JEREMY CORBYN, UM POLÍTICO QUE SE DISTINGUE PELA SUA SERIEDADE – E AGORA, A REAÇÃO. JEREMY CORBYN, UMA DEFESA – por THIERRY LABICA + OBRIGADO, JEREMY CORBYN, por FRÉA LOCKLEY

 

Et maintenant, la Réaction. Jeremy Corbyn, une défense, por Thierry Labica

Contretemps. 3 de Janeiro de 2020

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

A derrota trabalhista de 12 de Dezembro foi pesada. Os incondicionais defensores da permanência do Reino Unido na EU, os Remainers, apoiantes do Partido Trabalhista, têm uma grande parte da responsabilidade neste resultado.  Por ter conseguido impor a opção de um novo referendo e, além disso, por se terem comprometido desde o início nos Remainers  sem sequer se proporem esperar pela versão trabalhista de um acordo Brexit antes de tomar uma decisão, esta derrota é sobretudo a deles.

No entanto, duas proezas devem ser reconhecidas. Uma é política, na medida em que nada aprenderam com os danos políticos causados pelo reiterado desrespeito às votações referendárias em vários países europeus ao longo dos anos, incluindo o descarrilamento do Syriza após o referendo de julho de 2015, que foi ganho por uma margem significativa.   A outra proeza , moral, é a tentativa de culpar Jeremy Corbyn e o programa trabalhista pelo fracasso no qual trabalharam embora de forma  cega mas também, em muitos casos, com zelo odioso e difamatório para com o líder do partido,  zelo esse que tem sido tão feroz quanto ininterrupto: Assim, tudo seria culpa do mesmo Jeremy Corbyn e do mesmo programa que quase venceu em 2017 sobre um programa de luta contra a austeridade e em que se respeitava o resultado do referendo de 2016. A morgue e a incoerência podem ser suficientemente fortes para afirmar não ver, por exemplo, que 43 lugares  trabalhistas perdidos – incluindo muitos antigos redutos – em 12 de Dezembro de 2019 tinham votado a favor da saída da UE em 2016 e a favor dos trabalhistas sob a direção de  Corbyn em 2017, muitas vezes com maiorias muito fortes.

A tomada em conta dos resultados de 12 de dezembro e a análise deste  péssimo resultado não deixam espaço para se minimizar a situação [1] No entanto, continua a ser crucial não tomar por adquirido as distorções inerentes ao sistema eleitoral britânico. Caso contrário, existe o risco de validar implicitamente todas as dramatizações e exageros que alimentam a virulência dos ataques a Corbyn e à esquerda britânica. No entanto, como um artigo do Washington Post publicado no dia seguinte às eleições mostrou, no sistema eleitoral alemão, por exemplo, os mesmos resultados poderiam ter significado a derrota de Johnson [2].

Precisemos ao menos o seguinte: em primeiro lugar, a relação de forças eleitorais  e políticas  está de facto muito deteriorada; a legitimidade e a margem de manobra dada ao governo conservador – formalmente apoiado por uma parte da extrema direita declarada – foram amplamente reforçadas após três anos de enfraquecimento significativo; o potencial de desestabilização da dinâmica de esquerda dentro do Partido Trabalhista (e, mais amplamente, ligado ao mandato de Corbyn) é real e constitui a questão central dos próximos meses na perspetiva da renovação da liderança do partido; o ´sentimento apocalítico  hipócrita ocupa um lugar central no arsenal de argumentos da direita trabalhista e não faltará assistência espiritual externa. Outra consequência calamitosa é que os milhões de pessoas que precisavam vitalmente do projeto trabalhista (incluindo uma grande parte dos 16 milhões que se abstiveram) já parecem destinados a continuar a receber as políticas mortíferas seguidas durante quase dez anos.

Em segundo lugar, embora tudo isto dificilmente deva dar aso  a discussão, ainda vale a pena recordar que os 43% de votos recebidos pelos Conservadores representam 30% do total do eleitorado mas que se traduzem em 58% dos assentos parlamentares; que esta votação não assistiu a uma transferência em massa de votos trabalhistas para os Conservadores: estes últimos obtiveram mais 200.000 votos (e o voto para o partido Brexit de N. Farage permanece quase idêntico ao do UKIP em 2017), quando o partido Pro-Remain, explicitamente posicionado, perdeu 2,6 milhões de votos em comparação com 2017.

