A Guerra na Ucrânia — “A Falácia dos 2% para a Defesa”, por Carlos Matos Gomes

Seleção de Francisco Tavares

5 m de leitura

A Falácia dos 2% para a Defesa

 Por Carlos Matos Gomes

Em 5 de Junho de 2022 (original aqui)

 

Quando um dirigente político apresenta a necessidade de aumentar as despesas militares para os 2% do PIB está a considerar-nos implicitamente 98% estúpidos por acreditamos nele.

Os Estados Unidos, o secretário-geral da NATO e os ministros da Defesa da NATO têm estado a apresentar como necessidade essencial de defesa dos países da NATO contra a ameaça russa um valor mínimo de 2% do PIB de cada estado para despesas ditas com a defesa.

É uma falácia — O termo falácia deriva do verbo latino fallere, que significa enganar. Designa-se por falácia um raciocínio errado com aparência de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente incoerente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega.

É uma falácia assente em pressupostos falsos a vários títulos. A invasão da Ucrânia pela Rússia demonstrou que as Forças Armadas Russas têm tido grandes dificuldades em atingir os seus objetivos na Ucrânia, sejam esses objetivos a ocupação do país, a derrota das forças armadas ucranianas, ou até a ocupação de uma faixa de 20% do território (Donbass e margens dos mares de Azov e Negro).

O potencial relativo de combate (grosso modo) entre a Rússia e a Ucrânia consta do Quadro 1.

Apesar de as forças armadas ucranianas terem sido organizadas e treinadas pelos Estados Unidos e outros países da NATO como uma força de ordem interna de suporte a um regime favorável (a oligarquia que gerou Zelenski) e, no limite das suas capacidades, como força de provocação à Rússia no Donbass, apesar da organização do terreno no Donbass e nas periferias de aglomerados populacionais e sobre os eixos principais ser de média resistência (trincheiras escavadas e campos de minas), apesar da não existência de grandes obstáculos naturais (o terreno é plano), o facto é que as forças russas têm tido grande dificuldade em ocupar e vencer umas forças com os meios das ucranianas, sendo estas apoiadas pela NATO com as suas capacidades de Comando, Controlo e Informação. As forças russas, no seu avanço de leste para ocidente, não chegaram sequer ao rio Dniepre!

Os países da NATO conseguiram meios para deter a Rússia utilizando as forças ucranianas, sem empenharem em combate nenhuma das suas unidades terrestres, aéreas ou navais. A NATO tem à retaguarda da Ucrânia todo o seu potencial intacto — um potencial significativo e superior ao russo, mesmo sem contar com os Estados Unidos e o Canadá! Quadro 2

O aparelho militar dos países europeus da NATO tem custado aos contribuintes cerca de 1,5 do PIB e tem sido suficiente.

Assim: se 1,5% do PIB empregue em despesas com armamento têm sido suficientes para deter a “ameaça russa” no leste da Ucrânia, numa faixa de 120 quilómetros de largura, que necessidade existe de gastar mais meio por cento para obter o mesmo resultado?

Alguém em Bruxelas, seja na sede da NATO, seja na sede da EU, um daqueles milhares de funcionários, já se deu ao trabalho de analisar a relação de custo-eficácia das despesas militares? Se a intenção do aumento das despesas com armamento for derrotar a Rússia no seu território, então os 2% de aumento não chegam, como se conclui da invasão da Ucrânia, onde a Rússia não consegue avançar e instalar-se. Quanto às tentativas de a Europa Ocidental invadir a Rússia, existem na história duas más experiências: a de Napoleão e a de Hitller. Os 2% do PIB são suficientes para ensaiar uma nova aventura?

A proposta de aumento das despesas militares para os 2% não é necessária para defender a Europa da Rússia e é insuficiente para a Europa derrotar a Rússia. Os políticos europeus estão a ludibriar os cidadãos. Os únicos que lucrarão com o aumento serão os fabricantes de armamento, em particular os do complexo militar norte-americano.

Os cidadãos europeus deviam perguntar aos políticos como justificam o aumento de despesas militares! É que o dinheiro pode fazer falta para necessidades reais, para ameaças reias resultantes de desastres ambientais, de pandemias, de envelhecimento da população, de empobrecimento, de migrações, de fome.

Quando um dirigente político apresenta a necessidade de aumentar as despesas militares para os 2% do PIB está a considerar-nos implicitamente que 98% estúpidos para acreditarmos neles.

Estes dados são públicos e retirados da Revista The Military Balance 2021 — do The International Institute for Strategic Studies, do Reino Unido, que os dirigentes políticos deviam conhecer, assim como os artistas civis convidados para animarem as sessões de espiritismo sobre a guerra na Ucrânia promovidas pelas televisões.

O link onde pode ser encontrar toda a informação é: https://hostnezt.com/cssfiles/currentaffairs/The%20Military%20Balance%202021.pdf


O autor: Carlos Matos Gomes [1946-] é coronel do exército reformado, cumpriu três missões na Guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné, nas tropas especiais dos “Comandos”. Ficou ferido em combate e foi condecorado com as Medalhas de Cruz de Guerra de 1.ª e 2.ª Classe.

Capital de Abril pertenceu à Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné.

Investigador de história contemporânea de Portugal. É escritor com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz.

Autor de: Nó Cego (1982), Os Lobos não Usam Coleira (1995), Soldadó (1996), Flamingos Dourados (2004), Fala-me de África (2007), Basta-me Viver (2010), A Mulher do Legionário (2013), A Estrada dos Silêncios (2015), A Última Viúva de África (2017, Prémio Fernando Namora 2018), Que fazer contigo, pá? (2019), Angoche-Os fantasmas do Império (2021).

Em co-autoria com Aniceto Afonso:

Guerra Colonial (2000), Guerra Colonial – Um Repóter em Angola (2001), Portugal e a Grande Guerra 1914-1918 (2013), Os Anos da Guerra Colonial 1961-1975 (2010), Alcora. O Acordo Secreto do Colonialismo. Portugal, África do Sul e Rodésia na última fase da guerra colonial (2013), Portugal e a Grande Guerra 1914 – 1915. Uma História Diferente (2014), Portugal e a Grande Guerra 1914 – 1915. As Trincheiras (2014), Portugal e a Grande Guerra 1917 – 1918. Uma Guerra Mundial (2014), Portugal e a Grande Guerra 1919-. O Pós-Guerra (2014), Portugal e a Grande Guerra 1918 – 1919. O fim da Guerra (2014), Portugal e a Grande Guerra 1914- O Início da Guerra (2014), A Conquista das Almas. Cartazes e panfletos da acção psicológica na guerra colonial (2016).

 

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