Nota do editor:
Em virtude da extensão deste texto, e conforme acordado com o seu autor, o mesmo será publicado em três partes.
Coimbra, 6 de Dezembro de 2021
Os trumpismos, de direita e de esquerda, ou o contexto das Universidades no novo paradigma da ignorância diplomada e polida
Por esta via, a da ignorância diplomada e polida, chega-se ao trumpismo pela porta de trás, pelas mãos de gentes consideradas de esquerda. Como diz Andrew Bacevich, os Democratas gostam muito do que Trump faz (afirmação escrita ainda com Trump na Presidência) mas não gostam de que seja ele a fazê-lo. Dito de outra forma, entre Democratas e Republicanos há, na opinião de Andrew Bacevich, uma base comum e aqui estamos de acordo com este crítico da política belicista americana. Recuemos no tempo e encontramos que essa base comum é tanto a matriz das políticas neoliberais expressas pelo Consenso de Washington, a matriz do neoliberalismo, como as políticas nacionais que o querem transpor e adequar ao quadro nacional e ao momento político de cada país. Diríamos assim que, politicamente, os políticos do arco do poder destas 3 últimas décadas se devem dividir em duas categorias: os neoliberais de direita (os republicanos) e os neoliberais de esquerda (os Novos Democratas) de que falaremos a seguir. Porém, para nos situarmos na ideia de Bacevich, substituiremos estas duas categorias por trumpismo na versão republicana ou de direita e por trumpismo na versão democrata ou de esquerda e isto porque a realidade nos remete para um registo algo irónico.
No caso americano, a diferença entre uns e outros, entre (Novos) Democratas e Republicanos, entre trumpismos de um lado e do outro, provém, para a mesma matriz das políticas, das alianças de classe que uns e outros fazem na sua trajetória política, como provém também dos métodos utilizados para o efeito por cada um deles.
Sobre a ideia de neoliberalismo, e tomando como referência os Estados Unidos, vejamos o que nos diz Mike Konczal em O “Neoliberalismo” não é um epíteto vazio. É um conjunto real e poderoso de ideias:
“A dificuldade de entender o que significa neoliberalismo resulta de o termo ser usado para descrever três desenvolvimentos intelectuais sobrepostos mas muito distintos. Nos círculos políticos, é mais comumente usado para se referir a uma tentativa bem sucedida de deslocar o Partido Democrata para o centro, no rescaldo das vitórias conservadoras dos anos 80. Podemos referir-nos à influente obra de Bill Galston e Elaine Kamarck em 1989 The Politics of Evasion, em que os autores argumentam que os programas democratas “devem ser moldados e defendidos dentro de um clima ideológico inóspito, e não podem por si só remediar a antipatia mais ampla do eleitorado ao liberalismo contemporâneo.
Galston e Kamarck apelavam a um liberalismo do New Deal que fosse atualizado para se tornar mais aceitável a uma população de direita, depois de Reagan e da ascendência do conservadorismo. Também se poderia dizer que eles estavam a apelar à “triangulação” entre o Reaganismo e o liberalismo do New Deal – ou, na pior das hipóteses, a abandonar a abordagem ao estilo FDR.” (…)
“Nos círculos económicos, o “neoliberalismo” é identificado com uma resposta de elite às crises económicas dos anos 70: a estagflação, a crise energética, a quase falência de Nova Iorque. A resposta a estas crises foi de natureza conservadora, contrariando a gestão económica do período de meados do século. É por vezes conhecido como o “Consenso de Washington“, um conjunto de 10 políticas que se tornaram o novo senso comum económico.
Estas políticas incluíam a redução das taxas fiscais marginais máximas, a liberalização do comércio, a privatização dos serviços governamentais, e a desregulamentação. Estas tornaram-se as coisas mais sensatas para as pessoas genéricas em Washington e noutras sedes globais abraçarem e promoverem, e as políticas foram empurradas para outros países através de instituições globais como o Fundo Monetário Internacional. Isto teve consequências significativas para o poder do capital, tal como o geógrafo David Harvey escreve na sua Introdução Sucinta ao Neoliberalismo. O resultado de tais políticas, como observa a socióloga histórica Greta Krippner, foi a transferência de muitos aspetos da gestão da economia do governo para o centro de Wall Street, e para os agentes financeiros em geral.” Fim de citação.
