A ITÁLIA NA ENCRUZILHADA – XII – por ANNA ROSA SCRITTORI

 

Na quarta-feira, 27 de Outubro, o Senado da República Italiana reuniu-se em sessão extraordinária para aprovar o decreto-lei “Zan”, que prevê uma série de normas contra a homo-transfobia. O documento, já aprovado pelo Parlamento na Primavera passada, espera pelo voto do Senado para ser transformado em lei ordinária da República Italiana. Da bancada da direita, porém, chega o pedido – legítimo – de fazer a votação com o sistema de escrutínio secreto, e o que parecia uma mera passagem formal, depois da aprovação parlamentar, tornou-se, pelo contrário, na ocasião de um aceso confronto político; o voto secreto passa e a lei foi, naturalmente, rejeitada com a ajuda de 34 franco-atiradores provenientes sobretudo do grupo de Renzi mas também de alguns senadores M5S e PD.

Os bastidores

O episódio é extremamente significativo do estado das relações políticas em Itália: enquanto o governo Draghi constrói pacientemente, dia após dia, a sua estratégia, apoiando-se numa maioria “de emergência” entre partidos que não têm afinidades entre si, o confronto político desloca-se às vezes para o Parlamento mas, mais frequentemente, para acções concretas que envolvem todo o país. A não aprovação da lei “Zan”, em particular, é, em primeiro lugar, uma resposta da direita aos sucessos que o PD obteve nas eleições autárquicas em Roma, Nápoles, Turim, Milão e Bolonha, enquanto a gestão da saúde pública em tempos de pandemia, rastejante, põe periodicamente em campo um choque frontal entre opções opostas, de direita e de esquerda. O PD favorece uma gestão prudente das fases pandémicas, a direita, por sua vez – a “Lega” sobretudo – joga às escondidas com os humores do público e, embora seja força de governo, une-se ao partido de Meloni (que está na oposição) para incentivar manifestações hostis às propostas governativas, como a campanha de vacinação, a obrigatoriedade do certificado relativo também e sobretudo nos lugares de trabalho – substituído por um côngruo número de testes negativos, pagos -. Há várias semanas que as maiores cidades italianas se tornaram teatro de manifestações até violentas de grupos que recusam a vacinação e o certificado em nome da liberdade pessoal, sem ter em conta que as instituições de um Estado de direito, embora respeitando as liberdades pessoais, não podem consentir que as acções violentas de uma minoria hostil à vacina (15%) ponham em discussão o direito à saúde da maioria dos vacinados (85%). Nos último dias está a pensar-se, justamente, em restrições na via pública para quem recusa as vacinas sem razões plausíveis.

O facto é que as manifestações dos “no vax” e “no pass” são sustentadas e fomentadas por grupos de neo-fascistas ou neo-nazistas, os quais, infiltrados nos vários grupos discordantes através da “Web”, procuram aproveitar a ignorância e os medos de muitos cidadãos para impor o seu plano eversivo das instituições de representação democrática. Vai neste sentido o ataque  e a destruição da sede romana da CGIL – o maior sindicato italiano – em 9 de Outubro, guiados pelos mais violentos representantes de “Forza Nuova” e “Casa Pound”, que obtiveram subrepticiamente uma espécie de legitimação política da extrema direita.

A mãe de todas as batalhas

Enquanto o governo Draghi avança, valendo-se sobretudo do prestígio internacional do primeiro-ministro, não se pode negar que a instabilidade é o facto dominante do actual quadro político da Itália, porque a crise pandémica está a impor, para o futuro, um reposicionamento, difícil de actuar, de todos os actores em cena. A necessidade de uma tal e decidida renovação é ainda mais premente se se considera que o momento mais importante que o Parlamento italiano enfrentará, em Fevereiro próximo, é a eleição do sucessor do presidente Sergio Mattarella. É óbvio que os partidos já começaram grandes manobras para conquistar os melhores candidatos, nos últimos anos sempre encontrados entre expoentes do centro-esquerda. O problema é, porém, duplo: como arrumar o candidato no Quirinale e outro para guiar o governo? A melhor situação seria obviamente não desviar nenhuma pedra do actual sistema, Matarella com um segundo mandato e Draghi no governo. O problema é que o primeiro já fez saber que não aceitará uma evidente violação da Constituição; portanto Draghi poderá obter um plebiscito para a sua eleição à presidência da República mas, neste caso, quem guiará o governo, durante e depois da fase de emergência?

Com tanta confusão de propostas, há porém uma pessoa que deu a sua incondicional disponibilidade para assumir a presidência da República italiana: Silvio Berlusconi.

tradução de Manuel Simões

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