Tirao por la vida de errante bohemio
Estoy, Buenos Aires, anclao en Paris.
Cubierto de males, bandeado de apremio,
Te evoco, desde este lejano país.
Contemplo la nieve que cae blandamente
Desde mi ventana, que da al bulevar:
Las luces rojizas, con tono muriente,
Parecen pupilas de extraño mirar…
Escuto, brandamente, Gardel. Afora vai um frio castelhano. O ambiente é surreal com luzes de cores na tarde de novembro. Não neva, para completar a cena, mas apenas porque a mudança climática não deixa. O mundo anda louco neste pre-natal. Essa voz característica do tango envolve-me à perfeição e leva-me a memórias de boliche decadente e café em Montevideu. Conversas de orientais, nas coordenadas da esquerda popular e universitária, com a fantasma ultra-pressente de uma classe média condenada, crepuscular e decadente; outrora fortíssima, mas com décadas em demolição.
Cuba, o Brasil gaúcho, Chicago, Montevideu, Buenos Aires, Madrid, Lisboa. Viagens na mocidade em formação, conversas, modelos diferentes, mas desigualdades, privilégio de uns poucos, oligarquias exibicionistas educadas no mais ridículo egoísmo, leis e tribunais a serviço dos que mandam, frivolidade, enxergadas por toda a parte. O passado é o futuro. Boémia, tertúlias de corredores universitários, de bibliotecas e arquivos, de estações, aeroportos e comboios, de botequins, flaneurismo de passeante solitário armado com algum livro.
Ancorado à beira do Pisuerga, out of place, resulta difícil não se mergulhar em saudades e tristuras. Talvez a única constância é a impotência, o costume de ler e observar arredor, vendo-nos submersos num declínio crescente e no absurdo sem futuro das sociedades nas que vivemos. Vou percebendo, por momentos, medrar o medo no ambiente, como ambiente, envolvendo tudo, aos poucos, até sentir nos ossos, como o ar gélido, nesta ausência de calor e janelas abertas nos centros de trabalho, numa ausência perfeita de lógica, planificação ou comando coordenado.
Medra a violência social e de palavra, a ameaça, o debate vira bronco. O machismo está aí, e na balança as contas de todas as mulheres assassinadas, estupradas, agredidas, ameaçadas e aterrorizadas, valem menos que as varonis lembranças de tardes gloriosas de futebol. Filas de fame, maltrato comercial aos idosos confinados em reservas, continuam a somar rostos às histórias de dominação. Escravidão infantil nas roupas, na tecnologia e nos complementos, plástico em todos os empacotados de todos os objetos. Comércio de distância e logísticas de transporte, gestão e pago a transformar em absurdo o mundo. O desequilibro económico a favor de minorias privilegiadas, fechadas nos seus domínios e condomínios aumenta exponencialmente, e as previsões são a pior. A classe média que parece ir indo, também cá, ao vivo, pelo esgoto ou com as correntes de ar.

As gráficas das bolsas a subir parecem-se suspeitosamente às gráficas das mortes e contágios: venda online, elétricas, tecnológicas, transportes, sanitárias, geriátricos, médicas, bancos, supers, distribuição, grandes empresas que se arrastam. Ganha o capital, perde a gente, esmorece o pequeno negócio dos bairros. Um clássico.
Volvo, pois, ao expressionismo e post-expressionismo e à música de entre guerras. Compreendo o “Realismo mágico” como escapismo das mentes mais sensíveis e impotentes, afastadas do conforto das culturas democráticas ou do sonho no futuro das revolucionárias.
Mergulho também no “realismo Soviético”, a representar uma “realidade” para além do presente: o futuro imaginado do socialismo como paraíso. Uma arte para os novos cidadãos que não apenas já podiam ler e entender os posters e a arte, quanto que também participavam e esperavam essa mensagem de épica coletiva, vanguarda e impulso mítico emanando da arte.
Refúgios contra a desumanização e a brutalidade que espelham os média, jorrando miséria, imprevisão e desigualdade, cantando a glória e defendendo 24 horas x 7 dias o capitalismo mais bestial.
Petisco nas ficções memorialistas de pre-guerra e guerra de Siegfried Sassoon, a trilogia completa assinada por “George Sherston” (Memoirs of a Fox-Hunting Man, Memoirs of an Infantry Officer e Sherston’s Progress). O volume é 1940 (Reprint Society, London) capa dura, tela amarela industrial, letras douradas em lombada sobre um fundo castanho, a tipografia limpa e o papel não ruim. A II Grande Guerra apenas estava começando a expor o catálogo nos seus sofrimentos e o Império, os impérios, por enquanto digeriam a sua louca política internacional de entre-guerras, que consistira em ir deixando medrar e alimentando monstros.
Alimentar monstros. São tempos, e que tempos, para compreendermos a narrativa auto-biográfica, para mergulharmos em autores que romperam e trataram de exprimir a loucura do mundo e naqueles que cultivaram, como flores de estufa, narrativas de escape noutras épocas e imaginações.
De Proust a Ursula K. Legin também não há tanta distância, e menos se paramos em Chaplin, Tolkien, Lewis, Marietta Shaginyan, Sassoon, Pasternak, Otero Pedrayo, Risco, ou Álvaro Cunqueiro.
Caminhamos firmes cara um futuro neofeudal.
Mas antes polo que parece vamos sofrer o purgatório do sutoritarismo que elimina o que era a autoridade, a confusão permamente que confunde tirania e autoritarismo com autoridade, que é outra cousa, legitima cinguda pola lei, e que é sentuda como legítima. O autiritarismo vai-se legitimando na sua violência.
Ainda que não estamos nos anos 30 do século passado, o seu conhecimento, as boas leituras, podem-nos ajudar para driblarmos na nova realidade.
Bem bom texto, desde ai, essa particular torre de castelo a beira do Pisorga, a fronteira da Gallaecia de Diocleciano, e os campos aquém Pisorga, (valhadolide está além), hoje mais ou menos terras de campos, eram de aquela os Campos Galaicos…isso sim com muito mais arvoredo e verdura da que há no presente