A imprensa falada e escrita vem tentando informar-nos das discussões que, em princípio, permitirão chegar a um acordo para a aprovação do Orçamento de Estado, o qual tem implicações na vida de todos os portugueses, os quais, no tipo de «democracia» que vivemos, se diz estarem representados pelos partidos políticos com representação parlamentar. Será assim?
Prestando alguma atenção às declarações dos chefes partidários —não consigo chamar-lhes líderes, por não considerar que o sejam—, há algo que me desperta de imediato e que é a hipocrisia reinante. Duvidam? Vejamos e basta uma pequena chamada de atenção:
Começo por lembrar uma das propostas mais badaladas pelo governo, que é a descida da taxa de retenção do IRS, e que não merece qualquer comentário a não ser a chamada de atenção para a hipocrisia de uma medida destas. Depois, o primeiro-ministro diz querer aprovar um OE com os chamados partidos de esquerda, fundamentalmente com o PCP e com o BE; entretanto, vai negociando com o PSD (ou com Rui Rio, não sei bem), com o apoio, e intervenção, já descarado do presidente da república. Não é isto uma evidente hipocrisia? É bom lembrar aqui as declarações do primeiro-ministro, quando afirma que, quando tiver que negociar com o PSD para viabilizar o governo, este deixará de existir (claro, não foram estas as palavras, mas é este o sentido do que ele quer que nós pensemos). Chamo a isto jogo político, até para ser simpático.
Assim, temos: os chamados partidos de esquerda (BE e PCP) perante a hipótese de deixarem passar o OE abstendo-se ou, menos provável, votando a favor, o que vai permitir a propaganda triunfalista do primeiro-ministro, que assim encosta à parede os partidos considerados à esquerda do PS; outra hipótese, é estes dois partidos votarem contra, o que vai levar à abstenção do PSD, o que irá permitir a Rui Rio propagandear o seu patriotismo, lembrando que não é o seu OE, mas que o sentido patriótico do PSD viabilizou a continuidade do governo, evitando a grave crise que se seguiria. Nesta última hipótese, o PSD fica com as mãos um pouco mais livres. O primeiro-ministro, a confirmar-se esta abstenção do PSD e o voto contra do BE e do PCP, poderá dizer que estes partidos de esquerda não têm o sentido de Estado e não são patriotas, dando prioridade aos seus interesses mais mesquinhos.
Claro que o PR não ficará calado, tendo assim mais argumentos para a sua propaganda eleitoral com vista às eleições presidenciais.
O governo já entregou a sua proposta de OE para 2021 no Parlamento e, na véspera, Domingo 11 de Outubro, o governo e os dois partidos, BE e PCP, ainda estavam a discutir à procura de um acordo e, segundo o Público, num texto de Marta Moitinho de Oliveira (pg. 16 da edição impressa desse Domingo) «Até ontem, eram 19 os pontos em debate entre o BE e o Governo, nove dos quais sem qualquer contraproposta da parte do executivo», o que, provavelmente, levará o BE e talvez também o PCP, a abster-se na primeira votação, tentando depois na especialidade obter mais algumas vitórias que permitam a este partido votar favoravelmente.
Não sou economista, nem sequer contabilista, mas no meu orçamento doméstico, contemplo sempre duas colunas: num lado a Despesa, no outro o Rendimento. Sei que ficarei em maus lençóis se a coluna da despesa totalizar um valor maior do que a do Rendimento e, no OE, a coisa não é diferente.
Ora, segundo as últimas notícias, a actual pandemia vai levar a dívida pública para 130% do PIB até ao final do ano e a proposta do governo para o OE irá contribuir para o seu significativo aumento, como não poderá deixar de ser com os problemas criados com a pandemia, nas questões de ordem social e nos problemas criados a quase todas as empresas, micro, pequenas/médias e grandes empresas. Mas não há problema, dizem-nos os nossos profissionais da política, a recuperação vai ser muito superior à conseguida no seguimento da crise de 2007/8, de tal maneira que o governo nem sequer vai aproveitar o dinheiro barato que a UE se propõe emprestar, o que me leva a perguntar: os mercado financeiros, a que não conseguiremos deixar de pedir mais uns milhões, emprestarão dinheiro a um custo mais favorável do que aquele que é proposto pela UE para resposta à crise gerada pela pandemia?
