Capitulo I. Retratos da Desindustrialização
1.10- O problema do trabalho escravo chinês para a Apple e para a América
KARL DENNINGER
Se ainda não leu este artigo, deve fazê-lo. Ele é apresentado como uma explicação “porque é que a classe média é espremida” na América, com a premissa de que outrora já fomos suficientemente grandes para ser a força motriz da indústria transformadora do mundo, mas já não o somos e quanto a isso a culpa é nossa.
Errado.
Comecemos com este exemplo. Não há ainda muito tempo, que a Apple se vangloriava de que os seus produtos eram feitos na América. Hoje, poucos o são. Quase todos os 70 milhões de iPhones, 30 milhões de iPads e 59 milhões de outros produtos vendidos pela Apple no ano passado foram fabricados no exterior.
Porque não se traz estes empregos para os Estados Unidos, perguntou Obama.
A resposta de Jobs foi inequívoca. “Os empregos não vão voltar”, respondeu ele, de acordo com outro convidado no jantar.
Ok, então porque não?
Será porque os chineses são mais inteligentes?
Será porque perdemos a nossa capacidade de termos bons resultados na indústria transformadora?
Será por causa da nossa estrutura fiscal?
Em suma, onde é que está a nossa culpa?
Numa palavra: não.
Isto, meus amigos, é porque:
Os executivos da Apple dizem que têm estado actualmente a ir produzir no estrangeiro , porque isso é a sua única opção. Um antigo director descreveu como como é que a Apple dependeu de uma fábrica chinesa para renovar a sua fabricação dos iPhone poucas semanas antes de o produto chegar para ser posto nas prateleiras das lojas para venda. A Apple tinha redesenhado o ecrã já na última hora, forçando a que uma cadeia de montagem fosse também ela e por essa razão renovada. Os novos ecrãs começaram a chegar à fábrica já perto da meia-noite.
Um encarregado da produção imediatamente acordou 8.000 trabalhadores dentro dos dormitórios da empresa, segundo este antigo director.. Cada empregado recebeu um biscoito e uma chávena de chá, foi enviado para um posto de trabalho, de montagem, e no espaço de meia hora começou um turno de 12 horas a colocar ecrãs de vidro em quadros chanfrados. No espaço de 96 horas, a fábrica estava a produzir mais de 10.000 iPhones por dia.
A velocidade e a flexibilidade é de tirar o fôlego “, disse este executivo. “Não há nenhuma fábrica norte-americana que possa fazer o mesmo”.
É fácil ser “rápido” e “flexível” quando efectivamente se tratam os seus próprios “empregados” como escravos!
Quantos dos leitores perceberam bem o parágrafo anterior? À meia-noite, sem aviso, o encarregado da fábrica entrou nos dormitórios em que os trabalhadores estavam a dormir, despertou-os e efectivamente obrigou-os a trabalhar um turno de 12 horas, com nada mais do que um biscoito e uma chávena de chá.
Alguém conseguiu isso? Esses não são empregados, eles são escravos.
Afinal, eram estes empregados que estariam a trabalhar por salários grandes, certo? Uh, talvez não.
Estas instalações da (Foxconn) têm 230.000 empregados, muitos trabalham seis dias por semana, muitas vezes a trabalharem até 12 horas por dia na fábrica. Mais de um quarto da força de trabalho da Foxconn vive em regime de internato nas instalações da empresa e muitos trabalhadores ganham menos de US $ 17 por dia. Quando um executivo da Apple chegou durante uma mudança de turno, o seu carro ficou bloqueado por um rio de empregados a saírem em bicha contínua. . “A escala é inimaginável”, disse ele.
A parte inimaginável disto tudo é que esses empregados são escravos. A nação comunista pode ir longe com esse tipo de coisas. Eles podem, e fazem-no, impedir a organização desses trabalhadores num bloco de negociação consolidada, prendendo ou simplesmente fazendo “desaparecer ” quem o tenta. Uma greve coordenada é impossível, o que significa que não há equilíbrio de poderes entre o trabalho e o capital.
Este poder não vem de forças económicas naturais. Este vem, literalmente, do cano de uma arma.
Empresas como a Apple “, dizem que o grande problema em estabelecer fábricas nos Estados Unidos é que aqui não se encontra uma força de trabalho técnica capaz”, disse Martin Schmidt, reitor associado do Massachusetts Institute of Technology. Em particular, as empresas dizem que precisam de engenheiros com mais do que ensino médio como formação de base , mas não necessariamente com um grau de licenciatura no MIT ou outras. Os americanos a este nível de formação são difíceis de encontrar, dizem os executivos destas empresas. “Há bons empregos, mas o país não tem em número suficiente os quadros técnicos capazes de alimentar a procura”, disse Schmidt.