Em terceiro lugar, parece útil lembrar que Corbyn não só obteve um sucesso eleitoral sem precedentes no partido e nas eleições legislativas de 2017 (o maior crescimento do partido desde 1945, com quase 13 milhões de votos), mas também, mesmo nas condições do grave fracasso recente, o número de eleitores mobilizados a favor dos trabalhistas nesta ocasião (10.3 milhões de votos, 34%) é superior ao apoio eleitoral recebido por Tony Blair na sua vitória de 2005: este último tinha obtido uma maioria parlamentar absoluta com 35,2% dos votos e 9,5 milhões de eleitores. O eleitorado mobilizado pelos trabalhistas em 2019 é equivalente ao da vitória de Blair em 2001 (com uma participação historicamente baixa) e é significativamente superior ao da derrota de Gordon Brown em 2010 ou da derrota de Ed Miliband em 2015. Outras comparações semelhantes com as derrotas eleitorais (muito piores), ou mesmo alguns sucessos conservadores no período recente mostram que, apesar das gesticulações denunciatórias e dos medos exagerados, o Labour sob Corbyn, mesmo em derrota, faz também, se não melhor, em termos de audiência eleitoral do que os dignos representantes da norma política conveniente  na Grã-Bretanha. Isto é ainda mais notável porque, como muitos estudos têm observado e quantificado, a hostilidade dos media contra Corbyn foi  sistemática e de intensidade sem precedentes.

Sim, a votação e, sobretudo, a abstenção no dia 12 de Dezembro mostram a fragilidade do público trabalhista, mesmo armado com o programa radical necessário. Mas, não, não é de admirar a profundidade da desconfiança popular. O movimento sindical passou de mais de 13 milhões de membros em 1980 para menos de 6 milhões hoje. O Partido Trabalhista, durante mais de duas décadas, celebra a sua própria visão “novos tempos”   pós-industriais, pós-classe, pró-bancos, pró-guerra, pró-capital, pró-ricos a ponto de ouvir um dos principais arquitetos do neotrabalhismo, Peter Mandelson, declarar um dia que

“Não temos qualquer problema com as pessoas a apanharem o dinheiro aos montes,  desde que paguem os seus impostos”.

Ao mesmo tempo, o declive  económico  e social de todas as antigas regiões industriais (extração moneira, siderurgia, portos de pesca, estaleiros navais) coloca o Reino Unido no topo do ranking europeu em termos de desigualdades inter-regionais (rendimento, saúde, emprego, formação, serviços). Quem pode acreditar seriamente que a  direção trabalhista, em apenas quatro anos, a partir de plataformas organizacionais consideravelmente reduzidos no mundo do trabalho e sob uma tempestade de insultos, seria capaz de restabelecer laços duradouros de confiança após longos anos de abandono e desprezo? Corbyn reconstruiu a filiação do partido, trouxe de volta ou atraiu centenas de milhares de pessoas à militância, formulou um projeto radical à  escala de massas. Quaisquer que sejam os limites sociológicos desta recomposição, a dinâmica da repolitização, das adesões e readmissão (em centenas de milhares), da reafirmação de um projeto socialista em escala de massas, representa um grande avanço sem equivalente hoje em dia.

Finalmente, é ainda urgente esclarecer um mal-entendido persistente sobre uma grande parte do movimento pró-Remain  no seio dos Trabalhadores. As suas figuras tutelares, pró-UE para o diabo, têm estado entre os mais fervorosos promotores do nacionalismo mais eufórico e estreito. No seu discurso de despedida como Primeiro-Ministro em 2007, Tony Blair concluiu o seu discurso com estas palavras:

“Este país é uma nação abençoada. Há algo de especial nos britânicos. O mundo sabe disso. Lá no fundo, nós sabemos disso. Este país é a maior nação do mundo”.

