A Guerra na Ucrânia — Petróleo: os efeitos “muito limitados” das sanções ocidentais contra a Rússia. Por Martine Orange

Seleção e tradução de Francisco Tavares

8 m de leitura

 

Petróleo: os efeitos “muito limitados” das sanções ocidentais contra a Rússia

 Por Martine Orange

Publicado por em 13 de Agosto de 2022 (original aqui)

 

Que eficácia têm as sanções ocidentais contra a Rússia? Esta é uma questão legítima, quase seis meses após o início da guerra contra a Ucrânia. Seis meses durante os quais o mundo assistiu a um aumento histórico dos preços da energia, durante os quais a inflação voltou a níveis não vistos durante várias décadas e está a alastrar a todos os sectores da economia mundial, e nos quais reapareceram os receios de recessão. Seis meses durante os quais a Europa, na linha da frente, apenas pôde constatar a sua vulnerabilidade, e hoje pergunta-se se será capaz de se aquecer este Inverno.

Faltam números fiáveis para avaliar o impacto real das sanções sem precedentes adoptadas contra a Rússia na sua economia. Moscovo assegura que está a lidar perfeitamente com todas as proibições – congelamento das suas reservas externas, proibição do acesso ao sistema financeiro internacional, proibição da compra de tecnologia ocidental crítica, embargos às suas exportações de hidrocarbonetos e matérias-primas – impostas pelos EUA e seus aliados.

Contudo, o PIB da Rússia caiu 4,7% no segundo trimestre, de acordo com as primeiras estimativas. Isto é muito menos do que alguns peritos tinham previsto no início da guerra – apostavam que a economia russa iria entrar em colapso em algumas semanas – mas o choque ainda é considerável. “A guerra na Ucrânia está a fazer recuar a Rússia quatro anos“, diz o economista russo Alexander Isakov.

Refinaria na Bulgária, propriedade do grupo petrolífero russo Lukoil. Nikolay DOYCHINOV / AFP

 

Se a economia russa mostra alguma resistência, é principalmente graças às suas exportações de gás e petróleo, das quais se está a tornar cada vez mais dependente. “Nos mercados da energia, Putin está a ganhar a guerra”, disse Javier Blas, colunista da Bloomberg, nos últimos dias, salientando que todas as previsões tinham sido erradas. Sem ser tão definitiva, a Agência Internacional de Energia (AIE) apenas pôde constatar no seu último relatório publicado a 11 de Agosto que as sanções tiveram apenas um impacto “muito limitado” na produção petrolífera russa.

 

China, Índia, Turquia: os novos clientes da Rússia

Desde o início da invasão da Ucrânia, as exportações de petróleo russo para os EUA, Europa, Japão e Coreia do Sul caíram em 2,2 milhões de barris por dia. Mas estas produções foram desviadas para a Índia, China, Turquia, para nomear os principais destinatários, o que ajudou a reduzir as perdas russas. “Os compradores asiáticos tiraram partido do petróleo barato“, disse a AIE, observando que a China ultrapassou a Europa como o maior importador de petróleo russo em Junho.

Quando as sanções ocidentais foram anunciadas, a instituição previu que as perdas de produção para a indústria petrolífera russa atingiriam milhões de barris por dia. Admite agora que estava errada nas suas estimativas: “As sanções ocidentais têm tido um impacto muito limitado”.

Em Julho, a produção petrolífera russa era apenas 310.000 barris por dia inferior à de antes da guerra na Ucrânia, e as suas exportações de petróleo caíram apenas 510.000 barris por dia. Isto representa uma diminuição de 3% e 4% respectivamente em comparação com o final de 2021.

Esta pequena redução é tanto mais importante quanto, ao mesmo tempo, os preços do petróleo bruto subiram mais de 30% e têm pairado à volta dos 100 dólares por barril nos últimos dias. Graças às suas exportações de petróleo, Moscovo ganhou 21 mil milhões de dólares em Junho e 19 mil milhões em Julho. Este inesperado lucro financeiro, que permite à Rússia financiar a sua máquina de guerra, não está prestes a secar.

