Tempos de pandemia, de disfuncionamento da justiça, de disfuncionamento dos mercados, de apostas selvagens em Wall Street – 3. ARCHEGOS E AS APOSTAS SELVAGENS DE WALL STREET – 3B. A HISTÓRIA DA ARCHEGOS: 7. O calendário para a falência de Archegos. Por Matt Levine

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

 

3B. A história da Archegos – 7. O calendário para a falência de Archegos

N.E. Este texto é um extrato do artigo Blackrock Borrows Against Diversity, Archegos timing.

 

 Por Matt Levine

Publicado por em 7 de Abril de 2021 (ver aqui)

 

(…)

Momento da Archegos

A partir de, digamos, segunda-feira, 22 de Março, o escritório familiar de Bill Hwang, a Archegos Capital Management, tinha em aplicação swaps de retorno total com meia dúzia de bancos que lhe deram a propriedade económica de enormíssimas quantidades de títulos da ViacomCBS Inc., Discovery Inc., Baidu Inc., GSX Techedu Inc. e meia dúzia de outras ações. Com o passar da semana, essas ações desceram, e as contrapartes dos swaps da Archegos enviaram-lhe chamadas de margem exigindo que colocasse mais dinheiro para manter os swaps. A Archegos ter-se-á mais ou menos recusado a fazer isso, e na segunda-feira seguinte, 29 de Março, digamos, já não tinha esses swaps [1].

Os bancos que serviram como contrapartes da Archegos nos swaps fizeram a cobertura desses swaps através da propriedade de volumes gigantes de ações subjacentes. Assim, por exemplo, Goldman Sachs Group Inc. e Morgan Stanley estão citados, na Bloomberg, como os dois maiores detentores de GSX Techedu, com uma combinação de 32% dos certificados de depósito americanos em Janeiro, não porque sejam grandes apostadores à alta de GSX mas porque são (bem, eram) contrapartes dos grandes apostadores à alta em GSX como a Archegos. Quando a Archegos falhou nas suas chamadas de margem, os bancos terminaram os seus swaps, o que significa que já não estavam economicamente a descoberto em enormes quantidades de títulos para a Archegos. Um resultado disto é que eles estavam economicamente desprotegidos  face a enormes quantidades de ações, sem cobertura: As enormes quantidades de títulos que possuíam como cobertura para os seus enormes swaps eram agora apenas posições longas nuas; os bancos estavam economicamente expostos ao que quer que acontecesse com as ações. Grosso modo, eles compraram as ações ao preço do seu financiamento para a Archegos: se uma ação atingisse um pico de 100 dólares e um banco exigisse uma margem de 15%, então o banco conseguiu confiscar os 15 dólares de dinheiro da Archegos e efetivamente possuía as ações a 85 dólares [2].

Isto é mau. É principalmente mau porque os bancos não querem estar a possuir grandes blocos de títulos não cobertos. Possuir 10 mil milhões de dólares das ações de uma empresa para cobrir um swap de 10 mil milhões dedólares é apenas um bom serviço ao cliente e normalmente (nem sempre!) não o expõe a muito risco de mercado. Possuir 10 mil milhões de dólares das ações de uma empresa é uma estranha posição proprietária e expõe-o a 10 mil milhões de dólares de risco de mercado [3].

Mas também é mau porque as ações vão baixar. Por um lado, as ações já baixaram; todo o problema começou porque as ações do swap com a Archegos baixaram, conduzindo às chamadas de margem que fizeram explodir a situação. Por outro lado, o facto de todos os bancos ligados a estas operações com a Archegos possuírem subitamente grandes quantidades de ações sem cobertura, o que eles não querem, significa que todos eles iriam vender essas ações tão rapidamente quanto possível. Algo como 50 ou 100 mil milhões de dólares de ações passaram instantaneamente das mãos de um investidor fundamental a longo prazo (Archegos) para as mãos de operadores em bolsa desconfortáveis a curto prazo (os bancos) que queriam vender imediatamente. Se os maiores detentores de uma ação precisarem de vender uma tonelada de tudo de uma só vez, as ações irão descer.

Tudo isto é óbvio e se formos um dos bancos da Archegos, há basicamente duas formas de lidar com isto. Uma é esperar. Diz-se, olha, acabámos com estes swaps e agora somos donos diretos de blocos gigantes de Viacom e Baidu e GSX e outras empresas com as quais não nos preocupamos particularmente. O nosso trabalho agora é sermos donos inteligentes dessas ações. As ações vão baixar muito esta semana, porque todas as outras contrapartes de swap vão vender, mas se esperarmos que a pressão de venda diminua e talvez as ações recuperem e possamos vendê-las com menos perdas, ou mesmo com lucro.

