CARTA DE BRAGA – “da Mafalda a Descartes” por António Oliveira

Volto hoje aos meus ‘apontamentos’ para começar esta Carta, e vou deixar o que escolhi na língua original, na crença real de que todas as pessoas que têm a bondade de me ler, também o vão entender como eu o entendi, por não querer adulterar, nem por uma mera e académica hipótese, as palavras da Mafalda, a inigualável criação do historiador e cartoonista argentino Quino.

E diz Mafalda, num dos ridentes desenhos de Quino, ‘Lo peor es que el empeoramiento empieza a empeorar’.

Não vai ser um trabalho agradável elaborar um texto sobre isto, mas permite ‘intervalar’ entre todos os ‘quid pro quos’ (espero estar a escrever correctamente este latinório) com que nos vão ensarilhando os dias, de Gaza a Navalny, do Suez ao ex-general indonésio Prabowo Subianto, de má memória para Timor, do Sudão ao Equador, da Meloni ao Ventura, do trumpa ao boçalnaro, do degelo nos Árcticos ao colapso que já se prevê para a Amazónia, das secas às intempéries e inundações em tudo quanto é mundo ainda habitável, dos Musks aos Zuckerbergs, Bezos e Bates, aqueles que nos querem desenhar um mundo artificial onde só eles ganham, mas deixando, só para nos entreter, os ‘dramas’ dos manhas de todas as manhãs e os outros de quinze segundos (mais é contraproducente), da responsabilidade dos Tiks, influencers, Toks e afins, na realidade o mundo da cultura que impera no mundo ocidental.

Antes, porém, quero aqui deixar esta afirmação de Theodor Kallifatides, escritor grego, auto-exilado em Estocolmo há umas dezenas de anos, sobre a importância que a história deveria ter na formação das gentes, especialmente da juventude, até por ter fundamentado o seu último livro na ocupação nazi da maior parte do velho continente.

Ocupação, cujo entendimento considera fundamental para a história da Europa e do povo europeu, ‘É uma parte importante da história europeia. A Segunda Guerra Mundial provocou 60 milhões de mortos, e dizem-nos que foi para salvar a democracia, a paz e a liberdade. Muito bem, mas onde? Em Espanha tiveram Franco, no país ao lado, Salazar, na Grécia, os colaboracionistas dos nazis tomaram o poder. Nada mudou a não ser o tirano, puseram um novo. São coisas que podemos contar aos jovens, todos os que temos alguma idade e as vivemos. A minha geração experimentou muito medo: não sabias quem viria para te matar, os alemães, os esquerdistas, os das direitas, os partisans… Um qualquer podia acabar contigo’.

Mas em meados deste Fevereiro, os jornais traziam a notícia de que Margaret Atwood, a canadiana escritora, poetisa e crítica literária, traduzida no mundo inteiro, tinha sido a primeira subscritora do Manifesto de Liubliana, elaborado por professores, investigadores, filósofos e linguistas desse mesmo mundo, advertindo que a sociedade está a enfrentar transformações que se agravam do mesmo modo que a tecnologia avança e, ao mesmo tempo, está afastar e pôr de parte, todos os momentos que antes se dedicavam à leitura de livros.

Ler leva tempo, e agora não o temos, tudo se passa rapidamente’, explica um aluno de engenharia de dados e, uma sua colega, aluna de engenharia de sistemas adianta, ‘Não é fácil encontrar um instante de calma. Procuro um momento e desactivo as redes sociais, senão é impossível’. São explicações como estas, as que levaram à elaboração daquele Manifesto, sobre um mundo distópico em que os humanos perderam a capacidade de pensar de forma crítica, e de se expressar com nuances, por um dia terem deixado de ler livros.

Comecei com um cartoonista e uma figura bem conhecidos em todo o mundo, e vou terminar com uma outra frase, num outro cartoon, representando um filósofo René Descartes, do século XVII, de quem alguns até dizem sere o fundador da moderna filosofia, mas que também se aproxima daquela afirmação da Mafalda.

roubado’ do blog ‘Entre as brumas da memória’,18.02.24

Face a estas duas intervenções, da Mafalda e de Descartes, resta-me terminar com uma outra do enorme poeta que foi Jorge Luis Borges, ‘Aprende a construir todos seus caminhos no hoje, porque o terreno de manhã é demasiado inseguro para planos…

 

António M. Oliveira

 

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 

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