Se o Kremlin concordou, no início das sanções, em conceder grandes descontos, por vezes até 30% em comparação com os preços mundiais, a todos os compradores para contornar as sanções, considera agora que já não precisa de fazer este esforço: os novos canais de exportação para a sua produção de petróleo estão agora bem estabelecidos, os mecanismos de comercialização, com novas casas comerciais e novos comerciantes a escaparem às sanções ocidentais, estão em vigor. Nas últimas semanas, o petróleo russo tem sido comercializado em paridade com petróleos brutos de qualidade comparável.

 

A OPEP em apoio

Porque a procura existe. Apesar dos preços estratosféricos do petróleo, o mundo nunca consumiu tanto petróleo. Os receios sobre o abastecimento de gás e o aumento dos preços da electricidade levaram mesmo os industriais a recorrer ao petróleo e a reavivar os seus velhos geradores a petróleo, particularmente na Europa e no Médio Oriente. De acordo com estimativas da AIE, o consumo mundial de petróleo deverá aumentar em 2,1 milhões de barris/dia para atingir 99,7 milhões de barris/dia em 2022. Deverá continuar a aumentar em 2023 para 101,8 milhões de barris/dia. Um recorde.

Para a Rússia, isto significa mercados e rendimentos financeiros garantidos. Tanto mais que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) já não desempenha o seu papel de estabilizador nos mercados petrolíferos. Apesar da viagem do Presidente dos EUA Joe Biden a Riade no início de Julho, como outros vão a Canossa em viagem de perdão, e dos muitos esforços dos funcionários europeus para se reconectarem com o Príncipe Herdeiro Saudita Mohammed bin Salmane, que era considerado um pária até então, a Arábia Saudita, o maior exportador mundial de petróleo, não se moveu. Mantém mesmo relações cada vez mais estreitas com a Rússia e a China.

Alguns dias após a visita de Joe Biden, a OPEP anunciou um aumento na sua produção de 100.000 barris por dia. Isto é tão bom como nada, dadas as pressões existentes no mercado petrolífero. Alguns intervenientes no mercado observam que a oferta dos países da OPEP está de facto a diminuir, em vez de aumentar como se esperava.

 

As consequências não avaliadas do embargo europeu

O que vai acontecer este Inverno? A questão coloca-se tanto entre os intervenientes no mercado petrolífero como entre os responsáveis políticos. Até ao final do ano, os Estados-membros da UE – com excepção da Hungria, República Checa e Eslováquia, aos quais foram concedidas isenções devido à sua localização geográfica sem acesso ao mar – terão de implementar um embargo total ao petróleo russo, conforme acordado no sexto pacote de sanções adoptado no final de Maio.

Na esperança de aliviar as tensões, os Estados Unidos propuseram na última cimeira do G7 a implementação de um mecanismo que permitisse a exportação de petróleo russo, mas a um preço máximo, naturalmente abaixo dos níveis do mercado. O mecanismo é suposto corrigir os erros e deficiências das sanções, que se estão a revelar tão prejudiciais para o Ocidente como o são para a Rússia nesta fase.

Embora a proposta continue a ser discutida, nada está a avançar. E muitos prevêem que nada irá avançar. Porque a adopção desta medida pressupõe um pré-requisito importante: o acordo do Kremlin. Tendo Vladimir Putin conseguido contornar as sanções, é difícil imaginá-lo a concordar em voltar a colocar a sua produção de petróleo sob controlo ocidental, especialmente a um preço baixo! Os Estados Unidos e a Europa ainda não compreenderam que já não estão em posição de impor os seus pontos de vista e as suas políticas ao resto do mundo.

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A autora: Martine Orange [1958 -], jornalista da área economia social em Mediapart desde 2008, ex-jornalista do Usine Nouvelle, Le Monde, e La Tribune. Vários livros: Vivendi: A French Affair; Ces messieurs de chez Lazard, Rothschild, um banco no poder. Participação em obras colectivas: a história secreta da V República, a história secreta da associação patronal, Les jours heureux, informer n’est pas un délit. Recebeu o prémio de ética Anticor em 2019.

 

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