O seu sucessor, Gordon Brown, assumiu um slogan clássico e uma exigência da extrema-direita britânica: “Empregos britânicos para trabalhadores britânicos”. O Programa do Partido  Trabalhista de  2010 de Brown associou explicitamente imigração e crime[3] e não faltam exemplos disso nos anos seguintes. As figuras de destaque dos Remainers  têm tudo a ver com as explosões xenófobas nacionalistas que afirmam rejeitar sobre os habitantes de um mundo decadente e relegado que eles próprios ajudaram a criar. Mas quem pode estar errado? Todos sabem como a adesão incondicional à UE da feroz concorrência de todos  (à exceção dos seus sábios prescritores) se enquadra na transformação do Mediterrâneo num cemitério marinho para refugiados de guerras regionais aparentemente intermináveis e caos pelo qual, por vezes, se tem a própria responsabilidade. Que o zumbi político Tony Blair, manipulador patológico do seu próprio parlamento e promotor fanático de guerras criminosas possa ainda  falar como o garante do padrão político certo, isto  diz-nos  muito sobre o mundo moral que ainda estamos a  habitar; um mundo no qual os ativistas anti-guerra se tornam a última ameaça civilizacional, os anti-racistas, racistas, e onde os extremistas de direita supremacistas e fascistas da época podem impor-se como promotores do anti-semitismo face a qualquer contestação  (unindo judeus e não-judeus) à política de ocupação e anexação de Israel.

No entanto, para muitos trabalhistas do grupo Remainers  e para os vencedores destas eleições parlamentares – todo o bloco político e mediático reaccionário – as coisas não se ficam por aí. A vitória eleitoral é imediatamente uma oportunidade para pôr em marcha uma campanha de revanchismo intenso. Entendamo-los: mais de quatro anos de pânico profundo sobre um projeto político e um conjunto de possibilidades sem precedentes comparáveis na história do país. O aparecimento de Jeremy Corbyn na vanguarda da cena política, líder da oposição e potencial primeiro-ministro, e através dele, de todo o movimento social anti-guerra e anti-autoridade do início do século XXI, começou a dar vida e a tornar concebível aquilo que era até há pouco tempo  inimaginável, impensável: o projeto de uma sociedade dedicada a algo mais do que a manutenção de um domínio social cada vez mais predatório, a um arcaísmo e a uma brutalidade cada vez maiores. Para a oligarquia dominante e os seus devotos servos, a anomalia e todas as suas manifestações devem agora ser erradicadas, e por muito tempo.

O medo era ainda  tanto mais  agudo porque, para a maioria das pessoas, nada, nenhuma promessa, por mais ilusória que seja, pode justificar ou dar o mínimo crédito ao consenso político que prevalece há quase duas gerações. Através de Corbyn, o tribunal   dos possidentes teve que tomar nota da profunda crise do seu próprio regime “normal”. Tudo o que resta para o regime são as escapatórias de racismo, manipulação grosseira e todos os registros de violência oficial para perdurarem. Sejam quais forem os limites e incertezas do projeto do Corbynismo, de qualquer forma já era demais. Terão, portanto, de esterilizar todos os impulsos, deter todos os impulsos, desencorajar todo o entusiasmo e todas as grandes esperanças numa contra-ofensiva reaccionária no sentido mais estrito: não só para assegurar a vitória por todos os meios – foi feito – mas, sobretudo, para além disso, para assegurar que a ameaça seja afastada e por muito tempo . Esta ofensiva é geral e pode ser implantada em todo o mundo do comentário Restauracionista na Grã-Bretanha, e noutros lugares, e na França em particular, num  movimento de ardente solidariedade numa  atmosfera de “Versalhes”.

A derrota de 12 de dezembro ofereceu assim a oportunidade esperada com trepidação por todos os representantes e servidores do poder de classe onde quer que estivessem: de se  livrarem de Corbyn de uma vez por todas. Era um momento que se esperava desde o início do seu mandato. Não só não veio, como em junho de 2017 até mesmo os adversários mais inflexíveis tiveram que admitir pelo menos por algum tempo que Corbyn tinha chegado muito perto da vitória, desafiando todas as previsões.