Nesta sequência, a política do Consenso seguida pela direita temo-la nós visto em muitos sítios, como a Inglaterra de Cameron, com uma política de austeridade mais dura que nos tempos que se seguiram à 2ª Grande Guerra, como a Europa da Troika, ou como a política de Trump em Washington. Curiosamente, a diretora do Centro de Estudos Robert L. Heilbroner, Julia Ott, caracteriza bem esta política de direita do Consenso de Washington a partir da chega de Trump ao poder:
“Trump não ganhou [o poder] na base nem do “realismo verbal” nem do “discurso polido “. Não, Trump deixou cair da cara o seu açaime e ladrou, ladrou racismo, ladrou xenofobia, ladrou misoginia. E como vemos na lei fiscal recentemente aprovada, Trump mentiu sobre a sua intenção de inverter os efeitos do neoliberalismo para os trabalhadores (homens brancos) americanos.” Fim de citação.
Quanto à política dita de esquerda deste mesmo Consenso de Washington, temo-la na esquerda francesa com Miterrand, Delors, Attali e outros com a política seguida nos anos 80 (“converter os cidadãos assistidos em cidadãos empreendedores”, “fim das ideologias”, “futilidade do Estado-providência”, “culto da empresa”, política propagandeada pelo programa televisivo Vive La crise em 1984 e pelo suplemento do mesmo nome do quotidiano Libération, ver aqui em Le Monde diplomatique, 1999), temo-la com Blair e Gordon Brown na Inglaterra, com Schroeder na Alemanha.
E quanto à esquerda democrata nos Estados Unidos temos uma trajetória mais subtil, teorizada a partir dos anos 80, na mesma época que Reagan e Tatcher alcançavam o poder e desencadeavam o que podemos chamar de neoliberalismo de direita, ou, a que agora chamamos de trumpismo de direita para estar de acordo com Andrew Bacevich.
Duas instituições de base foram criadas, o Democratic Leadership Council e o Progressive Policy Institute com a tarefa de abrir os caminhos da Terceira Via, cujo papel terá sido assumido mais tarde, na transição de Clinton para Obama pelos homens do Projeto Hamilton, bem descrito por Adam Tooze em Crash.
Duas obras abriram o caminho teórico para a trajetória daqueles que se passaram a chamar os Novos Democratas, equivalente ao New Labour de Blair: “A Neoliberal’s Manifesto“, de Charles Peters. e “The Neoliberals”, de Randall Rothenberg, a que se seguiram, por exemplo, nos anos 90 as obras Reinventing Government: How the Entrepreneurial Spirit is Transforming the Public Sector, de David Osborne (conselheiro de Al Gore) e Ted Gaebler, e American Finance for the 21st Century de Robert E. Litan e Jonathan Rauch, com introdução de Robert E. Rubin, o homem que esteve na base da revogação da Lei Glass-Steagall, lei que vinha dos tempos do New Deal.
Do texto de Charles Peters reproduzamos aqui alguns excertos que nos elucidam bem do caminho que os neoliberais de matriz supostamente de esquerda iriam seguir durante décadas:
“1. Se os neoconservadores são liberais que olharam de forma crítica para o liberalismo e decidiram tornar-se conservadores, nós somos liberais que olharam do mesmo modo e decidiram manter os nossos objetivos mas abandonar alguns dos nossos preconceitos. Continuamos a acreditar na liberdade e justiça e numa oportunidade justa para todos, na misericórdia para com os aflitos e na ajuda para os desfavorecidos e para os marginalizados. Mas já não favorecemos automaticamente os sindicatos e o grande governo nem nos opomos aos militares e às grandes empresas. De facto, na nossa procura de soluções que funcionem, passamos a desconfiar de todas as respostas automáticas, liberais ou conservadoras.
