Seleção e tradução de Francisco Tavares
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Radiografia dos embustes contra Irene Montero e Garzón [1] para encobrir a corrupção do PP e os bons dados atuais do emprego
Estrelas monstro, jornalistas, certos meios de comunicação social e milhares de bots [2] estão por detrás da operação lançada nos últimos dias por verdadeiros especialistas em notícias falsas e campanhas de desinformação.
Por Julián Macías
Publicado por 
.es em 08/01/2022 (original aqui)
A 4 de Janeiro, foram divulgados os números do emprego para Dezembro, que indicavam que 2021 fecharia como o ano com a maior queda no desemprego da história. Nesse mesmo dia, a UCO [Unidade Central Operativa da Polícia Judicial da Guardia Civil] concluiu que o antigo ministro do PP Eduardo Zaplana tinha lavado mais de 16 milhões de euros através das quatro empresas dos seus homens testa-ferro, mas, por casualidade, no dia anterior, a direita lançou dois embustes à tarde, abrindo caminho para enterrar as notícias que não o beneficiavam de forma alguma.
Depois de analisar a evolução dos acontecimentos, tudo parece encaixar num plano coordenado. No dia 3, o website Cárnica – pertencente à empresa C de Comunicación – dedicado a melhorar a comunicação das empresas do sector da carne, publicou uma manchete manipulada de uma entrevista de Garzón ao The Guardian publicada semanas antes, na qual aplaudia a criação de gado extensiva pela qualidade dos seus produtos e a sua sustentabilidade. Pelo contrário, no caso do sistema de macropecuária [macrogranja] intensiva, além de ser insustentável, os seus produtos são de pior qualidade e prejudicam a criação de gado autóctone.
A manchete dizia: Garzón afirma que a Espanha exporta carne de má qualidade de animais maltratados. Mesmo a pedir que, de forma coordenada, na tarde do mesmo dia 3, dezenas de deputados, senadores e presidentes de comunidade PP e Vox divulgassem o artigo ad hoc que apelava à sua demissão, entre eles Mañueco, Rafa Hernando e Zoido. No dia seguinte, centenas de cargos públicos continuaram na mesma linha, assim como as redes oficiais de PP, Vox e Ciudadanos. Até barões PSOE como Lambán e Page apareceram a pedir a demissão de Garzón.
Objectivo alcançado conforme planeado: quase não se fala dos excelentes dados económicos e da enésima corrupção do PP. Centenas de manchetes em jornais, estações de televisão e rádio, mais de 100.000 tweets com a soma de trollstars, jornalistas, meios de comunicação e a disseminação de milhares de bots com a mesma narrativa da manchete manipulada. Entre a nuvem das palavras mais usadas, não apareciam nem “macro-fazenda” nem “criação intensiva de gado” apareceram. Victor Píriz (PP) mostrou carne ibérica; sindicatos agrícolas como a UPA ou o próprio Lambán, que são contra as macro-fazendas, pediram a demissão do Ministro dos Assuntos do Consumidor.
Simultaneamente, com a mesma forma de difusão e método, recupera-se um embuste do passado e procura-se uma manchete mais apelativa: “Irene Montero multiplicou a sua riqueza por 100“.
Já a 26 de Março de 2021, o Ok Diario titulava: A fortuna de Irene Montero em 7 anos: entrou na política com uma bolsa de estudo e 12.000 euros e agora declara 629.969 euros. Nesta ocasião, o gatilho foi uma pergunta de Pablo Cambronero, membro do grupo misto, que após deixar Ciudadanos se juntou ao programa do [jornalista] Javier Negre, gestor da plataforma Estado de Alarma, como colaborador e disseminador de embustes.
Neste caso, o mecanismo não foi contratar uma empresa para criar uma manchete, mas inventar uma conta no Twitter chamada @CongresoEscucha no passado dia 21 de Dezembro, juntamente com Carles Enric, outro conhecido divulgador de embustes e colaborador de Negre, supostamente para recolher perguntas do público e fazê-las no Congresso.
Uma das suas primeiras acções foi fazer eco da falsa agressão denunciada pelo próprio Negre à qual, apenas um minuto após a publicação do tuit, Cambronero desde a sua conta pessoal respondeu palavra por palavra.
Com esta simulação, Cambronero inventou a questão supostamente colocada pelo público com a manchete mais apelativa, mesmo que falsa, para pedir para investigar informações que são públicas há meses e que estão acessíveis a toda a gente no website do Congresso.
Mais uma vez, dezenas de meios de comunicação como Ok Diario, Voz Pópuli, The Objective, Estado de Alarma, Periodista Digital, El Español, La Razón ou COPE reproduzem a falsa manchete, não publicam o link para a informação do Congresso e não mencionam que o aumento da riqueza, muito inferior à manchete, se deve à herança por morte do seu pai, como fizeram os verificadores de factos Maldita.es.
Amplificação dos embustes através de ‘bots’ e ‘centrostroll’.
