Uma cousa boa, penso eu que temos a gente galega é a nossa adaptabilidade a tudo quanto vem, sobre-vem ou acontece. E não apenas em sendo vivos, que os ecos dos devanceiros falam seguido com nós, esperando o dia dos nossos ossos fazerem parte do acervo coletivo. E portanto, daí a nossa notável perspicácia para acompanharmos os tempos que são tão móveis e para incorpotrarmos tanto e quanto como imos encontrando pelo mundo. Passinho a passo, isso sim, e mesmo que venha forçado, tratando de bem enjeitar no que já trazíamos da casa. Individualmente, e assim como se vai podendo, o que acho, até tem mais mérito.
Castelão falava com mais arte e propriedade das nossas raízes elásticas que podiam dar não apenas uma senão várias voltas ao mundo de olhos, paladares, ouvidos e sexos abertos, sem que aquelas fibras primeiras desgarraram da terra, da saudade ou da memória. E a cousa não deixa de ter o seu aquele, porque a Terra, como soltara o bom do José Yglesias na sua The goodbye land conhece muito adeus; e para além – por se isto fosse pouco – carece de mapa, como também escrevera à sua mãe no céu da Galiza o Angel Rama (Tierra sin mapa).

Combinam-se dous fatores bem interessantes. Por uma banda a base. Antiga para assustar. De cronologia mítica e ritmo quase geológico. As mais das cidades são no mínimo medievais e as aldeias tão ancestrais que já viram passar as atuais cronologias civilizatórias do ocidente; algumas sendo velhas já viram chegar os suevos e romanos, e há lugares até que sabem da idade do Ferro, o Bronze, para além e enfim desque o mundo é mundo. Famílias inteiras radicadas em comarcas e paróquias durante gerações vendo o mundo e os tempos passar encaixados em estruturas de habitação, sociedade e sobrevoivência, na que se vão transmitindo ou perpetuando estados, roles, costumes e conflitos de longa e intensa duração.
E pela outra, temos uma rede de agentes humanos largados pelos mundos aí fora, deixados à iniciativa pessoal, selvagens, cruéis, sórdidos e duros, ambiciosos, fugidos, exilados, expulsos, errantes ou simplesmente emigrados tratando de fazer a vida e progressarem nela dum jeito que nem os orientalistas britânicos da Companhia das Índias Orientais. Aos poucos comunicam com a base, trazendo, querendo ou sem querer, cópia de novidades, desenhos, produtos, máquinas, oportunidades, palavras e novos discursos. Por isso, em parte, sempre estamos atualizados e com o tempo a favor.
E está depois a nossa complexa organização social, tribal, clánica, que persiste a pesar da modernidade e a pós-modernidade. Os velhos ainda sabem reconhecer os novos príncipes celtas e o povo celebra os seus bardos. Joga-se fora os mais selvagens e deixa-se ir fazendo os bem guiadinhos a fim de conservarem a ordem. Mas afinal se é mester e a situação precisa sempre chega o tempo dos reis tirarem a máscara ou voltarem. Complete-se a paisagem humana destarte sólida e líquida e a paisagem fortemente humanizada desde antigo para criar em política uma identidade super-nacional. Completada, a jeito de saber popular transmitido com uma conservação não escrita da verdadeira legislação que rege o país, os valores da gente e os seus costumes, as tradições, festas, celebrações e a comida que sem chegar a ser sagrada pela falta geral de ortodoxia e ausência binarismo primário e declarativo, perto lhes anda.
Talvez por isso ocupados como estamos no dia a dia e na nossa observação do quotidiano imposto e absurdamente narrado a negativo e tristeiro não percebemos bem o funcionamento, a energia do corpo da nação. Como se agita e reconfigura rés do chão como organismo vivo e complexo, como espreita e se prepara para os invernos, como cheira o vento e enseja o chão, como se agocha para o salto, como ouveia no luar a chamar pela alcateia.
O 25 de julho foi aí mais uma vez festa, na roda do ano, na Galiza e no mundo inteiro. Mais um ano. Mais uma Galiza nova e velha, cosmopolita e encravada na Terra que espreita, aguarda, reflete e se prepara para contemplar o que vier, que de seguro nos surpreende e fascina.