2. Também favorecemos a libertação do empresário do tipo de regulamentação económica que desencoraja uma concorrência saudável. (…)
O nosso apoio aos trabalhadores em questões de saúde e segurança não significa apoio aos sindicatos que exigem aumentos salariais sem ter em conta os aumentos de produtividade. Que tais aumentos salariais tenham sido um fator substancial no declínio económico deste país está para além de qualquer dúvida razoável.
3. Outra forma de nos afastarmos do apoio dos liberais tradicionais ao trabalho organizado é na nossa crítica aos sindicatos de colarinho branco pela sua resistência aos padrões de desempenho na avaliação dos empregados do governo. (…) . Mas somos contra uma burocracia gorda, descuidada e presunçosa. Queremos um governo que possa despedir pessoas que não podem ou não querem fazer o trabalho. E isso inclui professores. Demasiados professores das escolas públicas são simplesmente incompetentes.
4. As escolas públicas tornaram-se de facto o principal instrumento de opressão de classe na América, mantendo as ordens inferiores no seu lugar enquanto a classe alta envia os seus filhos para escolas privadas.
5. Outra forma pela qual o prático e o idealista se fundem no pensamento neoliberal está na nossa atitude em relação a programas de manutenção de rendimentos como a Segurança Social, a assistência social, as pensões dos veteranos, e o subsídio de desemprego. Queremos eliminar a duplicação e aplicar uma prova de recursos a estes programas. Todos eles se tornariam num único programa de segurança contra a necessidade.
6. Ao mesmo tempo, o neoliberal deve estar disposto a correr o risco de ser mal entendido. O risco é de facto a essência do movimento — o risco da pessoa que tem a ideia diferente seja na indústria seja no governo. É por isso que atribuímos um valor tão elevado ao empresário. A revitalização económica, social e política que procuramos só virá através de um aumento dramático do número de pessoas dispostas a pôr-se em risco, a correr o risco de perder tudo, a parecer ridículo”. Fim de citação
Quase uma década depois, em 1 de Maio de 1991, o Democratic Leadership Council (DLC) de que Clinton foi Presidente (nomeado em Março de 1990), publicava um documento importante, The New American Choice Resolutions, onde enumerava os grandes princípios que norteavam aqueles que se intitulavam os Novos Democratas e que conquistaram o poder em 1992. Nesse documento dizia-se:
“As velhas ideologias da direita e da esquerda já não são suficientes para realizar as aspirações do povo americano, e ambos os partidos políticos serão deixados para trás, a menos que deem novas respostas e novas instituições para uma nova era …
Mas na mente de demasiados americanos, o Partido Democrata tem defendido programas governamentais que não funcionam, interesses especiais perante os interesses das pessoas comuns, e uma relutância em afirmar os valores americanos no país e no estrangeiro. As políticas do New Deal, que construíram e uniram a classe média, já não comandam a sua lealdade…
O desafio do nosso partido hoje é descartar as ortodoxias do passado e fazer do governo um campeão de objetivos nacionais e não um cativo de interesses mesquinhos, um criador de oportunidades e não um obstáculo a elas. Os democratas devem mais uma vez defender a mudança e a inovação, e não uma lealdade cega a programas do passado. Ao contrário dos republicanos, acreditamos no governo e queremos que este funcione na era da informação.
A nova escolha que oferecemos é uma nova filosofia pública, e não um novo conjunto de programas.
Acreditamos que a missão do governo é expandir as oportunidades, não a burocracia…
Acreditamos na reinvenção do governo. Queremos eliminar camadas desnecessárias de burocracia, e dar aos cidadãos uma maior escolha nos serviços públicos, desde os cuidados infantis e os cuidados aos idosos até às escolas públicas…
O nosso objetivo é fazer das crenças, ideias e abordagem governativa da nova escolha o pensamento político dominante na América antes do final desta década. Tal como o New Deal moldou a ordem política para a era industrial, a nova escolha pode definir a política na era da informação.