Um dos elementos habituais das campanhas de desinformação consiste no seguinte: assim que a matriz de opinião formada por jornalistas, políticos ou trollstars [3] emite as mensagens que alguém quer tornar virais, estas são seleccionadas para difusão massiva através de uma matriz de disseminação formada em grande parte por contas automatizadas ou centrostroll de pessoas reais que gerem uma grande quantidade de contas falsas.
Antes da publicação da notícia pelos jornais de notícias falsas, o utilizador @TesinSin, uma conta com inúmeras mensagens de apologia do franquismo, fez um tuit que foi retuitado por mais de 2.000 contas, tal como havia feito Cambronero.
Ao analisar as interacções destes tuits, bem como de outros com um grande número de retwuits, há várias indícios de que há uma forte presença de actividade automatizada. Uma desses primeiros indícios que podemos observar é a elevada presença de contas nas quais coincidem faixas muito semelhantes de “seguidores” e “seguidos”. Se abrirmos estas contas, podemos ver que quase todos eles publicaram centenas de milhares de tuits, publicam vários tuits por segundo e são seguidos pela conta de Yusnaby ou John Squire (antigo JuanFran Escudero).
Após esta injecção artificial, o gráfico de frequência de ReTuits passa a ter um padrão linear que implica uma intensidade semelhante de tuits por minuto durante um longo período de tempo, o que é habitual na programação dos indicadores de temporais de retuit.
Como explica Enrique Rodríguez, proprietário da N70 -uma empresa dedicada a oferecer serviços de bot e trollcenter-, isto acontece porque as contas são automatizadas não só para fazer retuits ou tuits a contas alvo, mas também para crescer em seguidores, seguindo as contas e não seguindo aquelas que não lhes dão seguimento de volta.
Outro dos tuits com maior impacto é o de Jano García, membro importante da matriz de opinião digital da ultra-direita em Espanha, economista neoliberal, director do El Liberal e comentador frequente de programas como El Cascabel (13TV), Espejo Público (Antena3), Horizonte de Iker Jiménez (Cuatro), e Estado de Alarma, entre outros.
Para encerrar o dia, publicou os dois embustes no mesmo tuit. Isto conseguiu obter 6.000 retuits em apenas algumas horas graças à matriz de difusão, e através da qual podemos observar mais uma vez o padrão de linearidade e o mesmo tipo de contas.
A Microsoft oferece-te dezenas de vezes o embuste no seu navegador
Curiosamente, a Microsoft News foi o anterior emprego da pessoa responsável pela publicação em Cárnica, cuja conta no Twitter está actualmente bloqueada e cuja informação só está acessível no Linkedin. Aí se pode ver que estudou na Universidade de San Pablo CEU, onde El Yunque se infiltrou e operava [4] em Espanha, de acordo com os investigadores mais relevantes na matéria.
Ambas as notícias falsas foram divulgadas várias vezes pela conta de notícias da Microsoft (MSN) no Twitter. Mas o mais incrível é que neste agregador de notícias que a plataforma da Microsoft lhe mostra no seu navegador ou sistema operativo, no dia 4 podemos encontrar mais de 20 notícias relacionadas com os ministros Garzón e Montero, mas nenhuma sobre os registos recentes da queda do desemprego ou o número de pessoas filiadas na Segurança Social.
Também não encontramos nesta plataforma da Microsoft – que assinou recentemente um acordo com o governo de Isabel Díaz Ayuso e o Grupo Planeta – qualquer notícia relacionada com o recente relatório da UCO que afirma que Eduardo Zaplana lavou 16 milhões de euros juntamente com quatro dos seus homens testa de ferro.
A cumplicidade das plataformas digitais, uma certa forma de fazer política e os meios de comunicação social não deixam de engordar o monstro da mentira como norma dentro da informação que consumimos. Por estranho que pareça, quando um jornalista em directo pára o uso de mentiras no seu programa ficamos surpreendidos – como foi o caso de Xabier Lapitz na televisão pública basca -, mas é também um ponto de esperança para todos nós levarmos um pouco mais a sério para pararmos as notícias falsas de uma forma decisiva como defesa da nossa democracia.
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Notas
[1] N.T. Irene Montero, ministra da Igualdade, e Alberto Garzón, ministro do Consumo, ambos do governo presidido por Pedro Sanchéz.
[2] N.T. Bots: em termos gerais os bots das redes sociais são programas automatizados que funcionam de forma parcial ou totalmente autónoma, e que estão desenhados para imitar os humanos.
[3] N.T. Troll: criatura sobrenatural da mitologia nórdica, perigosa, astuta e capaz de amaldiçoar as pessoas assim como alimentar-se delas.
[4] N.T. El Yunque é uma organização secreta ultra-católica e de extrema direita, de origem mexicana, mas de âmbito internacional, que declara como seu objetivo “defender a religião católica e lutar contra as forças de Satanás” e instaurar “o reino de Cristo na terra” (consulta em Wikipedia em 25/01/2022).
O autor: Julián Macías activista contra a desinformação, criador de Pandemia Digital e analista em Estratégias Digitais e Redes Sociais