É, mais uma vez, o mesmo Corbyn com o mesmo programa, melhor desenvolvido, que conduziu a campanha no final de 2019. Entretanto, no entanto, o compromisso de honrar o resultado do referendo de 2016 foi quebrado, não por Corbyn, mas por todo um movimento trabalhista determinado a fazer dos trabalhistas um partido  Remainer . Um após outro, figuras de destaque do partido, e mesmo do gabinete sombra, declararam a sua determinação em defender  Remain  num novo referendo, independentemente dos termos de uma saída negociada da UE por parte dos Trabalhistas se esta chegasse ao poder.

Não é portanto o líder nem o seu programa que está em causa, mas sim a reorientação catastrófica que um sector do partido conseguiu impor-lhe. A inteligência e a lealdade com que Corbyn tentou assumir esta posição de renúncia, confusa, desfocando a sua linha, de resto justa e invariável, em favor de um Brexit respeitado e negociado, não podia ser suficiente para apaziguar o sentimento de traição.

Melhor ainda se tal fosse possível, as pessoas a favor do Remain, aconteça o que acontecer, não parecem ter tomado nota do facto de que a sua atitude terá repetido até à  caricatura  uma das principais razões para o profundo descrédito do projeto europeu: um projecto em que as expressões eleitorais democráticas só contam se estiverem de acordo com as orientações pró-mercado, pró-concorrência, pró-flexibilidade, que se trata em todos os casos de impor ao povo. O voto francês em 2005 contra o Tratado Constitucional e o destino que lhe foi reservado é um precedente entre outros, mas provavelmente suficiente aqui. Por  outras palavras, a posição pró-Remain  apenas confirmou as razões que poderiam levar a desconfiar da versão “democrática” da UE: a adesão fervorosa à UE sob a forma de um beijo de morte.

Para Corbyn

 Lembremo-nos sempre disto, para que conste e como precaução.

1/ Após décadas de projetos intermutáveis, de equipas de gestão lutando entre si para decidir quem melhor implementaria o único programa disponível, de despolitização de “com” e de  despolitização   “centrista”, Jeremy Corbyn encarnou o ressurgimento de uma radicalidade política credível em grande escala e, portanto, a possibilidade de uma verdadeira renovação democrática: uma personalidade singular, ao serviço de um programa autenticamente diferente, oferecendo a possibilidade de uma escolha não limitada a uma nuance de estilo, tão custosa  quanto vazia de substância.

2/ Num momento em que a consciência da gravidade das mudanças climáticas é amplamente partilhada, quando a pilhagem dos recursos dos Estados pela indústria da evasão fiscal se tornou um tema de debate público por direito próprio, quando a pobreza, a precariedade e a perda de direitos afetam milhões de trabalhadores, jovens e reformados, quando serviços públicos inteiros estão em processo de colapso, o programa apresentado por  Corbyn revela-se o único disponível que está à altura dos desafios do período. O seu grau de elaboração teria como objetivo fornecer um campo de discussão e material de antecipação para todos aqueles que estão envolvidos nas duras lutas sociais do momento, para além do qual não está a emergir nenhum horizonte político transformador claramente articulado neste momento.

3/ Declarar que este programa está “muito à  esquerda” não faz absolutamente nenhum sentido. Muitas das suas propostas correspondem às aspirações maioritárias e de longa data da população britânica (sobre a renacionalização do sector ferroviário ou a defesa do serviço público de saúde, por exemplo). Outros respondem à situação social urgente de populações ou regiões inteiras expostas ao empobrecimento acelerado, por exemplo. Falar de um programa que está “demasiado à esquerda” é, na melhor das hipóteses, uma conceção preguiçosa e fixa do campo político e, na pior das hipóteses, uma posição grosseiramente de direita que se esconde por detrás das pretensões da análise política erudita. De qualquer forma, muitos bons ou muito bons resultados eleitorais para o partido desde 2015 tornam este argumento irrelevante, e a derrota de Dezembro de 2019 não muda isso.

