Um texto de 2013, bem atual… que reflexão sobre o futuro de Portugal na UE? — “União Europeia morreu em Chipre”. Por Viriato Soromenho-Marques

Seleção de Francisco Tavares

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União Europeia morreu em Chipre

 Por Viriato Soromenho-Marques

Publicado por  em 26 de Março de 2013

 

Quando as tropas norte-americanas libertaram os campos de extermínio nas áreas conquistadas às tropas nazis, o general Eisenhower ordenou que as populações civis alemãs das povoações vizinhas fossem obrigadas a visitá-los. Tudo ficou documentado.

Vemos civis a vomitarem. Caras chocadas e aturdidas, perante os cadáveres esqueléticos dos judeus que estavam na fila para uma incineração interrompida.

A capacidade de os seres humanos se enganarem a si próprios, no plano moral, é quase tão infinita como a capacidade de os ignorantes viverem alegremente nas suas cavernas povoadas de ilusões e preconceitos. O povo alemão assistiu ao desaparecimento dos seus 600 mil judeus sem dar por isso. Viu desaparecerem os médicos, os advogados, os professores, os músicos, os cineastas, os banqueiros, os comerciantes, os cientistas, viu a hemorragia da autêntica aristocracia intelectual da Alemanha. Mas em 1945, perante as cinzas e os esqueletos dos antigos vizinhos, ficaram chocados e surpreendidos.

Sempre dissemos que não queríamos contribuintes a salvar bancos, mas bancos a salvar-se a si próprios. Será o caso em Chipre. Este resultado é o correto: pões o essencial da responsabilidade sobre os que causaram estes desenvolvimentos errados. É assim que deve ser.” Ângela Merkel, chanceler alemã em 2013.

Em 2013, 500 milhões de europeus foram testemunhas, ao vivo e a cores, de um ataque relâmpago a Chipre. Todos vimos um povo sob uma chantagem, violando os mais básicos princípios da segurança jurídica e do Estado de direito. Vimos como o governo Merkel obrigou os cipriotas a escolher, usando a pistola do BCE, entre o fuzilamento ou a morte lenta. Nos governos europeus ninguém teve um só gesto de reprovação. A Europa é hoje governada por Quislings e Pétains.

Nestes momentos, os nossos pensamentos estão com Chipre, que está a sofrer. A decisão da União Europeia é inadmissível porque é discriminatória. A União Europeia deveria ser um abrigo para os mais frágeis, em vez de selecionar as suas vítimas seguindo critérios que só ela conhece”. Carolos Papoulias, presidente da Grécia em 2013.

A ideia da União Europeia morreu em Chipre. As ruínas da Europa como a conhecemos estão à nossa frente. É apenas uma questão de tempo.

Este é o assunto político que temos de discutir em Portugal, se não quisermos um dia corar perante o cadáver do nosso próprio futuro como nação digna e independente.

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O autor: Viriato Soromenho Marques [1957 – ] é um filósofo português, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (desde 2003). Tem o grau de mestre em Filosofia Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa, obtido com a defesa de uma tese sobre A caracterização trágica do niilismo em Nietzsche (1985) e Doutorado em Filosofia pela Universidade de Lisboa com a defesa de uma tese subordinada ao título Razão e progresso na filosofia de Kant (1991). É ou foi membro de várias sociedades e organizações científicas em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente da Sociedade Portuguesa de Filosofia, da International Society for Ecological Economics, da American Political Science Association, da Associação Portuguesa de Ciência Política. É o correspondente em Portugal da organização alemã de estudos ambientais Ecologic. Foi conferencista em várias Universidades nacionais e estrangeiras. Desenvolve desde 1978 uma intensa actividade no movimento associativo ligado à defesa do ambiente, tendo sido — de 1992 a 1995 — presidente da mais importante associação ambientalista nacional, a QUERCUS– Associação Nacional de Conservação da Natureza. Membro fundador da ZERO, em 2016. Proferiu ou orientou mais de mil conferências e cursos breves em Portugal e vinte e três outros países. Publicou cerca de quatro centenas de estudos, abordando temas filosóficos, político-estratégicos e ambientais. De entre os livros publicados os mais recentes são: Muros de Liberdade (2014), Portugal na Queda da Europa (2014) The Safe Operating Space Treaty. A New Approach to Managing Our Use of the Earth System (2016), Ética Aplicada. Ambiente (2017), Depois da Queda. A União Europeia entre o Reerguer e a Fragmentação (2019. Para mais detalhe ver aqui.

 

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