Garcia Montero, poeta e catedrático em Literatura escreveu, já em Novembro passado, ‘Enquanto te cumprimento, penso em tudo que cabe nestas duas palavras “Bom dia”– os misseis matam e condenam a morrer de frio na Ucrânia, o Covid continua a ser a desculpa parta reprimir sem escrúpulos a população chinesa, a política parece convidar ao ódio e à violência, e a extrema direita arrasta a direita que não devia ser tão extrema’.
Mas, convém não esquecer, ‘A poesia é que vai salvar o mundo, sem lugar a qualquer dúvida, é o único instrumento que temos para mudar as coisas’ escreveu no princípio deste ano o também poeta Juan António Molina, igualmente professor e escritor, pois ‘Quando olhamos tudo o que nos rodeia de forma diferente, as coisas mudam e a poesia, como Adão no Paraíso, sempre percebe as coisas como se fosse a primeira vez’.
Falo de dois poetas, de gente que interroga o mundo quando se interroga, mas tenho sérias dúvidas –os acontecimentos recentes em todo a parte levam a isso– acerca do futuro da leitura no mundo, da sua importância e do seu potencial vindoiro nas diferentes sociedades, apesar do grande aumento das edições, a competir em inferioridade com o aumento também generalizado dos bens e serviços.
Voltando ao primeiro parágrafo, entender-se-á que a produção de texto –qualquer que ele seja e em qualquer sociedade–será de alguma maneira seleccionada, controlada até quando distribuída, obedecendo a algum procedimento escrito ou não, para nunca poder vir as afectar os poderes oficiais ou também não.
Talvez a propósito e já lá vão muitos anos, no programa ‘Cantorias’, de Maria José Mauperrin, na Antena 1, o poeta e escritor português Jorge de Sena salientou bem, ‘Devemos criar uma relação séria entre o povo português e a cultura, não o insultando nunca com divulgações culturais, achando que ele precisa que lhe traduzam alguma coisa. O povo só precisa que lhe traduzam aquilo que é escrito para ele não entender’.
O professor António Carlos Cortez, escreve em Fevereiro último no DN, ‘Fruto de uma visão economicista da Educação nos últimos 25 anos, e de políticas educativas dependentes das indicações emanadas do FMI e dos seus braços burocráticos, a OCDE e o aferidor PISA, a escola em Portugal não é senão a escola-refeitório, o depósito onde impera a lógica do tudo-ao-molho-e-fé-em-Deus, comprovando o erro crasso da organização escolar por agrupamentos’.
A situação agravou-se ultimamente, de tal maneira que António Cortez acrescenta, ‘Com pais desempregados, entregues à alienação escolar, que cidadãos estamos a formar? Que País? Um país de precários a qualquer instante! Os alunos passam a escolaridade obrigatória entre Cila e Caríbdis: entre o “projecto educativo” e os “exames finais”. Os pais passam a vida entre os baixos salários e os impostos exorbitantes!’
Não é fácil arranjar uma solução rápida para estes problemas, tal o intrincado das situações tanto a nível nacional como internacional, mas catedrático da UNESCO, António Sampaio da Nóvoa, falando ao DN sobre o futuro da educação, afirma ‘É necessário renová-lano espaço público da cidade. E, na escola, construir ambientes para todos e onde todos aprendam. Só assim poderemos reparar exclusões e injustiças do passado. Para ser transformadora, a escola tem ela própria de se transformar’.
Uma renovação que terá de começar pelo princípio, logo no dia da chegada do aluno à escola, por lhe marcar decisivamente o resto da vida. Sirvo-me de Albert Camus, como exemplo, deixando aqui a carta que ele escreveu ao seu professor primário, uns tempos depois de lhe ter sido atribuído o Prémio Nobel da Literatura, em 1957.
19 de Dezembro de 1957
Caro senhor Germain
Deixei passar um tempo sobre o ruído que me rodeou nestes dias, antes de lhe escrever um pouco, com todo o meu coração. Acabaram de me prestar uma honra demasiado grande, que não procurei nem solicitei. Mas quando soube da notícia, o meu primeiro pensamento, depois da minha mãe, foi para o senhor. Sem o senhor, sem aquela mão carinhosa que estendeu ao rapazinho pobre que eu era, nada de tudo isto teria acontecido. Não faço um mundo deste género de honra, mas é, pelo menos, a ocasião para lhe dizer o que o senhor sempre foi para mim e para garantir que os seus esforços, o seu trabalho e o seu coração generoso, estão sempre vivos num dos seus pequenos alunos que, apesar da idade, nunca deixou de ser um aluno agradecido. Abraço-o com todas as minhas forças.
Albert Camus
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor