Seleção e tradução de Francisco Tavares
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O maior fornecedor de armas da Ucrânia orquestrou o massacre de Maidan em 2014, dizem testemunhas
Publicado por em 6 de Setembro de 2023 (original aqui)
Em tempos denunciado por Zelensky como um “criminoso”, o traficante de armas Serhiy Pashinksy tornou-se o principal fornecedor privado de armas à Ucrânia. Testemunhas oculares apontaram Pashinsky como o arquiteto de uma sangrenta operação de bandeira falsa que impulsionou o golpe de Maidan de 2014 e mergulhou o país numa guerra civil.
Anos antes de emergir como o principal traficante de armas privado de Kiev, o ex-legislador Serhiy Pashinsky [1] desempenhou um papel fundamental no golpe apoiado pelos EUA em 2014, que derrubou o presidente democraticamente eleito da Ucrânia e preparou o terreno para uma devastadora guerra civil. Embora o notoriamente corrupto ex-parlamentar ucraniano tenha sido condenado pelo presidente Volodymyr Zelenskyy como um “criminoso” em 2019, uma longa exposição do New York Times identificou Pashinsky como o “maior fornecedor privado de armas do governo ucraniano.”
Talvez previsivelmente, o relatório não menciona provas que implicam Pashinsky no massacre de 2014 de 70 manifestantes antigovernamentais na Praça Maidan, em Kiev, um incidente que as forças pró-ocidentais usaram para consumar o seu golpe de Estado contra o então presidente Viktor Yanukovych.
Num relatório de 12 de agosto sobre a nova estratégia de fornecimento de armas da Ucrânia, o New York Times alegou que “por desespero”, Kiev não tinha opção a não ser adotar táticas cada vez mais amorais. A mudança, dizem eles, elevou os preços das importações letais a uma taxa exponencial, “e acrescentou camada após camada de lucro” para o benefício de especuladores sem escrúpulos como Pashinsky.
De acordo com o Times, a estratégia é simples: Pashinksy “compra e vende granadas, projéteis de artilharia e foguetes através de uma rede transeuropeia de intermediários”, depois “vende-os, depois compra-os novamente e vende-os mais uma vez”:
“A cada transação, os preços sobem – assim como os lucros dos associados de Pashinsky – até que o comprador final, os militares da Ucrânia, paguem mais”, explicou o Times, acrescentando que, embora o uso de vários corretores possa ser tecnicamente legal, ”é uma maneira testada pelo tempo de inflacionar os lucros.”
Como a oferta aparentemente interminável de dinheiro dos contribuintes ocidentais proporciona uma bonança para os fabricantes de armas como a Raytheon e a Northrop Grumman, beneficia igualmente os especuladores da guerra como Pashinsky. A sua empresa, a Ukrainian Armored Technology, “relatou que o ano passado foi o seu melhor ano, com vendas totalizando mais de US $350 milhões” — um enorme aumento de 12.500% em relação aos US $2,8 milhões em vendas no ano anterior à guerra.
Pashinsky não é o único mafioso que beneficia da eliminação das medidas anticorrupção na Ucrânia em tempo de guerra. Vários fornecedores anteriormente colocados numa lista negra oficial depois de “terem roubado os militares” agora estão livres para vender novamente, de acordo com a investigação do Times. O Times minimizou isso como uma medida infeliz, mas, em última análise, necessária.
“Em nome de levar armas para a linha de frente, os líderes ressuscitaram figuras do passado violento da Ucrânia e desfizeram, pelo menos temporariamente, anos de políticas anticorrupção [sic]”, afirmou o Times, descrevendo “o ressurgimento de figuras como o Sr. Pashinsky ‘como’ uma das razões pelas quais os governos americano e britânico estão a comprar munição para a Ucrânia em vez de simplesmente entregar dinheiro”:
“As autoridades europeias e americanas detestam falar do Sr. Pashinsky, por medo de apoiar a narrativa da Rússia de que o governo da Ucrânia é irremediavelmente corrupto e deve ser substituído.”
No entanto, mesmo a reportagem aparentemente crítica do Times ignora um aspecto-chave da desagradável biografia de Pashinsky. Visivelmente ausente da cobertura estava qualquer explicação do seu papel na realização do infame massacre de activistas antigovernamentais e polícias na Praça Maidan, em Kiev, no final de fevereiro de 2014.
Um momento decisivo no derrube orquestrado pelos EUA do governo eleito da Ucrânia, a morte de 70 pessoas às mãos de atiradores misteriosos desencadeou uma avalanche de indignação internacional que levou diretamente à destituição do presidente Viktor Yanukovych. Ainda hoje, esses assassinatos permanecem oficialmente não resolvidos.
No entanto, depoimentos em primeira mão de indivíduos que alegaram ter ajudado a realizar o ataque de bandeira falsa sugerem que o mais prolífico traficante de armas de Kiev esteve intimamente envolvido no terrível caso.
Organizador do massacre de Maidan ‘não faz prisioneiros’
Em novembro de 2017, o canal de TV Matrix da Itália publicou relatos de testemunhas oculares de três georgianos que dizem ter recebido ordens de matar manifestantes por Mamuka Mamulashvili. O então assessor militar de alto escalão do presidente georgiano Mikhael Saakashvili, Mamulashvili, fundou mais tarde a infame brigada mercenária conhecida como Legião georgiana, cujos combatentes foram amplamente condenados depois de publicarem um vídeo horrível de si mesmos executando alegremente soldados russos desarmados e amarrados em abril de 2022.
O documentário, “Ucrânia: A Verdade Oculta”, apresenta entrevistas de um jornalista italiano com três combatentes georgianos supostamente enviados para orquestrar o golpe. Todos descreveram Pashinsky como um dos principais organizadores e executores do massacre de Maidan, mesmo alegando que os traficantes de armas corruptos forneceram armas e selecionaram alvos específicos. O filme também contou com imagens dele evacuando um atirador da Praça, depois de terem sido apanhados com um rifle e uma mira telescópica por manifestantes e de estarem cercados.
Um dos combatentes georgianos lembrou como ele e os seus dois associados chegaram a Kiev em janeiro, “para organizar provocações para pressionar a polícia a atacar a multidão”. Durante quase um mês, no entanto, “não havia muitas armas ao redor”, e “molotov [coquetéis], escudos e paus foram usados ao máximo.”
Isso mudou por volta de meados de fevereiro, disseram eles, quando Mamualashvili os visitou pessoalmente ao lado de um soldado americano chamado Brian Christopher Boyenger, um ex-oficial e franco-atirador da 101st Airborne Division, que pessoalmente lhes deu ordens que “tinham que seguir.”

Então, foi o próprio Pashinky que os transferiu, juntamente com rifles de precisão e munições, para edifícios com vista para a Praça Maidan, alegaram. Nesse ponto, Mamualashvili teria insistido que “temos que começar a disparar, tanto, para semear algum caos.”
Foi assim que os combatentes georgianos “começaram a disparar dois ou três tiros de cada vez” contra a multidão abaixo, tendo sido ordenados que “atirassem nos Berkut, os polícias, e nos manifestantes, não importa o que aconteça”. Uma vez terminada a matança, Boyenger mudou-se para a frente de Donbas para combater nas fileiras da Legião georgiana, que Mamulashvili comanda até hoje.
Entretanto, o jornalista ucraniano Volodymyr Boiko, que chefiou o Conselho Cívico da Procuradoria-Geral da Ucrânia depois de Maidan, alegou que, para ocultar o seu papel, Pashinsky escolheu pessoalmente as pessoas que lideravam a investigação oficial do massacre e até subornou o procurador que a chefiava.
Apesar destas alegações chocantes, o envolvimento de Pashinsky no massacre de Maidan nunca foi oficialmente investigado, muito menos punido, e as suas experiências mais recentes com o sistema judicial ucraniano sugerem que é improvável que seja fortemente examinado pelos funcionários em Kiev. Enquanto membro da Verkhovna Rada [Parlamento] da Ucrânia, ele foi preso por disparar e ferir um peão numa disputa relacionada com o trânsito, mas foi absolvido em 2021.
Quando jornalistas israelitas confrontaram Pashinsky sobre o seu papel no massacre de Maidan, o traficante de armas avisou que seriam rastreados no seu país de origem, onde os seus associados “os destruiriam”. Eles poderiam ser perdoados por acreditarem que não era uma ameaça em vão; há uma tendência preocupante para os detratores de Pashinky acabarem violentamente espancados ou mortos a tiros na rua.
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[1] N.T. Até 2019 foi deputado no parlamento da Ucrânia, tendo anteriormente ocupado postos de relevo na administração ucraniana (ver wikipedia aqui).
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O autor: Kit Klarenberg é um jornalista de investigação que explora o papel dos serviços secretos na formação da política e das percepções. Colabora com The Grayzone, The Cradle, Declassified UK.
*LEIAM, ESTUDEM, ENTENDAM, MULTIPLIQUEM. TALVEZ AINDA HAJA TEMPO.* > https://gustavohorta.wordpress.com/2016/06/03/silenciosamente-estados-unidos-preparam-se-para-a-guerra/