O nosso objetivo não é procurar o meio do caminho, mas construir um novo caminho que nos leve para além da direita e da esquerda para fazer avançar a América.
A era industrial acabou; os velhos ismos e os velhos caminhos já não funcionam. Hoje, e nos próximos meses, apresentaremos novas respostas e uma nova forma de pensar, baseadas no princípio da inclusão e do trabalho para o maior bem público. Convidamos o povo americano a juntar-se à nossa causa.” Fim de citação.
Olhando para estes pontos de referência, os enumerados pelo Manifesto Neoliberal e os enumerados pelo Democratic Leadership Council, de Clinton, Al From, Dukakis e outros, e percebemos que este foi o programa tanto da direita como da esquerda ao longo de décadas. O que diferenciava a direita da esquerda seria a forma de abordagem e os métodos utilizados para alcançar os respetivos objetivos do programa neoliberal, programa este que ao nível das Instituições Internacionais recebe o nome de Consenso de Washington, de que falaremos mais à frente. Percebe-se pois que Andrew Basevich tenha razão, os democratas gostam do que faz Trump, não gostam é que seja ele a fazê-lo. Se ao que Trump fez chamarmos trumpismo, relembremos que os republicanos representam um trumpismo de direita enquanto os democratas representam o que chamamos um trumpismo de esquerda.
Sobre a evolução da esquerda do arco do poder nos Estados Unidos, sobre as ligações e os grupos de influência que a marcaram nestas décadas, vejamos o que nos Lily Geismer:
“No início da década de 1980, o termo neoliberalismo surgiu para descrever um grupo de figuras também chamado Watergate Babies, Atari Democratas, e Novos Democratas, muitos dos quais acabaram por se filiar no Conselho de Liderança Democrática (DLC- Democratic Leadership Council). Nesta iteração, o termo neoliberal foi abraçado não como opprobrium. Pelo contrário, utilizou uma forma de autodestruição e diferenciação para implicar que eles eram “novos democratas”. Em 1982, o editor de Washington Montly, Charles Peters, publicou “A Neoliberal’s Manifesto”, que visava estabelecer os princípios centrais deste grupo; dois anos mais tarde, o jornalista Randall Rothenberg escreveu um livro chamado The Neoliberals que procurava codificar e celebrar a ascendência desta coorte. (…)
“Os princípios e políticas que Clinton e o DLC abraçaram não foram apenas uma reação defensiva ao Partido Republicano ou uma mera tentativa estratégica de puxar o Partido Democrata para o centro. Pelo contrário, a sua visão representa partes de uma ideologia coerente que procurava manter e reformular aspetos chave do próprio liberalismo. Em The Neoliberals, Rothenberg observou que “os neoliberais estão a tentar mudar as ideias que estão na base da política democrática”. Levar esta afirmação a sério proporciona um meio de pensar sobre como este grupo de figuras alcançou esse objetivo e veio a transformar permanentemente a agenda e as ideias do Partido Democrata.” (…)
“O grupo de decisores políticos e políticos que circulou em torno do DLC sugere que as raízes de muitos aspetos do neoliberalismo emergiram menos do conservadorismo do mercado livre do que da ideologia, instituições, e compromissos sociais do liberalismo. Este grupo atualizou e alargou muitos dos princípios fundamentais do liberalismo pós-New Deal, especialmente a ênfase na especialização tecnocrática, soluções individualistas para problemas estruturais, crescimento sobre a redistribuição, e desenvolvimento de fortes parcerias entre os sectores público e privado, particularmente as organizações sem fins lucrativos, empresas e fundações.”
