Em Leamington de novo. Aguardo pela minha mulher. Detenho-me mais uma vez diante da estátua na rua Parade, Euston Place. Impressiona-me desde o dia que a contemplei, de passagem, pela primeira vez.

A estátua é uma das características obras do escultor Albert Toft, um verdadeiro especialista neste tipo de estatuária comemorativa. Toft é um dos grandes mestres no desenho do imaginário patriótico, nesta tipologia construtiva que são os lugares da memória.
Na estátua, inaugurada em 27 de maio de 1922, figuram as listagens dos mortos na guerra, inscritos a preto, nos quatro lados do próprio pedestal, de granito. No topo, o bronze de Toft, uma estátua figurativa de um soldado completamente equipado, de cabeça nua, com o rifle invertido, e a cabeça abaixada com ar de respeito e desolação. No chão um capacete e uma máscara de gás completam os detalhes.

Na seção principal do pedestal figuram 570 nomes, de locais, mortos na I Guerra Mundial. O memorial também lembra, na base, os 188, adicionados em 1951, que caíram na Segunda. Posteriormente foram engadidos, os perdidos nos conflitos malaio, coreano, nas Falklands e na Irlanda do Norte.
O patetismo grave desta estátua, representando um soldado da Grande Guerra, resulta fortemente intensificado, pelo muito contrastivo efeito visual da grande listagem no corpo central da base, com os mortos na I Guerra mundial, a respeito dos da II e posteriores.
Já temos referido nalguma outra ocasião, como o impacto social, cultural, político da Guerra de 1914, ficou apagado pela justificação antifascista e a imaginação propagandística da Segunda, com a sequência imediata da Guerra Fria.
O pensamento leva-me, por contrastar, às páginas com que Roy Jenkins (Churchill: A Biography .- Pan Macmillan, 2002), vai descrevendo aquela guerra, como mais um episódio dos anos loucos da carreira do W. Churchill de antes de 1940. São impressionantes as cenas no Almirantado; as da França, como comandante, as de opositor ao governo entrante e depois integrante nele, num limbo entre as trincheiras e as comodidades palacianas, e a descrição documentada dos relacionamentos, entre as fortes pessoalidades dos cavaleiros no comando dos gabinetes de guerra e Governo liberal de Asquith e nos de concentração depois com LLoyd George. Gentes mais preocupadas das suas carreiras políticas, postos nos ministérios e na alta administração e do impacto na opinião das novas da imprensa sobre o curso da guerra que das baixas. Mesmo que entre elas se encontrassem filhos, irmãos, sobrinhos, vizinhos, empregados e amigos.
Podemos enxergar Ypres, Gallipolli, o Somme, Jutlandia, todas as batalhas dessa guerra e os tempos de espera, nessa dupla perspectiva de classe e situação entre a carne de trincheira over the top, e o comando entre os châteaux e a retaguarda. Assim podemos advertir, na sequência melancólica de estátuas vitorianas, eduardianas e post-eduardianas de Albert Toft, o bem que refletem a sequência da plenitude e sol-por imperial. E como encaixam bem, os tópicos artísticos atribuídos a estes períodos de grandeza e balneários, que agacham a tensão social e a brutal separação de classes que refletia o exército.
São numerosos os exemplos literários e referencias em biografias, epistolários, filmes ou romances. Obras literárias, memórias e textos ensaísticos de qualidade e imensa popularidade tanto no Reino Unido como na França e Alemanha: Robert Graves, Edmund Blunden, S. Sassoon, R.C. Sheriff, Remarke, E. Glaeser, que contribuiram ao pacifismo utopista e roturista dos anos 20-30, que evoluiu em fascismos e antifascismos, que se desintegra com o a aparição de Hitler, a invasão italiana de Abissinia, a Guerra Espanhola, e o auge Nazismo.
O contraste com a literatura e memorialista orgulhosa post Segunda Guerra Mundial é muito evidente. O pacifismo desapareceu mas perdurou durante muito tempo a sensação de inutilidade da I Guerra nas consciências para além do tópico. Chegaria com ver a sátira mordaz e constante da série da BBC Blackadder Goes Forth, ou lembrar aquele poema amargo de Sassoon:
Memorial Tablet
Squire nagged and bullied till I went to fight
(Under Lord Derby’s scheme). I died in hell—
(They called it Passchendaele); my wound was slight,
And I was hobbling back, and then a shell
Burst slick upon the duck-boards; so I fell
Into the bottomless mud, and lost the light.In sermon-time, while Squire is in his pew,
He gives my gilded name a thoughtful stare;
For though low down upon the list, I’m there:
“In proud and glorious memory”—that’s my due.
Two bleeding years I fought in France for Squire;
I suffered anguish that he’s never guessed;
Once I came home on leave; and then went west.
What greater glory could a man desire?
A chacina e a absurdidade da Grande Guerra nunca encontraram justificação nem sentido, a contrário da II, talvez por isso mais cinematográfica e popular. Para além dos mortos, feridos, aleijados, os transtornos psiquátricos, as consequências culturais e políticas da guerra foram devastadores.
Porém o que mais me impacta confirmando a percepção da listagem na estátua é este sugerente mapa e estúdio local, que nos permite imaginar, como bombardeamentos, as consequências, na vida das pessoas, das famílias, na economia, no desenvolvimento, na história local.
Que bom e que sábio