4/ Corbyn, como líder da oposição, teve de travar não uma batalha política de um dia para o outro, mas três:

– contra o poder conservador cuja audácia na manipulação da opinião pública era inédita (site de verificação de factos falsos criado para o primeiro debate entre Corbyn e Johnson, site falso dedicado ao programa trabalhista);

– contra uma hostilidade dos media  numa  escala e agressividade excecionais (como mostrou um estudo da Universidade de Loughborough sobre a cobertura das primeiras semanas da campanha eleitoral) [4], e mais…

-contra  um setor muito grande do Partido Trabalhista no Parlamento (PLP), como a campanha ABC (“All but Corbyn”) lançada pelo ex- conselheiro de Tony Blair, A. Campbell, assim que Corbyn se tornou líder do partido. Desde que obteve a sua grande maioria para liderar o Labour  em 2015 (e novamente em 2016), não é exagero dizer que não passou um só dia sem que o PLP e a direita do partido procurassem enfraquecer e desacreditar Jeremy Corbyn, dando assim muitas munições ao adversário político oficial, bem como aos jornais e canais de televisão determinados a restaurar os padrões convenientes de decência na política. Ainda mais do que Tony Benn nos anos 70 e 80 ou os mineiros britânicos durante a greve de 1984-85, Corbyn será certamente um dia reconhecida como a figura pública mais sistematicamente difamada da história britânica recente, pelo menos.

5/ É pois evidente que pela sua própria presença, “Corbyn” foi o nome de um desafio a todo o bloco determinado a manter a boa ordem dos assuntos correntes ao serviço da reprodução de uma sociedade cada vez mais deslocada e entregue  à brutalidade, de tal forma privada de futuro  que os demógrafos medem agora o trágico aumento das mortes relacionadas com o desespero. Nisto, a sua calma e afabilidade aparentemente inabaláveis têm sido, para muitos, tanto uma forma de heroísmo como um enigma estóico. A história muitas vezes terrível do movimento operário, desde o massacre de Peterloo de 1819 até à greve dos mineiros de 1984-85, os mártires de Tolpuddle, a carta forjada de Zinoviev na véspera das eleições de 1924[5], a mobilização militar contra a greve geral de 1926 e as campanhas da Guerra Fria contra todos os líderes operários que tinham chegado ao poder, esta história muitas vezes terrível, portanto, que o Movimento Operário  conhece e celebra, sem dúvida lhe terá ensinado  que é necessário saber esperar.

6/ Este desafio acaba de conhecer um fracasso eleitoral largamente evitável, daí que, mais uma vez, a urgência de o apresentar como geneticamente programado na personalidade do líder e de todos aqueles que o apoiaram. A luta está agora empenhada na esterilização ou na consolidação duradoura das expectativas e ambições, da nova confiança que estes anos Corbyn tornaram possível e fizeram crescer. As armas são desiguais. Mas não há escolha aqui. A consistência política de Jeremy Corbyn ao longo de cinco décadas também pode, portanto, servir de bússola. Nos tempos muito turbulentos prometidos pelas negociações comerciais britânicas pós-Brexit, as anunciadas crises constitucionais e os colapsos sociais acompanhados pela sua procissão de bancos alimentares, o projeto político e social corbinista e a moralidade têm um futuro que será reconhecido e defendido, para começar, no seio do Partido Trabalhista, expropriando os seus autoproclamados titulares.

7/ A fina  flor dos dirigentes nacionalistas autoritários, supremacistas, racistas e até fascistas – Modi, Netanyahu, Trump, Orban, Bolsonaro, AfD,[6] … – apressaram-se a  felicitar o seu “amigo” Boris Johnson. À  escala internacional, um tal complemento britânico às involuções de extrema direita do período é um sinal muito mau que não deve escapar a ninguém. Como todos podem ver, à esquerda, quaisquer que sejam as disparidades, assim que se aproxima do poder ou detém uma parte tão limitada do mesmo, é-lhe  oferecida a escolha entre golpes constitucionais fraudulentos, prisão e guerra, através da cooperação internacional (Brasil, Bolívia, Venezuela, Honduras). Por sua vez, Jeremy Corbyn como um ressurgimento da possibilidade articulada, programada e tangível do eco-socialismo democrático e como tal, como alvo do ódio planetário deve agora,  por sua ser defendido em toda parte, durante todo o tempo.

A sua sucessão dentro do Partido Trabalhista é uma batalha crucial cujo significado se estende muito para além das fronteiras da Grã-Bretanha.

A luta contra a vaga  revanchista reacionária, aqui ou noutros lugares, é a sua versão  ampliada . O que precede,  um incentivo para fazer disto a nossa tarefa o agora.