“No início dos anos 80, o Deputado Gillis Long (D-LA) e o seu chefe de gabinete Al From reuniram vários membros desta coorte no Congresso como parte da Comissão sobre a Eficácia do Partido. O grupo reuniu-se semanalmente para desenvolver uma plataforma unificada a fim de “rejuvenescer” o partido. Acabaram por emitir uma série de relatórios intitulados “Rebuilding the Road to Opportunity”, de autoria de Wirth e From. Enquanto os relatórios apelavam ao pleno emprego (algo que esta ala do Partido Democrata abandonaria mais tarde), o impulso da “Reconstrução” teve a influência direta de Thurow e de Robert Reich no seu compromisso de investimento nacional em alta tecnologia e requalificação de postos de trabalho e de bloquear o crescimento do governo.
No rescaldo da derrota de Dukakis nas eleições de 1988, a liderança do DLC apercebeu-se da necessidade de desenvolver um conjunto mais coerente de princípios e políticas a fim de atingir os seus objetivos maiores. Assim, a liderança do DLC fundou um grupo de reflexão chamado Progressive Policy Institute (PPI) liderado pelo diretor político do DLC Will Marshall para o ajudar a aprofundar ainda mais a sua infraestrutura intelectual e a formular propostas políticas mais claras.”
David Osborne, um dos seus primeiros colegas no PPI, foi especialmente influente na ajuda a alcançar e moldar esta missão. A investigação de Osborne centrou-se largamente no aumento de parcerias público-privadas e “instituições do terceiro sector”, tais como organizações sem fins lucrativos e outras organizações comunitárias, que ele argumentou oferecerem um meio mais eficaz de prestação de serviços sociais e desenvolvimento económico do que as burocracias governamentais tradicionais. Osborne reduziu o argumento do seu livro de 1988, Laboratórios das Democracias, a um “slogan”: “se a tese era o governo como solução e a antítese era o governo como problema, a síntese é o governo como parceiro”.
Juntamente com o coautor Ted Gaebler, Osborne aprofundou este argumento em Reinventing Government: How the Entrepreneurial Spirit Is Reinventing the Public Sector. O modelo de “governo empresarial” do livro defendia tanto técnicas de eficiência para tornar o governo mais orientado para os resultados e menos dispendioso, como formas de descentralizar a autoridade e de transferir mais responsabilidade e controlo para a comunidade. Sugeria também que o governo não deveria servir como prestador de serviços, mas sim como “catalisador” na ligação entre os sectores público e privado. Clinton, que serviu como chefe do DLC no início dos anos 90, emergiu como o mais influente defensor das ideias em “Reinventar o Governo”, elogiando-o como um “projeto” para “revitalizar o governo“. Fim de citação
E assim chegamos ao discurso de Clinton sobre o estado da União em 1996 onde a visão neoliberal do Estado é claramente definida:
“A era do grande governo chegou ao fim. Mas não podemos voltar ao tempo em que os nossos cidadãos eram deixados para se defenderem. Em vez disso, devemos avançar como uma América, uma nação a trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios que enfrentamos em conjunto. A autossuficiências e o trabalho de equipa não são virtudes opostas; temos de ter ambas.
Acredito que o nosso novo governo, mais pequeno, deve trabalhar à moda antiga americana, juntamente com todos os nossos cidadãos através dos governos estatais e locais, no local de trabalho, em associações religiosas, caritativas e cívicas. O nosso objetivo deve ser permitir a todos os nossos cidadãos tirar o máximo partido das suas próprias vidas – com famílias mais fortes, mais oportunidades educativas, segurança económica, ruas mais seguras, um ambiente mais limpo num mundo mais seguro.” Fim de citação
Reler este discurso, ou as afirmações de António Costa que me parecem ser equivalentes, confirma a tese acima exposta de que hoje as diferenças entre a esquerda do arco do poder e a direita quando civilizada são mínimas. Um modelo comum, com práticas diferentes para o aplicar, pois o que temos é o neoliberalismo, o Consenso de Washington, o trumpismo de direita e de esquerda e é neste modelo que se insere a internacionalização das Universidades e sobretudo a prática que fazer parecer ser é a mesma coisa que ser, como menciona Levine.
