CARTA DE BRAGA – “da memória e de tertúlias” por António Oliveira

Uma Carta para este dia!

25 de Abril, Dia da Liberdade ‘Liberdade, Liberdade, Quem disse que era mentira, Quero-te mais do que à morte, Quero-te mais do que à vida’, cantou José Afonso.

Começo assim esta Carta, porque vivemos tempos em que a memória, esse atributo do ser humano que lhe permite ‘ser’ entre os outros e usar a linguagem para também ‘estar’, para poder partilhar fazeres e experiências, está a ser menosprezada por uma forma de apoderamento que, alguns notam, mas a grande maioria não sabe nem quer saber. 

Mas afirmou um dia Eduardo Galeano, ‘A memória de uns poucos impõe-se como memória de todos. Mas este refletor ao iluminar as alturas, deixa as bases na obscuridade. A memória do poder escuta apenas as vozes que repitam a aborrecida litania da sua própria sacralização’.

Explica Galeano que quem não é rico, nem branco, nem macho, nem militar, raramente actua na história oficial das Américas, mas integra a cenografia, como um extra de Hollywood, ‘São os invisíveis de sempre, que em vão procuram as suas caras nesse refletor obrigatório’.

A situação que não se aplica apenas ao lado de lá do charco, tem agora outras e novas configurações, diz Yuval Noah Harari, o autor do divulgadíssimo ‘Homo Deus’.

Numa entrevista ao DN nos últimos dias de Dezembro, salienta ‘Enquanto no passado as pessoas tinham de lutar continuamente contra a exploração, no século XXI a grande luta será contra a irrelevância’.

E explica Yuval Harari ‘A revolução tecnológica mais importante do século XXI é a capacidade de «piratear» os seres humanos. Piratear seres humanos significa entender os seres humanos melhor do que eles se entendem a si mesmos’.

Se quem for ou tiver o poder (governos ou empresas) nos entender melhor do que nós nos entendemos, ‘poderá prever as nossas decisões, manipulá-las e até mesmo tomar decisões em nosso nome’.

Mas estamos a viver também, tempos em que ‘não queremos assumir os nossos actos que derivam já de outros actos. Como se, quem escreve sobre os outros, não queira receber o que lhe respondem. É falta de respeito pela verdade!

É a assunção da ética da publicidade, diz o veterano criativo publicitário Toni Segarra, ‘É mais honesta e actual que a velha pretensão dos políticos e poderosos. Na minha classe, admitimos há anos sermos mentirosos, mas a piada está quando a nossa mentira acerta na verdade do comprador’.

Todo um conjunto de afirmações a mostrar bem onde a cultura dos ecrãs, grandes ou pequenos, nos arrastou e está a arrastar, particularmente sentido na Europa, agora também a sofrer ‘tratos de polé’ por causa do covid.

Numa conferência sobre ‘A ideia de Europa’, o filósofo recentemente desaparecido George Steiner, afirmou que o conceito de Europa ‘é uma sucessão infinda de cafés de Lisboa a Odessa, uma espécie de tertúlia interminável onde discutem artistas e filósofos, músicos e matemáticos, pintores e poetas’.

E salienta que não há cafés em Moscovo, nem na Inglaterra, Escócia, Irlanda e muito menos nos Estados Unidos, o paraíso da velocidade e da comida rápida.

Como se nos dissesse – a Europa é uma necessidade histórica e único destino possível, uma tertúlia imensa para partilhar esperanças, sonhos, livros, músicas e artes.

Tudo isto se pode perder pois ‘Envelhecemos cuidando dos prazeres do corpo, adictos como nunca aos calmantes da mente, mas não há pressa’, garante Victor Lapuente, professor na Universidade de Gotemburgo.

O sociólogo vai mais longe ‘O império romano decaiu suavemente durante quatro séculos. Assim, relaxe-se e perca-se na internet!

Lá está só, sem figurantes e até acredita estar em liberdade!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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