Está a estudar este país, a América? Como se podem ver e compatibilizar os custos da formação universitária a subir o dobro ou mesmo mais do que a taxa de inflação e níveis esmagadores da dívida com a premissa de uma força de trabalho tecnicamente treinada? É impossível.
Nas duas últimas décadas, algo de muito mais fundamental mudou, dizem os economistas. Os empregos de salários médios começaram a desaparecer. Especialmente entre os americanos sem formação universitária, os novos postos de trabalho de hoje são desproporcionalmente em ocupações no sector dos serviços – em restaurantes ou em call centers, ou como funcionários do hospital ou ainda trabalhadores temporários – que oferecem muito menos possibilidades de se ascender à classe média.
Os princípios do mercado livre são mesmo muito bons até que as pessoas começam a utilizar o trabalho escravo numa base efectiva, em paralelo com a degradação ambiental, como sendo o “progresso”. E não vamos poupar as palavras: Isto foi o que na verdade aconteceu.
Dada a ausência de uma interferência intencional no nosso sistema monetário e económico de ambos os lados do Pacífico o que tem estado a acontecer não se pode manter, não pode ser sustentado. Os americanos não podem andar a comprar iPhones sem dinheiro para gastar com eles e também não podem ter esses fundos na ausência do “crédito livre” e sem esquemas de Ponzi ou sem bons empregos.
Por outras palavras, ausente a distorção intencional que é possibilitada através dos enormes défices orçamentais, Estado a Estado, a nível dos governos local e federal o que aconteceu não pode pois ser imediatamente auto-corrigido. Henry Ford percebeu isso – é por isso que ele pagou aos seus funcionários o suficiente para que pudessem comprar um dos seus carros! Ele não só levou á redução dos custos de produção de um carro, ele aumentou o salário dos operário modestamente qualificados para que eles pudessem comprar um. Henry Ford assumiu todas as vantagens que descobriu na automação e na indústria transformadora com beneficio também para os trabalhadores de modo que o excedente económico total seria redistribuído e destinado parte dele adicionalmente para a compra dos seus produtos, e de outros também.
Isso é o que significa a melhoria na produtividade, é o que dá força à deflação natural que é o estado normal de todas as economias ao longo do tempo, e traz consigo melhorias em comum quanto ao padrão de vida para a maioria das pessoas.
“Nós não devemos ser criticados por utilizar trabalhadores chineses”, disse um executivo actual da Apple. “Os EUA deixaram de estar a criar pessoas com as competências de que nós precisamos.”
O que a Apple (e outras empresas) querem são empregados que estão alojados em dormitórios, que podem ser acordados à meia-noite para trabalhar de seguida num turno de 12 horas na base de uma ordem e alimentados apenas com uma chávena de chá e dez cêntimos de biscoitos, pagando-lhes US $ 17 por dia.
Isto é o que a Apple e as outras empresas exigem.
É absolutamente verdade que a América não pode satisfazer esta exigência, uma vez que a um dólar por hora não se consegue colocar a comida na sua mesa para uma família de quatro pessoas, digamos, muito menos pagar renda, electricidade ou a gasolina para o carro, para ir trabalhar e voltar!
“Nós vendemos iPhones em mais de uma centena de países”, disse um actual executivo da Apple. “Nós não temos a obrigação de resolver os problemas da América. A nossa única obrigação é fazer o melhor produto possível. “
Isso é absolutamente verdadeiro. Mas os Estados Unidos continuam a ser um mercado monstruosamente grande e a América não tem nenhuma obrigação em permitir a entrada de produtos para este país sem tarifas ou impostos enquanto ao mesmo tempo se está a explorar a existência de governos autoritários e a degradar o meio ambiente.
A tarifa de 100% sobre todos os produtos estrangeiros produzidos ou montados por Apple pode ser uma decisão fácil – isso tem a ver realmente com a disponibilidade de uma força de trabalho, caso que parece não interessar à Apple, ou isto tem a ver realmente com a exploração da escravatura patrocinada pelo Estado?
KARL DENNINGER, Apple (and America’s) Chinese Slave Labor Problem, 23 de Janeiro de 2012.
Source: Market Ticker