CARTA DE BRAGA – “da informação e das pressas” por António Oliveira

Para quem anda ou andou metido nas coisas da comunicação, principalmente naquele acto simples e paradoxalmente complicado de informar, sabe perfeitamente que faça o que fizer, escreva ou diga ou que quiser, haverá sempre alguém, próximo ou não, disponível para emitir opinião, que, por sua vez e como ‘quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto’, dá origem a uma montanha de outras opiniões, mais ou menos próximas, afastadas ou até contradizendo a primeira de todas, a do autor daquele acto simples/complicado de informar.

O problema surge e toda a gente tem consciência disso, quando o afastamento ou a contradição vêm marcados pela mentira, pelo ódio ou pela ira, como já nos vamos acostumando a ‘assistir’ e a ler comentários dos media alternativos, coleccionadores de likes e selfies.

Ali, já estão em jogo outros e diferentes interesses, falsidades ou fakes como se diz agora, a movimentar cumplicidades que, não raramente, estão bem longe do cidadão comum e, a dar atenção a Gilles Lipovetsky, poderemos estar a caminho da ‘sociedade da decepção’, em que cada um de nós se julgará o único com razão, com todos os outros manchados pelo ‘pecado da ideologia’. 

Aliás, estamos a viver uma época em que, afirma o teólogo, filósofo e escritor Leonardo Boff, a propósito dos meios letais usados na guerra em Gaza, ‘Não chegamos ao extremo do paradigma da modernidade? Antes de mais nada, precisamos resgatar os direitos do coração. Não basta o logos, precisamos também do pathos. Não negamos a razão, necessária para dar conta da complexidade das sociedades contemporâneas’.

Mas o silêncio espantoso, por parte de quem poderia e deveria intervir nestas questões, sem ter cartas escondidas na manga, como os homens do poker nas coboiadas americanas, em relação a este ou outros assuntos candentes da actualidade, salvaguardando alguns comentaristas isentos da nossa praça mereceu este comentário do cronista Juan Carlos Monedero, que foi fundador do partido ‘Podemos’ aqui ao lado, ‘O silêncio geral das universidades e da maioria do jornalismo, ante as grandes barbaridades da nossa época, dizem muito pouco da fibra moral de espaços tão relevantes, para que uma democracia não naufrague’.

Aliás, mostram os últimos dados de la FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), que mais de meio milhão de pessoas, 25% da população de Gaza, está incluída já na quinta categoria da classificação da segurança alimentar, definida como ‘catastrófica e de fome’, na total impossibilidade de conseguir alimento, ao mesmo tempo que 1,2 milhões foram incluídos na categoria 4, o estado crítico da mesma segurança. O director geral da FAO afirmou no passado dia 6, ‘Se não se levanta o bloqueio israelita, uma violação flagrante da lei internacional, vão morrer centenas de milhar de pessoas’.

E vemos também como as diferentes sociedades estão disponíveis para aceitar, reverenciar e seguir tipos como trumpamileiboçalnaro, e outros semelhantes ou afins, e que, escreve o escritor e cronista David Torres, ‘Ninguém previu, mas o grande motor da ultradireita mundial nesta altura do milénio, não é o populismo, nem a economia neoliberal, nem o analfabetismo incontrolado, mas os salões dos cabeleireiros’, a ter em conta como cabeleiras explosivas e de permanentes enlouquecidas, têm marcado o ritmo da política internacional.

Talvez por isso, diz o jornalista do DN João Pedro Henriques, falando da sua profissão, ‘O melhor dos ofícios e o pior dos trabalhos’, para explicar a seguir ‘É uma tristeza ver a anomia cívica do país, este medo que é o mesmo que têm os políticos, que vem de saberem que o país não gosta de jornalistas, como não gosta de políticos. É a triste confirmação de uma suspeita, a de que este país não quer saber da democracia só deve ter querido saber da democracia em 1974 porque havia miúdos a morrer na guerra’.

E o seu camarada de trabalho e jornal, Nuno Ramos de Almeida, explica ainda melhor, ‘Os jornalistas têm de seguir um método que lhes permita separar juízos de valor de juízos de facto, tentar compreender e ouvir as diversas partes que intervêm numa determinada situação. A maior capacidade de um jornalista não é julgar, mas entender’.

Não gostaria de terminar sem recordar uma frase do prémio Nobel de Literatura de 1956, Juan Ramón Jiménez, a parecer adivinhar as ‘pressas’ do mundo de hoje, confirmadas até pelo declínio da leitura mais os ‘apertos’ no trabalho, especialmente aos jornalistas, que tanta celeuma está a levantar por aí, ‘Devagar, não tenhas pressa, porque aonde tens de ir é a ti mesmo’.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

2 Comments

  1. Um bálsamo estes escritos do António Oliveira. E ao mesmo tempo assustadores, enquanto retrato dos tempos que vivemos. E não será que isto a que chamamos “democracia” não estará já em pleno naufrágio?

    1. Obrigado caro Francisco Tavares
      Essa é a pergunta que me ponho muitas vezes!
      Não consigo encontrar uma resposta que me satisfaça e o meu receio
      é de que não a venha a encontrar nunca, mas como sou intrinsecamente
      positivo, entrego-me aos meus “deuses”, se é que eles ainda andam por aí!
      Um abraço amigo e até quarta feira “de cinzas”
      António Oliveira

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