Quantas empresas já fecharam e que não vão voltar a abrir? Algum dos partidos se lembrou que as microempresas foram fundamentais na aparente recuperação conseguida após a crise de 2007/8? Digo aparente recuperação por estar convicto —os factos julgo que o confirmam— que a austeridade esteve sempre presente nas medidas tomadas pelo governo PS, com Mário Centeno nas Finanças.
Com as medidas tomadas na UE, acredito que haja uma recuperação, mas muitas das empresas que fecharam não voltarão a abrir. Dir-me-ão que alguns empresários não vão desistir e abrirão novas empresas, o que não me custa a admitir, mas não o farão de imediato.
A descapitalização da generalidade das empresas portuguesas é um facto que ninguém nega e eu gostaria de saber aonde vão essas empresas conseguir o capital de que necessitam, para mais com o primeiro-ministro a não querer os empréstimos do programa da UE. Mas não são apenas as pequenas/médias e grandes empresas que necessitam de capital, também o pequeno merceeiro dos muitos vilarejos vão necessitar de apoio para retomar as suas actividades, assim como muitas outras microempresas.
Outra minha preocupação tem a ver com o que eu pressinto nas medidas tomadas na UE e que me levam a concluir que a preocupação maior é retomar a mesma vida de antes da pandemia, ou seja, parece-me que os políticos europeus nada aprenderam com a pandemia. E nós, portugueses, vamos continuar a acumular dívida, já que parece não sabermos viver de outra forma.
Bom, por que razão não hei-de eu ser um optimista, para mais sendo um analfabeto em economia e finanças? Tudo vai correr bem!
Agora, o pessimista entra em campo. Vejamos:
Li as 49 medidas propostas pelo PCP, cuja justeza não ponho em causa, e apenas duas poderão trazer rendimento, que são:
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«Tributar em sede de IRC empresas cujos lucros resultem da actividade desenvolvida no território nacional;
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Avançar na tributação das transacções financeiras em sede de Imposto de Selo»
Que percentagem destas receitas suportam as despesas com as restantes medidas propostas por este partido? Como seria um OE proposto pelo PCP se fosse governo?
Não vou analisar todas as 49 medidas propostas pelo PCP (algumas, se fossem levadas à prática talvez poupassem a curto/médio prazo muitos milhões ao Estado, concedo), reflectindo aqui àcerca de uma delas, que é: «Definição de um Programa de Emprego Público com um aumento de 25 mil trabalhadores já em 2021, incluindo o reforço de 5000 auxiliares nas escolas»
Ora, o PCP terá feito um levantamento das carências de pessoal na Administração Pública e chegado à conclusão da necessidade de dar emprego àquele número de pessoas, embora, com a leitura das propostas, como é natural, não fiquemos a saber onde se situam essas carências. No entanto, há outras questões que o PCP não terá deixado de considerar:
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a má distribuição dos empregados da função pública e a necessidade de transferir o pessoal em excesso nuns locais para outros com carências;
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as carências de que sofrem os serviços públicos de material informático que, ao contemplar todos os serviços, não deixará, num curto prazo, de dispensar pessoas, diminuindo assim os postos de trabalho;
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a falta de formação de uma enorme percentagem de empregados da função pública para trabalhar com as novas tecnologias;
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a necessidade urgente de formação de gestores em todos os níveis da função pública, a começar nos Directores e nos Chefes de Serviço, que demonstram incapacidade para os cargos que detêm;
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criar legislação que obrigue à escolha de todos os responsáveis da função pública, sem esquecer os Directores-Gerais, mediante prestação de provas e aprovados por um júri independente de qualquer pressão política;
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… (fico por aqui para não dar a ideia de ser exaustivo e depois esquecer uma ou outra medida necessária).