Mas nesta história da internacionalização das Universidades, da migração que está associada ao neoliberalismo e às Universidades , há uma diferença com as migrações não “desejadas” que são hoje uma espécie de calcanhar de Aquiles do sistema: os migrantes errantes do Século XXI a caminho da Europa podem morrer de frio e de fome junto aos rolos de arame farpado que cercam a União Europeia, ou morrer no Mar Mediterrâneo, e disso nos fala o embaixador da França em Malta quando nos diz:
“Os povos em torno do Mediterrâneo procuraram sempre as eternas promessas da vida. Esta procura deu frequentemente aos homens boas razões para abandonar as suas aldeias, as suas cidades e de se irem embora. Gregos, fenícios, cartagineses, deixaram anteriormente as suas margens para seguirem a rota de Ulisses. Mais perto de nós, em pleno século XIX, numerosos franceses, artesões nas cidades, trabalhadores na casa dos quarenta e mais anos, embarcados no fundo de porão de batelões, seguidamente sobre fragatas, atravessaram o Mediterrâneo para irem fundar colónias, explorações agrícolas e aldeias, em regiões pantanosas ou zonas de arbustos bravios. E no século XX, quantas travessias no outro sentido! Camponeses do Rif, do Chouf ou de Kabylie vindo trabalhar nas minas e nas fábricas francesas. Franceses da Argélia retornando a França apenas com a sua mala como património.
Tudo isso não se pode ter passado sem dor.
A História continua apaixonante e terrífica. Mas hoje, a única promessa cumprida, e demasiado frequentemente, é o túmulo. Ulisses é negro e morre no mar, no silêncio das ondas, depois de meses de espera, de aflição.
Nunca encontrará o rei mago Baltazar. O Mediterrâneo, onde procuramos infatigavelmente o rosto da sabedoria e da beleza, não deve tornar-se num cemitério.” Daniel Rondeau, “Boat people d’aujourd’hui”, Le Monde, 26 de Março de 2009. Fim de citação
Os migrantes burgueses do século XXI, com a internacionalização das Universidades, uma expressão elegante para este tipo de migrantes, estes não naufragarão no Mar Mediterrâneo, não tombarão encostados a qualquer rolo de arame farpado na fronteira da União Europeia, não, estes virão de avião, e supostamente à procura de um diploma que será bem pago, por vezes muito bem pago mesmo. Pagar mestrados a mais de 6000 euros é obra e um possível efeito colateral desta internacionalização é que os outros, os que não estão a comprar uma licenciatura ou um mestrado, a comprar uma entrada para a Europa, acabam por ser arrastados para estes preços absurdos.
Em conclusão desta pequena nota, lembro aqui um importante analista dos mercados financeiros, Matt Levine, que a propósito das recentes montagens financeiras de Trump, exclamava: a Finança é grande, viva a Finança. Diremos o mesmo da Universidade em geral: o campo de entrada criado pela Internacionalização da Universidade é grande, viva a Internacionalização da Universidade. Mas Levine ironicamente avisa-nos, tomando Trump como referência: “Tudo o que escrevo sobre estes dias tem este perfil essencial: As ações e criptogramas Meme e NFT são tudo apostas feitas na base da emoção e da crença e não em fluxos de caixa subjacentes. Mas se tiver de estar no negócio de apostar na emoção, apostar no Donald Trump parece relativamente seguro.” Esta é a opinião de Matt Levine para quem procura os ares do tempo, para quem procura estar a favor do vento, esperando que este o leve a algum lado, mas quando assim se fala, não o esqueçamos, fala-se em termos de curtas distâncias. Os tempos de agora são tempos da direita, é o que ele nos quer dizer, e é o que nós também queremos dizer, quando o citamos e quando pensamos nos resultados das próximas eleições: estes resultados, utilizando a metáfora da força do vento, não nos vão levar longe, muito longe disso. E é tudo.