8/ Digamos então simplesmente com a jornalista Frea Lockley, num texto que ela dirige ao líder da esquerda britânica:

We’ve not come this far to ever be stopped.

We thank you

And we will rise.[7]

Notes

[1] Cf. les textes consacrés à ces élections traduits et présentés par Stathis Kouvelakis pour Contretemps et en l’occurrence, l’analyse faite par S Kouvelakis des faiblesses et limites de la base sociale de l’électorat travailliste : « Grande-Bretagne : les raisons d’une défaite », Contretemps, 16 décembre 2019, https://www.contretemps.eu/grande-bretagne-corbyn-defaite/

[2] Cf.  « If Britain had Germany’s electoral system, Boris Johnson may have lost the election », Washington Post, 23 décembre 2019. https://www.washingtonpost.com/world/2019/12/13/if-britain-had-germanys-electoral-system-boris-johnson-may-have-lost-election/

[3] Pour une discussion plus détaillée de ces questions, cf. Thierry Labica, « Grande-Bretagne :  quand les dirigeants du labour jouaient la carte xénophobe » Contretemps, février 2019, https://www.contretemps.eu/labour-immigration-corbyn-brown/

[4] Cette étude succède à d’autres du même type. Cf. B. Cammaerts, B. DeCillia, J. Magalhães, C. Jiminez-Martinez « Journalistic representations of Jeremy Corbyn in the British press: from watchdog to attackdog », London School of Economics and Political Sciences, 2015 ; « Should he stay or should he go? Television and online news coverage of the labour party in crisis », Dr J. Schlosberg, Media Reform Coalition and Birkbeck College University of London, 2016, ou encore, Dr. Justin Schlosberg et Laura Laker, « Labour, Antisemitism and the News : a Disinformation Paradigm », Media Reform Coalition & Birkbeck College, University of  London, septembre 2018.

[5] Célèbre faux qui visait à diriger une panique morale anti-bolchévique contre le labour.

[6] Cf. Ed Sykes, « Johnson wins not just the election, but the full backing of the far-right around the world », The Canary,  https://www.thecanary.co/trending/2019/12/13/johnson-wins-not-just-the-election-but-the-full-backing-of-the-far-right-around-the-world/

[7] Frea Lockley, « Thank you, Jeremy Corbyn », The Canary, 13 décembre 2019, https://www.thecanary.co/opinion/2019/12/13/thank-you-jeremy-corbyn/

***

Texto de Fréa Lockley:

Obrigado, Jeremy Corbyn.

Estou a escrever isto entre lágrimas e sei que não estou sozinho nisso hoje. Mas à medida que os abutres se precipitam para colher os ossos dos resultados das eleições, parece importante dizer uma coisa:

Obrigado, Jeremy Corbyn.

Hoje podemos sentir-nos destroçados, confusos e quebrados. Mas  o senhor deu-nos esperança. E isso é uma esperança que o establishment nunca poderá esmagar, por mais que queira.

Uma nova esperança…

O senhor  mostrou-nos  uma política mais amável, gentil, e  mostrou ser  forte pelo que é a verdade e  a justiça. Era por isso que eles te odiavam. Mas é inteiramente por isso que ficamos contigo e ficamos consigo ainda.

A minha crença na política partidária morreu após a marcha “Parem a Guerra” em 2003. Não queria ter nada a ver com um partido liderado por belicistas. Eles ignoraram nossas vozes e nos levaram para uma guerra de agressão que matou centenas de milhares de pessoas, criando um legado de morte e destruição que continua até hoje.

Então, em 2015, o senhor ofereceu uma mudança; uma nova esperança. Eu era um dos milhões a quem deu fé e crença numa nova maneira de fazer política. Nada disto se assemelhava a nada do que nós, ou o país, alguma vez tínhamos conhecido. O establishment odiava-nos desde o início; mas isso era, de certa forma, parte da pura alegria – porque muitos de nós tínhamos passado anos à margem desafiando todos os aspetos do mesmo establishment que podíamos desafiar.

