A GALIZA COMO TAREFA – estruturas – Ernesto V. Souza

Dá arrepios olharmos para as décadas atrás passadas, já cadáveres no tempo mas ainda frescas no caminho. Aí estamos, de fazermos memória, em cada ponto, expelidos por espilidos de mais, por críticos impenitentes. Chutados de toda a parte, por dizermos, sugerirmos ou advertirmos que os edifícios e as estruturas estavam mal pensados para as funções a que se destinavam, para o uso previsto e desgaste de anos e gerações; ou por não terem as condições de tamanho, habitação e clima que iam ser necessárias para evitar esbanjes, quando tocar de desfilarem os tempos das vacas fracas.

Que lhe querem. Adoro trabalhos fluídos, processos bem feitos e armazéns bem arrumadinhos. Observo a lógica dos caminhos, a idoneidade das passagens, a possibilidade dos feches naturais ou dos estratégicos provocados se fosse o bélico mester; e as necessidades de barqueiros onde não há pontes. Talvez confundi nalgum ponto a minha vocação e devia ter sido engenheiro, militar ou empresário e não o típico desocupado de letras a rodopiar de cá para lá.

Lembro-me a criticar na administração, na função pública, no sistema educativo, na universidade, os sistemas mal desenhados, os processos e circuitos, a política, a cultura, a vida associativa. Sempre com o mesmo resultado. Um fora após outro fora. Largado de toda a parte por novo e impertinente.

E agora? pois agora que já tocou e canta a crise em forma múltipla após a pandemia observo que não aproveitamos nem aprendemos nada e continuamos a nos enfrentar ao mundo sem qualquer previsão, pública, privada ou individual. A maior parte da gente não aprende da experiência, mesmo não repara nas pedras que batem uma e outra vez no caminho. Provavelmente não estava atenta quando lhe contavam as fábulas de animais em criança, ou nas aulas de história  as outras fábulas doutros animais, afinal. Havia dinheiro, os trabalhos eram bons e os subministros, componentes, as peças e reparações chegavam na hora. Para quê dar uma volta a nada ou colocar-se em cenários maus.

Mas tudo virou. Há crise económica, outra vez. Caem as pontes, as autoestradas há que repará-las e os comboios de alta velocidade só servem para ir a Madrid – a cidade nação que medra monstruosa e parasita, como desenhada para Akira – em horário turista. A política é conservadora, de novo. Os juancarlistas agora são filipeiros. Retornam os ciclos sólidos do bipartidismo na Espanha. O espetáculo da Espanha oficial e a indignação ficaram em águas de bacalhau. Afinal o sistema da Transição, com a sua constituição 78 blindadinha é o que promove e ao que tende. Monarquia garante, dous grandes partidos: o Conservador-Liberal e o Moderado-Progressista, que repartem postos, quartos e gerem o público; algum partido Republicano de esquerda em debate entre federalizantes e centralistas e alguns partidos Regionalistas com força local e a poder ser bem de direita.

Não há quartos, não há materiais, nem repostos, os edifícios e as máquinas andam obsoletos, e viram pesadelos de consumo e ineficiência. Que curioso: estarmos sem combustível, e sem chips, com modelos de substituição arbitrários e o sonho e objetivo do carro individual, agora elétrico, obrigados e a carreira, com recortes, sem dinheiros públicos e atrapalhados pelas ondas da inflação, encalhados no meio do desastre. Quem contava. Como se tudo não fora enxergado e advertido como nas primeiras páginas de algum relato da História-trágico marítima… ó pilotos!

Delapidar profetas. Acontece. É procurarem na história ou na memória. Não aconselhem críticos, nem enxerguem por fora das palas. Deixem o era visto sarcástico para os velhos. Não questionem os absurdos estabelecidos, pela religião, a tradição, a academia ou as sociedades antigas. Nem tomem muito a sério a política, como se os mortais pudéssemos intervir, isso os de arriba. Há que ir vivendo, que o mundo é mundo e a gente gente. Não se queixem. Mas preparem-se para a austeridade e a crise económico-social.

Que o mundo acaba? Agora, a mim desta vez não me apanham. Nem hei de perder mais tempo em debates. Eu já me baixei de crítico. Fico tranquilo com o meu jardim imaginário e biblioteca. Algo aprendi destes anos que foi ir deprendendo a calar a boca.

Sorte que tenho pendente para estes dias de ler um livro do Fuster (Indagacions i propostes : assaigs, diaris, aforismes, Barcelona : Edicions 62 , 1981) ambientado nos anos 80 e antes, para consolo, instrução e botar umas gargalhadas a caminho da praia.

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