Isso é uma coisa difícil de fazer. Mais uma vez, se trabalhamos em corretagem de primeira linha ou em swaps sobre ações num grande banco, simplesmente não estamos interessados em deter milhares de milhões de dólares de ações, sem garantia, durante longos períodos sujeitos a enormes perdas de mercado. Temos 10 mil milhões de dólares de ações, cai para 5 mil milhões de dólares, temos uma perda de 5 mil milhões de dólares a preços de mercado, o CEO chama-nos e pergunta-nos o que pensamos sobre o que se está a fazer, e nós dizemos “oh está tudo bem, acabei de me encontrar com 10 mil milhões de dólares de ações e decidi agarrar-me a elas, temos de esperar que recuperem”, e o CEO despede-me imediata e publicamente [4]. A nossa substituta não é uma boneca; ela sabe que se vender as ações agora terá uma enorme perda e ninguém a vai culpar – esta situação é tudo culpa nossa – mas se ela se agarrar a isso e a ação continuar a descer, também será despedida. Por isso, ela vai despejar os títulos em carteira no mercado.

Além disso, separadamente, a espera poderia ser apenas uma manobra idiota de uma perspetiva fundamental, se as ações estivessem sobrevalorizadas em primeiro lugar. Presumivelmente, se for o operador em bolsa que emite o swap que deu à Archegos a exposição ao risco com essas ações, terá apenas uma visão limitada dos fundamentais das ações. Não estava a apostar nessas ações; estava apenas a facilitar as apostas da Archegos. Talvez subam quando a pressão de venda da margem diminuir, mas talvez não.[5]

Ainda assim, há uma tentação óbvia de esperar. A Bloomberg News relatou que quando os bancos da Archegos se reuniram para discutir a situação, o Credit Suisse levantou a ideia.

Sublinhando o caos de uma situação de escalada, os representantes do Credit Suisse Group AG apresentaram uma sugestão ao reunir-se … para enfrentar a realidade de uma chamada de margem tão excepcional e considerar formas de mitigar os danos: Talvez esperar para ver se as suas ações recuperam? A Viacom, notaram alguns, parecia artificialmente com um valor baixo depois de ter ultrapassado os 100 dólares apenas dois dias antes.

Não só isso, mas parece que o Credit Suisse esperou mesmo:

As últimas transações do banco deram-se mais de uma semana depois de vários rivais terem largado as suas ações para evitar as perdas. O Credit Suisse chegou ao mercado com negócios de blocos ligados à ViacomCBS Inc., Vipshop Holdings Ltd. e Farfetch Ltd., disse uma pessoa com conhecimento do assunto. As ações foram negociadas substancialmente abaixo do valor que tinham no mês passado antes do escritório familiar de Bill Hwang ter implodido.

“E pôde sofrer ainda mais impacto da explosão da Archegos Capital Management neste trimestre, à medida que se reduz as posições residuais”. Isto não correu muito bem para o Credit Suisse, que sofreu 4,7 mil milhões de dólares de perdas, mas também não tenho a certeza de que esperar uma semana mais fosse uma situação pior; Vipshop e Farfetch fecharam ambos um pouco mais alto esta segunda-feira do que na segunda-feira passada, quando muitos dos bancos mais rápidos a desfazerem-se dos títulos estavam a explodir as suas posições. (ViacomCBS fechou mais baixo.) E a carteira da Archegos recuperou, um pouco, esta semana. Não era um plano terrível, esperar que alguns dos outros vendedores saíssem do caminho. Parece, no entanto, ter resultado no despedimento de todos os envolvidos, que é o que se tem de esperar nesta situação.

A outra abordagem, claro, é vender primeiro, antes que todos os outros vendam e o que o valor do título caia. Morgan Stanley sabe:

Na noite anterior à história da Archegos Capital rebentar em público no final do mês de Março, o maior corretor principal do fundo vendeu tranquilamente algumas das suas posições de risco para fundos de cobertura, disseram à CNBC pessoas com conhecimento dos negócios.

A Morgan Stanley vendeu cerca de 5 mil milhões de dólares em ações das condenadas apostas da Archegos sobre os meios de comunicação social americanos e nomes tecnológicos chineses a um pequeno grupo de fundos de cobertura na quinta-feira, 25 de Março, de acordo com uma pessoa que pediu anonimato para falar francamente sobre a transação.

A Morgan Stanley teve o consentimento da Archegos, dirigida pelo antigo analista da Tiger Management Bill Hwang, para fazer circular ações suas na quinta-feira última, disseram estas pessoas. O banco ofereceu as ações com desconto a fundos de cobertura dizendo-lhes que faziam parte de uma chamada de margem que podia evitar o colapso de um cliente não designado.

Mas o banco de investimento tinha informações que não partilhava com os compradores das ações: O cesto de ações que vendia, composto por cerca de oito nomes, incluindo Baidu e Tencent Music, era apenas a salva de abertura de uma onda sem precedentes de dezenas de milhares de milhões de dólares em vendas do Morgan Stanley e de outros bancos de investimento a partir do dia seguinte.

