alunos acabem por ‘odiar ler‘, até o argumento principal de gente cheia de boas intenções.

Mas creio também que essa animosidade e aversão à leitura é um mal com origem na própria casa, por ser mais fácil entregar uma caixinha com jogos, imagens e sons para aliviar o resto da família, já dona de coisas iguais ou parecidas.

Sem hábitos de leitura instalados, não é fácil levá-los a leituras mais complicadas, que os obriguem a pensar, a fazer associações, a discorrer soluções, sonhos e até possíveis e desejáveis utopias.

E as pessoas não se lembram (nem querem saber!) que ‘enquanto houver uma pessoa que saiba 2000 palavras e outra só saiba 200, esta será oprimida pela primeira‘ uma bela frase de um defensor dos pobres e oprimidos, o tão ignorado padre Lorenzo Milani.

Hoje, a preocupação é saber e resolver tudo rapidamente, como se estivesse ao alcance de um click, aquilo que alguns psicólogos classificam como o ‘síndrome do ascensor‘, a velocidade com que responde, para subir ou descer ao carregar no respectivo botão.

Uma velocidade que as tecnologias nos levaram a querer aplicar a todas as coisas, até naquelas que exigem preparação prévia como a leitura.

Mas conseguir uma mudança no sistema de educação, implica reformular todas as premissas que, até aqui, os sucessivos responsáveis governos não quiseram ou não puderam olhar cuidadamente, se calhar pelas redundâncias que tal mudança acarretaria.

Mas também recordo que, num grande hotel em Nova Iorque, mandaram instalar espelhos em todos os elevadores e logo acabaram as reclamações pela lentidão do serviço. Os ‘clientes‘ deixaram de reparar na lentidão por estarem entretidos a ‘verem-se‘!

O mais conhecido e todos os pessimistas, Emil Cioran (1911-1995), ao relacionar uma situação como estas e a liberdade garante, talvez prevendo o futuro, ‘Paradoxo trágico da liberdade: os medíocres, os únicos que tornam possível o seu exercício, são incapazes de a fazer durar. Devemos tudo à sua insignificância e tudo perdemos através dela‘.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

Leave a Reply