Espuma dos dias … eleições em Espanha — “O asa delta de Alberto Núñez Feijóo”, por Noelia Adánez

Seleção e tradução de Francisco Tavares

4 min de leitura

O asa delta de Alberto Núñez Feijóo

O líder do PP pretende compensar a sua falta de propostas com uma atitude amigável que lhe permita apresentar o seu programa de privatizações sem alarido.

 

 Por Noelia Adánez

Publicado por .es em 11 de Julho de 2023 (original aqui)

 

          Alberto Nuñez Feijóo – ilustração de ENEKO

 

A asa delta é, como muitos dos nossos leitores sabem, um planador sem motor cujo piloto, utilizando correntes ascendentes, pode percorrer uma distância de até setecentos quilómetros. Cerca de 600 quilómetros separam o Palácio de Raxoi, em Santiago de Compostela, do Palácio de la Moncloa, na capital espanhola.

A poucos dias das eleições legislativas, é evidente que Alberto Núñez Feijóo já percorreu a maior parte deste voo. Resta saber como fará a reta final e, mais importante ainda, se conseguirá completar a aterragem com sucesso. Tudo indica que o fará com o vento a favor, pelo que é provável que não se despenhe, apesar da utilização desastrosa que o antigo presidente da Xunta de Galicia (2009-2022) tem feito das centrais térmicas e nucleares [ver aqui].

No seu primeiro discurso de investidura na sua região autónoma, em 2009, Feijóo comprometeu-se a governar sem “apriorismos ideológicos” para ultrapassar o período de governo bipartido entre o PSdeG e o BNG. Feijóo apresentou-se então como um moderado, tentando assim dissociar-se da figura de Manuel Fraga, para se distanciar das suas adesões anti-democráticas.

Foi Carlos Aymerich, porta-voz do BNG, que acusou Feijóo de querer fazer-se passar por “candidato imaculado”, quando, até então, cumpria ordens de Génova [sede dp PP]. Recorde-se que Feijóo foi o arquiteto da privatização dos Correios durante um dos governos de José María Aznar e regressou à política galega para ser nomeado ministro da Política Territorial, Obras Públicas e Habitação. Em 2009, Aymerich também criticou a falta de propostas políticas concretas de Feijóo.

Foi há catorze anos e, no entanto, parece atual. Alberto Núñez Feijóo está à frente do Partido Popular há pouco mais de um ano. Chegou à presidência após a defenestração de Pablo Casado, que caiu em desgraça depois de se atrever a enfrentar a toda-poderosa Isabel Díaz Ayuso. Em sintonia com a crescente ascensão da extrema-direita, ela tem ditado o conteúdo da agenda ideológica de Feijóo.

O candidato viu-se assim obrigado a fazer declarações que comprometem a sua imagem de político ideologicamente moderado. Os pactos com Vox nos municípios e regiões autónomas depois do 28M – autorizados e instigados pelo próprio Feijóo – fizeram o resto. Agora sabemos que, para o galego, um “divórcio duro” é uma exoneração da violência masculina, que a memória histórica não tem sentido porque “viver dos lucros (sic) do que os nossos avós fizeram não faz sentido”, ou que as alterações climáticas aceitam moratórias como o fracking.

O político galego entra no concurso presumindo ser o vencedor, caso contrário não o teria feito. Quando, em 2018, após o anúncio da sentença de Gürtel, o PSOE propôs uma moção de censura no Congresso que expulsou o Partido Popular do governo, Feijóo foi apontado pelos meios de comunicação social e pelos representantes do seu partido como possível sucessor de Rajoy, devido à popularidade de que gozava entre as bases.

O galego decidiu adiar a sua viagem política a Madrid, onde não estava disposto a ir sem todas as garantias de que não encontraria obstáculos externos ou internos à presidência do governo. A única portagem que Alberto Núñez Feijóo estava disposto a pagar era a passagem pelo Senado durante um período de transição muito breve no seu voo pacífico. Lembrem-se, as centrais térmicas e nucleares.

E o facto é que o originário de Ourense é um aproveitador que pretende valorizar o seu perfil suave e os seus modos melífluos num momento como o atual, de confronto e desconfiança da opinião pública em relação à política. Feijóo aspira a compensar a sua falta de propostas com uma disposição amistosa que lhe permita introduzir sem alarido o programa privatizador do PP, do qual a corrupção e o uso indevido de fundos públicos fazem parte há décadas. Também na Galiza, onde nas últimas eleições os membros do clã Baltar voltaram à ribalta.

Pokemon, Condor e Gürtel passaram por ele sem o afetar. No que se refere à sua relação com o narcotraficante Marcial Dorado, continuamos a não ter uma explicação convincente desde que, há dez anos, foram tornadas públicas as fotografias de um iate que o perseguirão para sempre. Quanto ao seu salário como presidente do PP, decidiu afogar a informação num silêncio forçado, alegando que não é obrigado a dar essa informação até ao fim do seu mandato no Senado, o que acontecerá, evidentemente, um mês depois de 23 de Junho.

Alberto Núñez Feijóo, como tantos outros barões do Partido Popular nas regiões autónomas sob o seu governo, aumentou a dívida pública, triplicando-a, apesar de anunciar a sua redução em cada novo ciclo eleitoral. Agora, precisamente, é uma das críticas que faz a Sánchez, a da dívida pública. Durante os seus treze anos de governo na Galiza, efectuou, de forma dura e com uma elevada dose de nepotismo, importantes cortes na saúde.

Os gastos com a propaganda institucional também se intensificaram e de forma opaca neste seu período de governação, com um total de 45 milhões de euros destinados a ajudas e acordos com empresas editoras de meios de comunicação. Recorde-se que, já depois de se ter demitido do cargo de presidente da Xunta, Feijóo preparou a sua apresentação oficial como candidato nacional gastando 1,2 milhões de euros do erário público galego nos meios de comunicação social de Madrid.

A sua recusa em realizar um debate a quatro durante a campanha parece fazer parte de uma tentativa vergonhosa de controlar totalmente a sua imagem pública e de evitar o que o candidato e a sua equipa consideram claramente um risco: um debate sobre propostas políticas, um debate com outros candidatos, especialmente com o seu inimigo, o atual presidente do governo.

Num voo com asa delta, quando se trata de aterrar, é preciso ser hábil a afinar o ângulo de ataque. Alberto Núñez Feijóo tenta forçar a sua descida aos tropeções, o que revela falta de estratégia e um certo desconhecimento do terreno e da técnica. Se não reagir adequadamente, o 23J pode passar e ele ficará simplesmente suspenso em voo.

 

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A autora: Noelia Adánez [1973-] é dramaturga, editora em Recalcitrantes e doutorada em Políticas e Sociologia pela universidade Complutense de Madrid. Ensaísta com Vivir el tiempo. Mujeres e imaginación literaria, 2019.

 

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