Alguns dos clientes sentiram-se traídos pela Morgan Stanley por não lhes ter sido dado a conhecer esse contexto crucial, de acordo com uma das pessoas familiarizadas com estas transações. Os fundos de cobertura souberam mais tarde, em relatos de imprensa, que Hwang e os seus principais corretores se reuniram na quinta-feira à noite para tentarem libertarem-se de forma ordenada das suas exposições de risco, uma tarefa difícil tendo em conta o risco que seria ampliado se essa palavra fosse divulgada.

Isso significa que pelo menos alguns banqueiros da Morgan Stanley sabiam a extensão da venda que era provável e que era pouco provável que a firma de Hwang fosse salva, dizem estas pessoas informadas sobre estes instrumentos financeiros.

Sim, bem. Se souber que vai precisar de vender 50 mil milhões de dólares de ações, e começar por vender 5 mil milhões de dólares de ações, naturalmente não vai querer dizer aos compradores que há mais 45 mil milhões de dólares a chegar. Então, quando vierem mais 45 mil milhões de dólares, o preço descerá mais, e os seus compradores originais sentir-se-ão traídos. Eles foram traídos! Isso é a vida como uma contraparte do swap: por vezes, despeja-se grande volume de títulos num banco sem se lhe dizer que se vai vender mais; outras vezes, o banco despeja elevado número de títulos em cima de nós e sem nos dizer que serão vendidos muitos mais títulos.

Era pouco desportivo para o Morgan Stanley fazer isto a esses fundos de cobertura, e esses fundos deviam estar zangados com o Morgan Stanley e talvez recusar-se a negociar com ele durante algum tempo, mas também era totalmente correto que o Morgan Stanley fizesse isto, e fá-lo-iam de novo se tivessem de o fazer. Se estiver a olhar para milhares de milhões de dólares de perdas potenciais, e pode evitá-las queimando alguns clientes, queima os clientes. E depois eles ficam justificadamente zangados consigo, e dizem coisas más à imprensa e perdem algum negócio em perspetiva, mas poupa os milhares de milhões de dólares. Parece melhor do que a alternativa.

(…)


NOTAS (N.T. as notas foram renumeradas a partir de 1, como se se tratasse de um texto isolado)

[1] Ainda não vi detalhes sobre exactamente quando os swaps foram formalmente terminados, e é possível que alguns bancos os mantivessem até mais tarde na semana, mas intuitivamente esse fim-de-semana, 25 a 29 de Março, parece ter sido a altura em que todos desistiram da Archegos.

[2] Há aqui alguns aspectos técnicos sobre quando e como se fecha a posição: Se fechar vendendo imediatamente o stock por $90, então provavelmente terá de dar à Archegos os $5 extra. Se fechar por licitação de risco – ou seja, vendendo-o a si próprio a $80 e declarando que é o preço de mercado – e depois vendê-lo no dia seguinte por $90, então talvez fique com os $5 extra, mas poderá ser processado. Se fechar por $80, e depois o vender três meses depois por $90, pode certamente manter os $5 extra. Isto é tudo irrelevante para a Archegos porque as acções caíram rapidamente onde a Archegos tinha acções, mas suponho que é possível que alguns dos bancos que venderam mais cedo tenham efectivamente compensado mais do que os seus empréstimos.

[3] Os críticos dos grandes bancos às vezes acreditam que eles adoram secretamente fazer muitos negócios de sua propriedade arriscados, mas (1) não estou convencido que isso seja especialmente verdade, (2) se for verdade, será em áreas estranhas onde os bancos têm vantagens informativas, não apenas em possuir uma tonelada de acções de uma empresa, e (3) o apetite por negócios de sua propriedade arriscados é para negócios ‘que o banco escolhe’: Uma coisa é correr 10 mil milhões de dólares de risco numa acção que se adora; outra coisa é correr 10 mil milhões de dólares de risco numa acção que se comprou como uma negociação de facilitação de clientes para um cliente que desapareceu.

[4] Mesmo que consiga convencer o CEO de que sabe o que está a fazer, os reguladores e supervisores e os políticos e accionistas e depositantes e, na realidade todos, não ficarão satisfeitos com uma posição proprietária gigante com perdas gigantescas.

[5] Pelo menos algumas das acções da Archegos parecem ter sido negociadas a níveis elevados, a partir de meados de Março, precisamente ‘por causa’ da enorme compra da Archegos; quando essa pressão de compra desaparece, não há razão óbvia para esperar que as acções regressem a esses níveis a médio prazo. A Bloomberg News relatou que “foram as próprias encomendas de Hwang que ajudaram a fazer da Viacom o melhor executante do ano no S&P 500”, e que “sem ele criar essa dinâmica, a Viacom e as suas outras posições tinham pouca esperança de recuperação”.

 


O autor: Matt Levine é um colunista da Bloomberg Opinion cobrindo o setor financeiro. Foi editor da Dealbreaker, um banqueiro de investimentos da Goldman Sachs, advogado de fusões e aquisições da Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, e secretário do Tribunal de Recursos da 3ª Região dos EUA.

 

 

 

 

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