Eu sou um dos milhões que já estavam totalmente marginalizados naquele momento. Eles podem falar dos chamados “refugiados políticos” do Reino Unido agora sob falsas alegações de uma crise de antisemitismo; mas isso ignora completamente o facto de que, para centenas e milhares de nós, era exatamente onde estávamos antes da sua liderança. Muitos de nós éramos altamente politizados, não me interpretem mal, mas isso certamente não estávamos unidos por  um manifesto e um plano unificado e coeso para ajudar milhões de pessoas. Apenas fizemos o que pudemos, quando e onde pudemos, em pequenos grupos e comunidades.

Embora estes resultados eleitorais sejam verdadeiramente devastadores, eles não nos devem subestimar. Porque isso não vai parar. Nós sabemos que precisamos dessa energia mais do que nunca nos tempos cruéis, liderados por Johnson.

Tempestade perfeita

Eu realmente não sei como é que tem conseguido continuar com tanta graça e dignidade diante de ataques contínuos e implacáveis. Mas quero agradecer-lhe  do fundo do meu coração. Porque a sua coragem em fazê-lo ensinou-me a mim e a tantas pessoas que conheço, ensinou-nos mesmo muito.

Não creio que algum líder político possa ficar incólume com o contínuo bombardeamento dos media como o que o senhor sofreu nos últimos quatro anos. Quem “simplesmente” diz “culpar Brexit” ou “culpar Corbyn” pelos resultados das eleições está tão errado. Categoricamente. Todos nós sabemos isso. Porque o establishment e os seus bilionários lacaios dos media  criaram uma tempestade perfeita. Tudo isto estava tão viciado e era tão brutal que, embora soubéssemos que estava a explodir, nós não a vimos aterrar até que nos atingiu em cheio nos  olhos. Calma. Uma calma total. Mortal.

E ainda por cima, uma  raiva igual está  diretamente situada naqueles que te atacam de dentro do teu próprio partido. Senti vergonha de ser um membro Trabalhista a testemunhar as suas ações desprezíveis. Como dissemos sobre a invasão do Iraque: não em meu nome. Espero que nunca se esqueça de quantos de nós vieram ao partido e ficaram precisamente por causa da sua liderança.

Ontem à noite, tudo isto era bem visível num banho de sangue agressivo e jubilatório do establishment. Cada dedo apontado por cada “comentador” pode parecer estar apontando para si e para a sua liderança mas, na verdade, estava apontado para eles próprios. Porque eles se propuseram a destruí-lo.

Erguer

Mas embora eles possam ter destruído aquela bela oportunidade de construir um governo de esperança e acabar com a implacável destruição que está em jogo desde que Margaret Thatcher ganhou o poder, o que fica será muito, muito mais forte. Sabemos agora que nos cabe a nós reunir‑nos e apoiar os  desabrigados, as crianças, os aposentados, deficientes, todas as pessoas forçadas a utilizar um banco alimentar, pessoas de todas as minorias visíveis ou invisíveis, e os milhões que a austeridade despojou. Vamos ser fortes para salvar o nosso Serviço Nacional de Saúde, custe o que custar.

Além das nossas costas, manteremos vivo esse mesmo amor e compaixão por nossas irmãs e irmãos na Palestina, Iémen, Rojava, e cada canto do mundo a que o potencial do seu governo também ofereceu esperança. O  gangue de Johnson vai inchar dos lucros do tráfico de armas, mas vamos continuar a luta para acabar com esse comércio pútrido e assassino

E por este belo e precioso planeta, muitos de nós daremos as nossas vidas, se necessário. Plantaremos árvores, escalaremos edifícios e colocaremos nossos corpos no caminho da máquina neoliberal para defendê-lo, acarinhá-lo e salvá-lo para os nossos filhos, para os seus filhos e mais além.

Nós sabemos a verdade, para bem além das manchas desprezíveis. Empenhaste a tua vida para combater o racismo, a intolerância e a injustiça onde quer que a encontrasses. Estamos contigo e não vamos parar de trabalhar por um mundo onde esses valores triunfem.

Talvez não hoje. Porque estamos magoados; estamos de luto. Mas não fizemos todo este caminho para  que alguma vez  possamos ser detidos.

Agradecemos-te.

E vamos erguer-nos.

Leave a Reply