Por Júlio Marques Mota
Coimbra,28 de setembro de 2019
Ontem, a juventude em massa deixou a escola e veio para a rua protestar contra a ausência de resposta as graves questões climáticas que ameaçam a qualidade de vida de todos nós de hoje e no futuro…
O que me espantou nisto tudo foi a reação de alguma imprensa do pensamento dominante. Veja-se por exemplo José Manuel Fernandes que acusa Greta Thunberg de má educação e de demagogia uma vez que ela, uma adolescente de 16 anos, não nos apresenta soluções. No fundo, trata-se de uma menina que deveria era estar na escola e, se calhar, a aprender as soluções para os problemas de hoje, esquecendo-se o articulista que seria necessário que o ensino do sistema estivesse para aí virado, sendo contra isso mesmo que Greta Thunberg também se levanta. Veja-se por exemplo João Miguel Tavares que com falsa ternura pretende que se lhe devolva a infância, o mesmo é dizer que a mandemos para a escola.
Um conservador britânico, num registo agora mais fino, um grande especialista dos mercados financeiros e não só, Victor Hill fala-nos também da ausência dos alunos às aulas. Diz-nos ele:
“A diferença entre os anos da década de 60 então e agora é que, ao contrário de 1968, quase todos os jovens vão para a faculdade hoje em dia nos EUA e na Europa; e o pensamento radical começa numa idade mais jovem. Basta considerar as “greves” das crianças em idade escolar no Reino Unido sobre a questão da emergência climática. (Uma forma de absentismo sobre a qual tem havido uma total indulgência pela profissão docente.)”
A mesma tónica nas aulas a que os alunos não assistem. Mas no caso de Victor Hill a questão é mais paradoxal quando ficamos a saber a sua visão sobre as Universidades atuais:
“Essa nova ênfase na linguagem do politicamente correta está a acontecer por todo o lado, mas é especialmente persistente em quase todas as universidades e faculdades dos EUA e, cada vez mais, também no Reino Unido. É por isso que Doug Casey considera que agora uma faculdade ou universidade é uma desvantagem e que os jovens ficariam melhor se não acumulassem cerca de 250.000 dólares de dívida nos EUA. Em vez disso, eles deveriam ir diretamente para o local de trabalho depois de sair da escola. secundária
Essa é uma visão extrema: mas devo dizer que, embora eu já tenha pensado que o nosso sistema universitário era um lugar onde os jovens aprendiam a aprender e a pensar – de modo que pudessem depois aplicar o que aprenderam como formação e como capacidade de reflexão no mundo do trabalho e na vida em geral – agora suspeito que as universidades são lugares onde se aprende a não pensar.”
Pelos visto tem-se medo que daqui das manifestações de hoje e seguintes possa emergir algum pensamento radical, tal como aconteceu em Maio de 68, e que abale o sistema. O sistema de ensino esse é que não é passado ao crivo da sua análise e, se o fosse, possivelmente as conclusões poderiam então esclarecer porque razões é que as Universidades têm como objetivo hoje ensinar os alunos a não pensar.
O poder das classes dominantes, a reprodução desse poder e a redução do ensino de massas ao menor custo possível. Curiosamente, um antigo economista-chefe do FMI, ao analisar a situação inglesa, diz-nos o seguinte:
“A melhor maneira de pensar sobre a situação política do Reino Unido e suposta saída iminente da União Europeia é ler a série de romance de espionagem Slough House de Mick Herron (o sexto tomo acabou de ser publicado). Herron escreve sobre a moderna agência de inteligência MI5 e os mecanismos do governo em geral – não diretamente sobre política económica. Mas ele capta perfeitamente como as burocracias funcionam, bem como o que é que a “liderança” política realmente significa num mundo complexo onde a ilusão e a má direção prevalecem nos sistemas democráticos.“
O contraste com os clássicos romances de espionagem, como o trabalho inicial de John le Carré, é evidente e faz parte da diversão dos leitores. Durante a Guerra Fria, as chamadas Regras de Moscovo guiaram a forma como os espiões podiam sobreviver em ambientes hostis: a ideia orientadora era “cuidado com a retaguarda”. Hoje, de acordo com Herron, prevalece um conjunto de Regras de Londres, a mais importante das quais é “cobrir o traseiro” e “proteger a carreira.”
Hoje o valor dominante são as carreiras, o dinheiro e o estatuto, na Inglaterra, nos Estados Unidos ou algures. Isso vê-se na resposta de Trump à intervenção de Greta Thunberg e contra a qual se insere a resposta desta.
Diz-nos que Greta “…parece uma rapariga feliz que está perante um futuro brilhante e espetacular. É tão bom ver algo assim!”
A este texto reage Greta escrevendo:
Trump refere-se à carreira que espera para Greta, à carteira e ao estatuto que de forma oportunista e com esta campanha esta pode obter, é só no que sabe pensar, enquanto Greta, pelo seu lado, utiliza as mesmas palavras para nos falar do mundo dela e de todos nós que deseja venha a ser brilhante e feliz.
Contra o mundo de Trump, por um mundo à imagem do mundo pretendido por Greta Thunberg e muitos outros, dedico a publicação do presente texto de Tom Engelhardt, É Donald Trump o Big Brother? Orwell revisitado na época de Trump, à juventude que ontem esteve saudavelmente nas ruas.