As últimas crises, que ainda perduram, quase parecem ter apagado o pouco brilho que os acontecimentos culturais ainda iam tendo por aqui, e agora vamos procurando encontrá-lo entre o decadente, o já passado, o banal, o revisitado sem critério válido e a crença na imediatez, ligada à internet e à intolerância políticas. É bem visível como o conhecimento, a crítica e a análise, estão grandemente submetidas ao ‘flash’ do imediato e da encomenda.
Já em Agosto do ano passado, Edgar Morin afirmava a um diário europeu, ‘O pensamento complexo é hoje mais necessário que nunca, dada a valorização atribuída aos discursos fraudulentos baseados numa mistura de relativismo, irracionalidade, boatos, sectarismo e emocionalidade totais. Discursos tóxicos que milhões de pessoas em todo o mundo consomem, e acabam por marcar um espaço na política e nos media, inclusivamente na academia. Um desastre!’
Desastre a juntar ao que acontece hoje na Ucrânia pois, escreveu Guilherme d’Oliveira Martins no DN, já em Maio último ‘Segundo a UNESCO, mais de 150 monumentos, museus ou sítios foram danificados ou destruídos – 70 templos religiosos, 30 edifícios históricos, 18 centros culturais, 15 museus e 7 bibliotecas. 45 em Donetsk, 40 em Kharkiv e 26 em Kyiv. Exemplos? A Catedral da Assunção em Kharkiv, bem como diversos pavilhões da Universidade Nacional das Artes na mesma cidade; o teatro de Marioupol; o museu da artista Maria Pryimachenko de Ivankiv (Kyiv). Por outro lado, os Museus de Arqueologia e de Arte Moderna de Odessa estão sob ameaça ou o centro da cidade de Lviv, classificado pela UNESCO’.
Se pensarmos bem, aliás a função destas Cartas –se conseguirem saltar por cima de um hipotético autoelogio– há uma pergunta que muitos já nos fizemos sem encontrar uma só resposta aceitável, –por que é que a política, em lugar de melhorar, tem vindo a ser encarada e apreciada com uma espécie de descrédito generalizado, abrangendo todos os sectores da opinião pública, aqui e em qualquer outro lado, levando a uma decepção e a uma alienação generalizadas?–
Repare-se ainda como uma imagem de puro entretimento no Tik Tok, ou um tweet com pouco mais de uma centena de caracteres, da autoria de um qualquer anónimo irresponsável, têm mais valor que uma informação séria, verificada e contrastada. E repare-se também como a superioridade quase dogmática onde alguns meios de comunicação, apoiados nos seus tudólogos, pretendem controlar e ordenar a totalidade da informação.
Lembro-me, a propósito, de uma sentença de Descartes, ‘Não há nada repartido no mundo de modo mais equitativo que a razão; toda a gente está convencida de ter a suficiente’ e, por isso também não acredito naquele dito bem popular entre políticos ‘O povo quando vota nunca se engana’, precisamente pelo desequilíbrio patente entre os que comandam a opinião pública e os que pensam que até participam dela.
Todos estamos sujeitos a campanhas que, em determinadas alturas, mais parecem tempestades de intoxicação mediática, potenciadas pelas novas tecnologias, de tal maneira que levaram Noam Chomsky a afirmar, ‘A manipulação consciente e inteligente dos hábitos e das opiniões organizadas das massas, é um elemento importante na sociedade democrática’.
Quem manipula estas ferramentas camufladas e escondidas da sociedade, constitui-se como o verdadeiro e invisível poder que dirige os destinos de um qualquer país, às quais nunca se deve deixar de ajuntar os aspectos emocionais, a melhor delas para curto circuitar a crítica e a análise racional, de qualquer acontecimento ou situação.
Talvez tenha sido a consciência disto tudo que levou André Malraux a modificar um dito antigo, que dizia quer cada povo ou nação tem o governo que merece, por uma versão própria a dizer, ‘Não é verdade que os povos tenham os governos que merecem, mas a gente tem os governantes que se lhe parece’.
A terminar de maneira diferente esta Carta, talvez seja conveniente deixar aqui um pensamento breve e simples do actor António Banderas, ao ‘La Vanguardia’ no passado mês de maio, ‘O homem que nada quer é invencível’, por ele só querer a liberdade que já tem.
E quantos, a dar atenção ao que vemos, gostaríamos de saber que deveriam ter isto como lema?
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor