CARTA DE BRAGA – “de um pobre e da condição humana” por António Oliveira

Se dermos atenção aos números conseguidos pela Oxfam Internacional e divulgados em Dezembro último, 1% da população mundial possui 50% das riquezas do planeta, controladas por cerca de 30%, enquanto 70%  sobrevive e morre com uns parcos 5%. Mas os número são ainda mais pormenorizados, e afirmam que dezassete organizações resultantes de fusões de empresas de variados sectores, são também possuidores de 41,16 biliões de dólares, e aumentam capital e poder com as inversões em indústrias, meios de comunicação, comércios e complexos militares-industriais.

E termina a notícia onde li e donde extraí estas ‘minudências’, com um parágrafo que vou traduzir na íntegra da sua cómoda borbulha degradam a natureza não humana, saqueiam a Mãe Terra, fazem as guerras com todas as comodidades, aquecem o globo, aridificam terrenos, secam rios e provocam secas intensas; desde o seu paraíso criam uma indústria internacional de mentiras, para dopar as mentes de milhares de milhões de pessoas, e as submeter aos seus desígnios (dados extraídos de Megacapitalistas: La élite que domina el dinero y el mundo //www.amazon.com, Peter-Phillips).

Não serão dados muito bons, para quem começou o ano na esperança de viver melhor, um futuro mais desanuviado e com menos escolhos, num caminho que decidiu ou as circunstâncias lhe impuseram seguir, mas nunca esqueço as palavras do músico, filólogo e escritor Antón Reixa, deixadas no prefácio de um dos seus livros, ‘A coragem e a melancolia são as duas forças contrárias que movem a condição humana’.

A coragem absolutamente necessária para ‘Os mais de 10 mil homens e mulheres que dormem na rua’ escreve no DN, Ramos de Almeida em dia de consoada, acrescentando depois ‘São a face mais visível da miséria de uma sociedade nas ruas das cidades, gente sem casa, muitos com uma vida torturada. A estes somam-se muitos sem trabalho e milhões à beira da pobreza em Portugal’.

Há já algumas semanas, ainda as chuvas não se prolongavam dias e noites a seguir, quando a caminho da minha casa, reparei num vulto dobrado, como se quisesse esconder-se, a limpar com uma daquelas escovas de lavar o chão o lixo de um caixote que tinha acabado de derrubar, naquela procura desvalida de encontrar ali qualquer coisa para comer ou que tivesse utilidade, metal, cartão, algum berloque ou enfeite caseiro ou não, mas já sem préstimo.

Sei apenas que o homem varreu o chão cuidadosamente, voltou a meter tudo no caixote, endireitou e colocou-o no sítio onde teria estado, sacudiu as calças, limpou as mãos num trapo que meteu no caixote também, olhou em volta e reparou em mim, que lhe acenei e lhe ofereci algum dinheiro para ir comer uma sopa quente, agradeceu tirando respeitosa e educadamente o gorro tapa-orelhas que trazia, e andou o caminho que entendeu.

Não há muito tempo, talvez final de Novembro ou princípio de Dezembro, um cronista contou um caso parecido e citou um poeta não lembro qual nem quem que teria afirmado ‘Essa gente é o sal da terra’, salientando depois como o cuidado com o ambiente de uma pessoa assim, que nem teria um banho quente, uma geleira e outras comodidades, fosse capaz de se incomodar com o que lhe aconteceu, pressupõe uma beatitude que não condiz com tal condição.

E não posso esquecer também esta frase de Nietzsche, que o escritor Victor Frankl, tão bem nos recordou ‘Quem tem por que viver, pode superar qualquer como’.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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